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Perfeccionistas buscam "sentido transcendental" em ambientes vazios

Emprestado a um amigo artista, o apartamento quase sem móveis do curador  Klaus Biesenbach foi pintado de branco, o que satisfez o gosto minimalista e "perfeccionista" do proprietário - Tony Cenicola/The New York Times
Emprestado a um amigo artista, o apartamento quase sem móveis do curador Klaus Biesenbach foi pintado de branco, o que satisfez o gosto minimalista e "perfeccionista" do proprietário Imagem: Tony Cenicola/The New York Times

Penelope Green

Do The New York Times, em Nova York

01/02/2012 12h57

O apartamento de Todd Waterbury é simplesmente perfeito.

E realmente não. Não são apenas os seus livros, todos com capas brancas, negras ou acinzentadas, que conferem à casa um curioso ambiente organizado e monocromático. Empilhadas cuidadosamente nas estantes da sala, as obras combinam perfeitamente com o cenário que as cerca: o sofá, as cadeiras, as roupas que o próprio senhor Waterburry usa, as paredes e o quadro do artista Peter Wegner exibem, todos, pelo menos uma das três cores.    

O termo “perfeccionismo” atinge níveis profundos neste espaçoso apartamento de um quarto localizado nas imediações do Central Park, na cidade de Nova York. Seu proprietário, o publicitário Todd Waterbury, preza pela simetria: as cadeiras da sala de jantar, por exemplo, não estão ao redor da mesa, como em qualquer casa normal. Elas ficam empilhadas ao lado da pintura de Wegner, que, por sua vez, mostra palavras organizadas em linha, umas sobre as outras e em tamanho decrescente.

De um ponto estratégico do apartamento é possível observar a integração entre a ordem dos livros, do quadro e das cadeiras empilhadas, assim como outros dois quadros de Wegner.

“E se você parar bem aqui”, diz Waterbury, “consegue ver a borda das armações de madeira dos quadros e relacioná-las à madeira das cadeiras da sala de jantar. Eu realmente gosto disso”.

Visões únicas

Fica claro que Waterbury – um criativo consultor de marcas que trabalhou por 16 anos na empresa publicitária Wieden + Kennedy – tem uma concepção estética que poucos podem compreender. Ele é um perfeccionista que não se guia pela moda para decorar seu habitat, mas sim por uma série de regras pessoais que são minimalistas por natureza. 

Tão minimalistas que alguns espaços de sua casa simplesmente não têm móveis. Waterbury, aliás, se diz “alérgico a objetos amontoados e ao design em geral”. E essa opinião é compartilhada por Klaus Biesenbach, diretor do PS1, a filial alternativa do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) instalada no bairro do Queens.

“Eu odeio design”, costuma dizer Biesenbach. Em suas viagens, o diretor costuma tirar de seu quarto de hotel qualquer coisa que se mova (mesas, almofadas, cadeiras) e esconder tudo dentro do armário. “Acho que se trata de uma doença que aflige os curadores de museu”, conta ele. “Eu gosto de reduzir tudo à sua superfície original”. 

Ao longo dos últimos cinco anos, Biesenbach tem vivido em um apartamento praticamente vazio de Manhattan. Até há pouco tempo atrás, o imóvel abrigava pouco mais que um colchão e uma televisão. Depois que a revista W publicou uma reportagem sobre a austeridade do lugar, os amigos de Biesenbach têm tentado lhe comprar alguns móveis.    

No ano passado, porém, o curador esteve viajando muito a trabalho e acabou por emprestar seu apartamento a um amigo artista, cujo estúdio fora danificado pelas fortes chuvas do mês de julho. Quando Biesenbach retornou, sua casa estava totalmente alterada.

O amigo havia trazido para o imóvel um sofá e uma mesa de jantar, além de haver pintado todo o apartamento de branco (inclusive os móveis). "Ele me sacaneou e eu deveria ter ficado muito bravo, mas, na verdade, eu adorei o novo ambiente”, conta Biesenbach. “Acho que meu amigo queria me tranquilizar”.

É verdade que o aparelho de DVD, o microondas e a cafeteira (que também foram pintados de branco) pararam de funcionar. Mas isso não aborreceu Biesenbach. Foi o sofá que o irritou.   

  • Tony Cenicola/The New York Times

    Quadro do artista Peter Wegner se integra aos móveis da sala de jantar no apartamento do publicitário Todd Waterbury, em Nova York

No outro dia, ele posicionou o móvel em um ponto estratégico da casa, de maneira que pudesse evitá-lo. “Ele é branco, então fica difícil vê-lo dentro do ambiente da casa. É como um urso polar camuflado em uma paisagem de gelo”, brinca Biesenbach. “Eu comecei a me sentir bem, pois eu ainda não me imagino comprando um objeto desses para mim mesmo”.  

O diretor do museu e curador, porém, diz que ainda não se sentou em seu sofá novo.

Design de espaços vazios

Outra personalidade do mundo do design que se destaca por ser um ativista “anti-sofá” é o arquiteto britânico adepto do minimalismo, John Pawson.

Ele já projetou poderosos espaços vazios para instituições como a grife Calvin Klein e o Museu do Design de Londres, além de ser o autor de “Minimum”, o manual do perfeccionista (o publicitário Todd Waterbury tem um exemplar em sua estante) .  

Na obra, Pawson discorre sobre as qualidades transcendentais de um quarto vazio. Fotografias de sua casa no bairro londrino de Notting Hill mostram um living equipado apenas com uma cadeira e um banco de pedra.  

Mas como muitos perfeccionistas, o designer acabou se apaixonando pelo seu oposto. Sua esposa, Catherine, é uma designer de interiores e uma acumuladora de objetos assumida, que trabalhava na Colefax & Fowler, empresa inglesa famosa por suas estampas floridas. 

