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Casa vitoriana onde Janis Joplin teria vivido tem decoração alternativa

"The Pink Palace", no Texas, é uma casa vitoriana que foi dividida ao meio e reimplantada duas vezes - Ryann Ford for The New York Times
"The Pink Palace", no Texas, é uma casa vitoriana que foi dividida ao meio e reimplantada duas vezes Imagem: Ryann Ford for The New York Times

Steven Kurutz

Do The New York Times, em Austin, Texas

30/05/2012 16h27

Austin, Texas – Entre os atuais e os antigos moradores do Pink Palace [Palácio Rosa], há um consenso que a casa adquiriu seu status de lenda, dez anos atrás, depois da festa “Lesbian Vampire Wine and Cheese Formal” [“Queijo e Vinho das Vampiras Lésbicas”]. Até então, o velho e original casarão vitoriano, localizado em uma rua tranquila na região do Campus Oeste da Universidade local era uma típica comunidade estudantil, lar de um elenco rotativo de pessoas que dividiam a comida, o aluguel, as contas e uma atitude liberal frente a questões como barulho e hóspedes frequentes. 

De verdade, há histórias que falam que Janis Joplin viveu ali durante sua rápida passagem por Austin, no começo dos anos 1960, e que ali, também, manteve relações sexuais. Mas como ressalta Anderson Mills, antigo morador, “isso não necessariamente faz desta uma casa única”.

O que inspirou o Austin Chronicle – tabloide local - a incluir o Palácio Rosa em sua lista dos “Melhores de Austin”, vários anos atrás, foram seus detalhes arquitetônicos malucos, como passagens secretas e uma porta que dá para o nada no segundo andar, além da reputação receptividade e animação de seus palacianos - como os moradores se autoproclamam. Porém, o maior impulsionador da fama local da república se deve, especialmente, às extraordinárias festas temáticas.

Festas de arromba, comunidade alternativa

A Festa das Vampiras Lésbicas de dezembro de 2002 foi a primeira, e envolvia fantasias, um DJ, algumas lésbicas (embora nem tantas quanto o nome sugeria) e um quarto no andar de cima que, em determinados momentos, mais parecia um clube de swingers.

“A energia estava perfeita”, lembra Mills, acrescentando que uma das anfitriãs - uma antiga moradora chama Audrey Make -, “fez um excelente trabalho ao trazer as pessoas certas para o Palácio, para que houvesse loucuras, mas misturadas a pessoas responsáveis que não iriam destruir o lugar”.

Desde então, as festas do Palácio foram elevadas ao status de performances artísticas, com nomes como “Insectosexy” e “Persona Party” (os convidados eram instruídos a levar mais alguém e eram avisados: “se a sua persona for sem graça, nós vamos lhe determinar outra”) e uma regra rígida pedindo a todos os convidados a ir fantasiados (elas afastam os beberrões malucos e drogados). Maker lembra de estar do lado de fora em uma das festas, vestida de odalisca, conversando com a polícia por causa de reclamações de barulho feitas pela vizinhança.

Mas isso é raro. Os palacianos são conhecidos por sua cabeça aberta e pelo foco na construção de uma comunidade. Certamente há uma verve tecnológica (“Segundas do Microcontroller” era uma evento semanal da casa) e uma vaga ligação com o festival Burning Man e sua versão local, o Flipside. 

  • Ryann Ford for The New York Times

    Casa no Texas abriga comunidade alternativa e tem decoração eclética, com teclados na escada

“As pessoas se reúnem, criam juntas e são inspiradas pelo que criaram”, conta Kai Mantsch, um cineasta que viveu no palácio por tanto tempo (quase uma década) que seu antigo quarto, no primeiro andar, ainda é conhecido como o Quarto do Kai. O mote do Palácio, disse Mantsch, é o da “inclusão radical”.

A rotina

Em uma recente noite de sexta-feira, não havia nenhuma vampira lésbica à vista e o clima era de descontração. José Lozano sentou-se na grande ilha central da cozinha para plantar alguns pequenos cactos que comprara para colocar na sua janela.

Dois de seus companheiros de casa, Aaron van Meerten e Sarah Stayer (o único casal da moradia), tinham acabado de descer para encontrar Mills, que deu uma passadinha por lá, depois de terminar seu dia de trabalho em uma empresa de softwares.

