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Designs atuais que podem se tornar clássicos em 2050: veja os candidatos

Cadeira One desenvolvida pelo designer  Konstantin Grcic para a Magis em 2004: candidata a ícone - Divulgação/ The New York Times
Cadeira One desenvolvida pelo designer Konstantin Grcic para a Magis em 2004: candidata a ícone Imagem: Divulgação/ The New York Times

Julie Lasky

Do The New York Times, em Nova York (EUA)

20/09/2012 18h41

Criada por Philippe Starck em 2002 - e com certa inspiração no século 18 -, a cadeira Louis Ghost faz uma homenagem ao estilo barroco francês. A peça tem um encosto oval e braços angulosos – muito chiques para um móvel de plástico transparente.   

Mas ela é um clássico? Isto é o que alega a indústria produtora, Kartell, anunciando recentemente que 1,5 milhões de “Louis Ghosts” foram vendidas desde o lançamento em outubro de 2002, tornando-a “a cadeira design mais vendida no mundo”. (A empresa não disse exatamente o que significa a expressão “cadeira design” – presume-se que não seja algo que você pode desdobrar sobre o gramado ou comprar na Ikea.) 
 
“Um ícone”, declara a Kartell. 
 
Quando recebi a notícia do aniversário de dez anos da “Louis Ghost”, fiquei cético quanto ao fato de uma cadeira ser canonizada depois de apenas uma década de vida. Pelo que vejo, o móvel não fez nenhum milagre maior do que ter sido produzido pela moldagem através da injeção de plástico fundido.  
 
Então parei e reconsiderei. De todo o mobiliário produzido em qualquer década, somente algumas peças podem ser qualificadas como - o que chamamos – “ícones de uma época”, e estes não são fáceis de prever. Assim, será que a “Louis Ghost” pode ser um desses objetos sobre o qual um “connoisseur” do futuro diria “Isso é tão atemporal”? O tipo de coisa que nossos netos irão buscar no fundo dos porões das casas de nossos filhos e colocar em suas próprias salas? 
 
Para uma melhor perspectiva, perguntei para uma série de peritos em mobília contemporânea qual a opinião deles quanto aos objetos produzidos na última década, sobre quais poderiam ocupar a casa com design consciente em 2050, do mesmo modo como, por exemplo, a poltrona Eames - criação do meio do século 20 – ocupa atualmente. 
 
Mas antes, o que torna algo um clássico?
 
A questão claramente dividiu as escolhas dos experts em duas categorias: carvalhos e sementes. A metáfora veio de Emilio Ambasz, arquiteto e designer industrial. Peças célebres do meio do século passado, como a poltrona Eames, teoriza Ambasz, “são como grandes e fortes carvalhos na floresta. Vão durar por muitos anos e, provavelmente, terão vários descendentes”.
 
“Entretanto”, o arquiteto continua, “desde 2000, só vi coisas que mais parecem sementes”, ou seja, design que pode não sobreviver em sua forma original, mas que é importante, porque faz com que outras criações nasçam. “O iPhone é a semente de mais coisas ainda por vir”, afirma. 
 
  • Divulgação/ The New York Times

    Cadeira Corallo" desenvolvida pelos irmãos Humberto e Fernando Campana. Com design inventivo, pode se tornar um ícone?

Metade dos designers, estudiosos e “connoisseurs” que consultei, na verdade, selecionaram um produto Apple como exemplo, senão como única escolha, do design ideal do começo do século 21. 
 
Até Murray Moss, varejista de design contemporâneo, que é a última pessoa que alguém poderia imaginar colocando a tecnologia à frente de um objeto, apresentou o iPhone de 2007 como primeira escolha de um futuro clássico: “porque a era é definida por novos meios de comunicação”, justifica. Moss prevê que “no mínimo, a próxima metade de século vai continuar explorando o modo como nos comunicamos.”
 