“É difícil imaginar como conseguimos viver juntos”, conta Catherine. “Eu tive de ceder um pouco ao jeito do meu marido. Mas, para ele, abrir mão de algumas ideias e costumes foi bem mais difícil”,

Ela descreve como é viver na casa da família Pawson: “nada é bom o suficiente, o que deixa nossa vida bastante imperfeita”. Depois que a obra ficou pronta, ela diz que perguntou ao marido onde estavam as torneiras do banheiro. “Eu ainda as estou projetando”, foi a resposta de Pawson.

Catherine conta que adora móveis e coisas espalhadas pela casa, mas confessa que só conseguiu comprar o seu primeiro sofá quando o casamento já estava completando 20 anos. Os dois filhos do casal, porém, não reclamam. Pois, quartos vazios são ótimos para andar de skate.

Anti-sofás compulsivos

Ao contrário do que parece, John Pawson é uma pessoa que preserva um certo bom humor. Há alguns anos, ele fez um site para sua esposa (catherinepawson.com) que, na página de abertura, mostra a designer golpeando a cabeça de John com um exemplar de “Minimum”. Ao lado, a frase: “a exigência de Catherine por um sofá está cada vez mais agressiva”. 

Steve Jobs, um dos mais famosos estetas do mundo e conhecido por revolucionar os produtos Apple, também costumava desprezar sofás, e brigava com sua mulher, Laurene Powell, por causa disso.    

E por que os sofás irritam tanto os perfeccionistas?

“Le Corbusier dizia que cadeiras eram arquitetura e sofás eram burguesia”, diz John Pawson. “Eu, na verdade, não sei por que precisamos de sofás. Se você quer se deitar, vá pra cama”.

Pawson, entretanto, admite: “sou muito bom em usar os sofás de outras pessoas. Eu adoro o da minha sogra, por exemplo”. Assim, o arquiteto aproveita para contar uma história: “o sofá que compramos é desenhado por Pierre Jeanneret, primo de Corbusier. Um dia, o móvel simplesmente apareceu em nossa sala, trazido por Catherine. Com o objetivo de manter nosso casamento feliz, eu tive que aceitá-lo”.   

  • Tony Cenicola/The New York Times

    O curador Klaus Biesenbach gostou da intervenção artística em seu apartamento, mas desaprovou o sofá. Empurrou o móvel para um canto "camuflado" e diz que nunca o usou

Em termos médicos, o perfeccionismo é um traço de personalidade que se manifesta em comportamentos positivos ou negativos (neste último caso, podendo virar um transtorno obsessivo-compulsivo, por exemplo).

Segundo Randy O. Frost, professor de psicologia na Universidade Smith, pessoas com esse transtorno têm mania de acumular objetos, são indecisas e possuem grande sensibilidade para captar os detalhes das coisas.     

Os acumuladores identificam padrões nos objetos, e se deixam seduzir e aprisionar por eles. Em casos graves, essas pessoas desenvolvem um enorme temor de cometer erros, o que prejudica sua capacidade de tomar decisões.

“No mundo médico, o perfeccionismo sempre foi visto como algo negativo”, afirma Jeff Szymanski, autor do livro “O Manual do Perfeccionista: Assuma Riscos, Receba Críticas e Aprenda com seus Erros”.  O objetivo da obra, segundo Szymanski, é fazer do leitor “um melhor perfeccionista”. 

O próprio Szymanski admite ser perfeccionista, mas afirma que esta característica nunca o prejudicou. Ele tem uma carreira médica de sucesso e uma casa extremamente arrumada, cujo interior não dispensa alguns móveis retrô - escolhidos a dedo - e que combinam perfeitamente entre si. Mas diz que, se percebe que algum objeto mudou de posição, logo o coloca de volta em seu lugar. 

Manias passageiras

Para muitas pessoas, entretanto, o perfeccionismo pode ser apenas um estágio da vida. O arquiteto nova-iorquino David Mann é um exemplo disso. Mann trabalha com designs minimalistas de luxo e vive em um estúdio de 41 m² em Manhattan.

O antigo inquilino colocou no imóvel paredes acolchoadas, estantes de acrílico e deixou no local uma impressionante variedade de objetos de decoração.

“Eu gastei uma grande quantidade de dinheiro para limpar o visual do apartamento”, conta o arquiteto. Ele removeu as estantes e os aquecedores e instalou, no lugar uma cama, uma pequena mesinha com suas cadeiras e uma televisão com o mínimo de fios possível.  

Algum tempo depois, Mann conheceu Fritz Karch, um vendedor de antiguidades e colecionador de objetos que se destaca por exibir uma longa barba que chega até o peito. Karch coleciona uma enorme variedade de produtos: de cadeiras dos mais diversos períodos históricos a tesouras antigas.     

Os dois começaram a morar juntos durante a semana no estúdio minimalista de Mann. Nos fins de semana, Karch volta para sua casa em Nova Jersey, onde guarda sua enorme coleção de objetos. “Um amigo nosso disse que Fritz não tem medo de incêndios, porque simplesmente não há oxigênio em sua casa”, brinca o arquiteto. 

Karch retruca, dizendo que “não tem medo do mundo material”. Mann, porém, tem deixado seu companheiro trazer alguns objetos para o estúdio, como suas tesouras e alguns quadros.

Há alguns anos, a mãe de Mann presentou Karch com uma antiga coleção de colheres de chá de prata. Surpreso, Mann perguntou por que ela nunca lhe havia presenteado com algum objeto de estimação da família. “É porque você nuca gostou de nada”, ela replicou.