Como vários outros antigos moradores, Mills, que saiu de lá havia três anos, ainda tem a chave da casa e pode patrocinar eventos no local, graças ao programa de “Palacianos Satélites”. “E eu ainda cumpro o meu papel no palácio”, enfatiza.

Gregário e musculoso, com Ph.D em engenharia elétrica pela Universidade do Texas, Mills, 41, foi o auto-proclamado disciplinador quando morou no local e ajudou a estabelecer as regras da casa. Elas ainda estão coladas na porta de uma das quatro geladeiras e incluem: “nenhum palaciano pode reclamar de barulho no primeiro andar”.

Os moradores dividem as tarefas domésticas. Em uma parede da cozinha fica um quadro com as responsabilidades de cada um. Lozano aparece como responsável pelo “sêmen de unicórnio”.  “Não tivemos problemas com sêmen de unicórnio desde que José assumiu a tarefa”, brinca van Meerte, enquanto Lozano sorri maliciosamente e continua a cuidar das suas plantas.

Decoração “patchwork”

Enquanto a casa estava tranquila, Mills se ofereceu para fazer um tour, começando pela bem mantida fachada rosa, entrando pela sala com teto composto por belíssimos detalhes em madeira, um dos poucos detalhes originais que permanecem intactos.  

A decoração do Palácio sugere uma fraternidade artística: uma máquina de pinball vintage, um piano desafinado, sofás descombinados. Pôsteres e outras obras cobrem as paredes como camadas sedimentares, evidências de antigas eras e ocupantes. Sobre o piano, por exemplo, está um pôster da ópera-rock de Mantsch, a “Arrogant Satin Superstar”. 

Nos últimos 18 anos, 75 pessoas moraram na “fraternidade” e todas deixaram suas marcas. Jorge era um baterista da América do Sul, lembrado por tocar o tempo inteiro. Grog era do tipo faz-tudo e construiu as paredes do terceiro andar, uma garagem para bicicletas nos fundos e o balanço na varanda da frente.   

Uma palaciana pintou seu quarto para parecer um lago, enquanto um bartender chamado Leo criou um quarto secreto, cujo acesso ficava atrás de uma estante de livros no terceiro andar, que hoje é ocupado por Lozano.

Um físico chamado Dhruv, incumbido da limpeza, contratou uma empregada; outro ganhava a vida participando de estudos médicos. “Ele tinha uma ótima saúde e sempre parecia fazer parte do grupo específico de que precisavam”, lembra Mills. Esse mesmo morador certa vez começou uma discussão com um amigo, que empurrou a geladeira contra a porta do banheiro enquanto ele estava dentro. Eles gritaram um com o outro a noite inteira, conta Mills, e “tivemos que colocar o amigo para fora”.  

Embora alguns habitantes não tenham se moldado ou não conseguiram abraçar o ambiente altamente social, ao longo dos anos, os palacianos tiveram poucos problemas domésticos, segundo os atuais residentes. Parte disso se deve pelo fato de o Palácio costumeiramente atrair profissionais mais velhos e responsáveis, como Mills. Mas também, “em uma casa deste tipo, você precisa avaliar as pessoas cuidadosamente”, afirma Michelle Cheng, que viveu lá nos anos 1990 e ajudou a estabelecer o processo de análise.   

Os interessados, a admissão e os quartos personalizados

Sempre que há uma vaga, todos os interessados são sabatinados pelos atuais palacianos durante horas. “É desumano, mas é também muito útil”, disse Mantsch, porque tanto o interessado quanto os moradores possuem a garantia da compatibilidade.  

  • Ryann Ford for The New York Times

    O professor de arquitetura, dono da casa, permite que os moradores façam intervenções na construção

Uma vez aceito, o palaciano paga o aluguel mensal de US$ 432 (US$ 480 pelo único quarto com banheiro privativo) e pode decorar seu dormitório como quiser. O quarto de Maker tinha as paredes pintadas com espirais amarelos e laranjas, e uma imensa chama vermelha, num estilo que ela chama de “feng shui pró-sexo”. O de Mantsch era lotado de suas inúmeras coleções: “vídeos-cassetes, jogos de Atari, aparelhos de som, travas de bicicleta, fantasias – caixas e caixas de fantasias”, lembra Stayer. “Ele tinha uma namorada que, uma vez, organizou e etiquetou tudo”, conta Mills. “Uma das caixas foi etiquetada como ‘Chaves de Origens Desconhecidas’”. 