Outra semente proposta por Moss foi o vaso Honeycomb, de Tomas Libertiny, criado em 2007 e produzido com a ajuda de um enxame de abelhas. O comerciante chama o objeto de “um tipo profundo, silencioso, esotérico de design, que foi apresentado como uma tecnologia que estava bem debaixo do nosso nariz”. Libertiny, sugere Moss, foi inteligente ao domar a natureza para fazer o trabalho das máquinas. Ao se referir ao potencial inspiracional de um artefato único, ele acrescenta: “você não sabe quantas mentes foram provocadas por aquela pequena onda”.
 
Paola Antonelli, curadora sênior do departamento de arquitetura e design do Museum of Modern Art de Nova York (MoMA), há tempos vem se entusiasmando com a tecnologia. (Sua exposição de 2011, “Talk to Me”, lidava com a interação entre pessoas e máquinas.) Ela propôs o iPod de 2001, esclarecendo que estava colocando-o no mesmo pacote do iPhone e do iPad, mas que ele merece uma menção especial por ter sido lançado antes. Muito dos anos 1980 e 90 tratava do estilo, da imagem e da forma, segundo Antonelli, “foi com a virada do milênio que novos sensos de ética e experimentação assumiram o posto”.
 
Seguindo a mesma linha, a curadora menciona a “Honey-Pop”, cadeira de 2000, assinada por Tokujin Yoshioka, e feita a partir de folhas de papel reciclado que se desdobram e abrem como uma lanterna chinesa. Ela também sugeriu “Algues”, a divisória de ambientes criada por Ronan e Erwan Bouroullec para Vitra, que utiliza várias peças plásticas verdes para criar o que parece ser uma parede de algas marinhas.  
 
Ambos produtos altamente influenciáveis anteciparam algumas das preocupações dos anos 2000, aponta Antonelli: sustentabilidade, por uma lado, e design customizável e de acordo com o método do faça-você-mesmo, por outro.
 
iTecnologia
  • Paul Sakuma/AP

    Steve Jobs apresenta a primeira versão do iPhone em 2007. Smartphone tem design clássico

 
Depois do iPhone, a semente mais popular citada pelos experts foi a mobília de Patrick Jouin, feita à partir da tecnologia de impressão em 3D – as cadeiras C1 e C2 da coleção “Solid” de Jouin para a MGX by Materialise (2004), por exemplo – que demonstram a possibilidade de produzir objetos sob encomenda em qualquer lugar do mundo. Ron Labaco, curador do Museum of Arts and Design, enaltece Jouin por “tirar esta tecnologia do mundo dos protótipos e colocá-la no campo doméstico.” 
 
Do mesmo modo, Moss chama o banco One Shot de Jouin para a Materialise (2006) de “inovador no jogo”. O móvel surge de seu processo de manufatura completamente articulado e pronto para ser aberto, embora ainda não tenha sido tocado por mãos humanas. “É o primeiro objeto da história nascido totalmente articulado, sem a necessidade de montagem”, define Moss.   
 
A chance que qualquer uma dessas peças realmente apareça na sala de estar do futuro, entretanto, é remota. O banco One Shot é vendido por US$ 2.500 e, pelo menos, um jornalista curioso que conheço experimentou e achou a estrutura meio cambaleante. Eu tampouco recomendaria uma caixa de abelhas, por mais útil que seja, como um presente para o lar. 
 
Então, perguntei sobre objetos que não só fossem emblemáticos na sua época, mas que também mantivessem a promessa de “permanecer visíveis e proeminentes várias décadas depois”. Em outras palavras: carvalhos. 
 
Design industrial, o “carvalho”
 
O que mais recebeu votos nesta categoria (quatro, o que é muito bom, considerando todas as possibilidades em uma década) foi a cadeira One, desenhada por Konstantin Grcic para Magis (2004). “Esta cadeira estranhamente esquelética e fractal personifica a era digital que a produziu, enquanto também remete, de maneira oblíqua, à mobília clássica de Harry Bertoia”, escreveu em email o curador de design britânico e escritor Gareth Williams.  
 
Charlotte e Peter Fiell, os autores de vários livros sobre mobiliário inovador, também defendem objetos de traços marcantes. Os clássicos do design do passado, argumenta o autor, “além de possuírem um bom nível funcional no dia-a-dia, com uma estética arrojada”, possuem “um perfil muito gráfico”. Como resultado, diz, são objetos fáceis de escolher e de serem relacionados à determinada época, além das pessoas poderem se conectar a eles emocionalmente. 
 
Liderando a lista dos Fiell estavam as luminárias Beat, de Tom Dixon (2006), uma coleção de peças de metal forjadas a mão, com acabamento preto. Os Fiell também sugeriram a cadeira Supernatural, desenhada por Ross Lovegroove para Moroso (2005), uma peça leve e plástica, cujo encosto oval é furado como um queijo. 
 
O designer Vincent Wolf tomou o caminho oposto, recomendando móveis que cabem, sem esforço, em vários ambientes e eras. Apesar do solicitado, as duas peças que Wolf propôs foram criadas décadas atrás: a mesa de tampo de mármore de Cedric Hartman, dos anos 1970, e a luminária com braço móvel da Hinson, datada dos anos 1940. 
 
Wolf também sugeriu um objeto recente: a poltrona Metropolitan, de Jeffrey Bernett - desenvolvida em 2003 para a B&B Italia -, que ele chamou de “uma poltrona-escorregadia moderna”: “onde quer que eu a coloque, ela fica bonita e combina bem com outros elementos tradicionais”, avalia. Mas será que a veremos em 50 anos? “Bem, querida, você pode ver, mas eu estarei morto”, Wolf respondeu. 
 
Cadeiras poderosas
 
No geral, as cadeiras dominaram as indicações. Assim, o que quer que mude nas próximas quatro décadas, não vai impedir que as pessoas continuem sentando. “De todos os objetos, as cadeiras são as que melhor representam determinado período porque elas também tratam de estrutura”, argumenta Cara McCarty, diretora de curadoria do Cooper-Hewitt National Design Museum. “Esses móveis se relacionam com a arquitetura da época. Quando novos materiais estão sendo trabalhados, geralmente são testados em cadeiras”, completa. 
 
E de todas as cadeiras que McCarty viu nos últimos anos, a que mais lhe marcou foi a C2 de Jouin, mas a curadora hesitou em declará-la um clássico. Para ela, ninguém neste século pode se equiparar às realizações de Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Alvar Aalto ou de Charles e Ray Eames. “Não podemos esperar que cada geração produza uma cadeira ícone”, conclui.  
 
Talvez não, mas podemos esperar que alguns exemplos recentes tornem-se clichês amanhã. Imaginando o cenário de um filme em 2050 sobre os primeiros anos do milênio, apresento minhas indicações para futuros clássicos do design, sem nenhuma ordem em especial:
 
  • Divulgação/ The New York Times

    Cortina Until Dawn, de Tord Boontje (2004)

    Perto do ano 2000, depois de vários anos de modernismo limpo e abstrato, os ornamentos reapareceram. A cortina de Todd Boontje, “Until Dawn”, recortada com imagens descaradamente líricas e silvestres, é feita de Tyvek, o material usado nos envelopes para correio expresso.

    Custando US$ 124, a cortina é barata o bastante para achar seu caminho até o coração do público. Até o momento, 50 mil unidades foram vendidas, segundo um representante da Artecnica, a empresa que a produz. A também poética “Garland”, de Boontje (de 2002), uma tira de flores de metal que servem para envolver uma lâmpada, já fez dez vezes mais sucesso. Mas com o desaparecimento das lâmpadas incandescentes, a utilidade da Garland está sumindo rapidamente. A “Until Dawn” vai ser útil para sempre.

  • Divulgação/ The New York Times

    Mobiliário Joyn, de Ronan e Erwan Bouroullec (2002)

    “Joyn”, dos irmãos Bouroullec para Vitra, representa uma revolução silenciosa no mobiliário para escritórios. A divisória em baia é substituída por uma mesa em forma de cavalete; o branco assumiu o posto do marrom. A divisão entre casa e escritório se dissolve com o reconhecimento profético dos designers sobre como a tecnologia vai remoldar os hábitos e o ambiente de trabalho. E a simplicidade e a cordialidade da linha “Joyn” certamente farão bonito no futuro.