O quarto de van Meeter e Stayer, no segundo andar, tem a famosa porta para lugar nenhum - que já chegou a dar para uma varanda, mas que agora dá para o vazio -, como um convidado da festa “Missão: impenetrável” descobriu ao despencar de 6 m. Desde então, a passagem está lacrada.  

Em seu antigo quarto do outro lado do hall, que hoje pertence a Lil Bit, Mills conta que ele foi o responsável pela pintura verde-limão e pelos estênceis de bambu, que – acredita - dão um clima de selva ao ambiente. Apontando para uma rede ao lado da cama, ele acrescenta: “muito sexo aconteceu nesta rede”.  

Sem dúvida. A energia sexual atravessa o ar, como se uma orgia pudesse acontecer a qualquer minuto. Em festas no passado, era mais ou menos esse o caso. Mas “cada Palácio é seu próprio Palácio”, diz Mills, e as festas oferecidas pelos atuais moradores não parecem ter tanto apelo sexual.

Apesar da atmosfera de amor livre, é incomum, e até desaconselhado que palacianos namorem entre si, embora isso já tenha acontecido. Nestes casos, o casal deve preparar uma refeição para todos da casa para provar a seriedade do namoro. No jargão do Pink Palace, isso é conhecido como uma “orgia familiar”. 

A construção vitoriana

O Palácio foi construído por volta de 1890 pela família Holden - algumas quadras a leste de sua atual localização – e, anos depois, dividido ao meio e trocado de lugar. Mas foi em 1994 que a fundação do Palácio Rosa atual foi assentada. Isso aconteceu quando vários moradores da comunidade 21 Street assumiu o aluguel.    

“Éramos todos um pouco nerds”, relembra Cheng, uma das palacianas originais e, hoje advogada, que vive ali perto com seu marido. “Tínhamos diversos interesses artísticos e intelectuais e a vontade de viver em coletividade. Preparávamos muitas refeições juntos. Era uma comunidade muito bacana”, conclui.

Sarah Miller, outra fundadora, conta que a planta desconexa e os grandes quartos permitiram um “belo equilíbrio entre autonomia e comunidade”. Ajudou muito também o fato de o proprietário, Simon Atkinson, professor de arquitetura na Universidade do Texas, ter adotado uma abordagem mais livre com seus inquilinos, permitindo que os palacianos fizessem melhorias na casa e a decorassem como bem quisessem. Atkinson, comprou a estrutura em 1985 e a pintou de rosa.   

Mas também houve problemas: o Palácio era muito quente no verão e muito frio no inverno. Mesmo assim, apesar dos entraves, “foi a melhor situação habitacional que já tive”, afirma Miller, acrescentando que ainda mantém contato com os atuais moradores e frequenta as festas. “Para mim, ainda é meu lar. Sinto daquele conforto e coisas que eu comprei ainda estão penduradas nas paredes”.

Assim como grandes casas em cidades universitárias, Miller e Cheng foram passando o Palácio para seus amigos, que passaram para seus amigos. No começo dos anos 2000, com a chegada de peritos em sociabilidade como Maker e Mantsch, o Palácio começou a se abrir mais, atraindo uma gama diversa de pessoas de Austin para as festas, assumindo assim sua atual identidade.

Os palacianos passaram o sábado à tarde (de minha visita) comprando bebidas, avisando os vizinhos, mandando e-mails com as senhas ( “Alabaster”, “Tupac” e “Firmer Murmer”) e, finalmente, construindo a porta de um pequeno pavilhão na entrada, feito com chapas de compensado e lençóis, e iluminando tudo.  

Perto da meia-noite, o Palácio estava com a festa cheia, com mulheres em vestidos brilhantes e penas na cabeça e homens em ternos e chapéus, bebericando uísque. De uma das salas da frente foram removidos os móveis para uma pista de dança e um DJ tocava em alto e bom som. A bebida rolava solta.

Mantsch não estava presente, ainda em viagem. Ao ouvir falar sobre a festa, depois, concordou que fora esse o tipo de evento que transformou o Palácio em uma lenda de Austin. Mas “quando a purpurina e as fantasias são varridas no dia seguinte”, afirma, “o Palácio Rosa continua a ser um lar”.