  • Divulgação/The New York Times

    Cadeira Myto, de Konstantin Grcic (2008)

    Entre o revival do ornamento no novo milênio e o controle manifestado por um pequeno chip de computador sobre vários itens de consumo, a forma se divorciou da função. O visual de um produto pode não ter nada a ver com o modo como ele funciona. Mais frequentemente no design contemporâneo, a forma segue o material.

    A cadeira Myto, criada por Konstantin Grcic para a empresa alemã Plank, evoluiu dos experimentos do designer com um novo tipo de plástico que permitia uma vasta gama de espessuras e uma grade de perfurações no assento e no encosto. A característica mais notável é sua “fluidez”, disse Grcic, e a cadeira em balanço realmente tem uma dinâmica planadora que deve se manter associada a sua era por muito tempo.

  • Divulgação/ The New York Times


    Chaise-longue Antibodi, de Patricia Urquiola (2006)

    Clássicos individuais geralmente provêm de um trabalho mais abrangente. Como os Bouroullec e Konstantin Grcic, Patricia Urquiola se destacou na primeira década do século 21 e está entre os mais formidáveis talentos no design surgidos recentemente. Qualquer peça sobrevivente a este período, provavelmente, vai incluir objetos destes quatro designers. Mas do quarteto, Urquiola tem o toque mais acessível, especialmente quando falamos em tapeçaria.

    Sua relação produtiva com a empresa italiana Moroso resultou em vários designs notáveis, entre eles está “Antibodi” com sua integração entre forma e revestimento e uma silhueta distintamente fraturada. O motivo floral é um símbolo da obsessão da década pela natureza, que cresceu conforme as ameaças ao meio ambiente foram se tornando cada vez mais urgentes.

  • Divulgação/ The New York Times

    Cadeira C2, de Patrick Jouin (2004)

    Depois de ter descartado aqueles que defenderam a mobília impressa em 3D de Jouin, entro nessa turma. Ao custo de US$ 38 mil, a cadeira C2 é ultrajantemente cara e é produzida com um material prototípico e quebradiço, mas esse é o modelo de 2004. Em 2050, qualquer um vai poder imprimir esta cadeira em plástico, em metal, em madeira ou pedra falsas. A forma será histórica, mas a cadeira terá um preço razoável.

Louis Ghost

E a “Louis Ghost”, é um clássico ou um fogo-fátuo? Os experts ficaram divididos. Williams, o curador de design inglês, sugeriu que o caráter camaleônico da cadeira lhe traz longevidade. Ela “parece funcionar em muitos tipos de decoração”, pondera Williams, “da comercial à doméstica, da vanguardista à conservadora, da cara à barata.”

R. Craig Miller, curador de artes e design no Indianapolis Museum of Art, também viu um futuro glorioso para a cadeira. “Quando houve o revival pós-modernista nos anos 2000, Starck foi um dos primeiros a senti-lo e ele traduziu isso na peça”, aponta Miller. “Ela se tornou um ícone”, conclui.

Antonelli, por outro lado, insistiu que a cadeira foi um produto do consumo consciente dos anos 1990, “independente de quando foi criada”. Para ela, o objeto carece do peso conceitual dos produtos verdadeiramente atemporais. “Ela passa a mensagem errada”, finaliza.

Mesmo assim, eu acredito que ela vá perdurar. Evocar o passado é um modo de garantir a atemporalidade, porque fazer isso nos traz um sentido tranquilizador de continuidade. E a forte impressão causada pela “Louis Ghost” no início pode muito bem deixar sua marca junto aos consumidores.

Não que a gente precise se afundar na nostalgia. Os inovadores de hoje podem não ter as mesmas oportunidades para criar paradigmas que os mestres de antigamente tinham, mas os padrões para o design contemporâneo permanecem altos. Como nota Jennifer Hudson, editora do “International Design Yearbook” (e outra proponente do iPhone): “não basta mais fazer algo bonito e funcional, ele tem que invocar nossas emoções e usar de tecnologias e materiais de modo engenhoso e criativo, assim como ter o menor impacto possível no meio ambiente.”

Qualquer coisa que consiga andar nestes trilhos será um presente para os nossos descendentes.