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Tecnologia e hábitos influenciam escolha e arrumação de criados-mudos

As mesas de cabeceira têm se tornado ainda mais caóticas: objetos, eletrônicos, livor e cosméticos estão lá - Trevor Tondro/ The New York Times
As mesas de cabeceira têm se tornado ainda mais caóticas: objetos, eletrônicos, livor e cosméticos estão lá Imagem: Trevor Tondro/ The New York Times

Penelope Green

The New York Times, de Niova York (EUA)

11/08/2013 08h31

Imagine o criado-mudo, uma modesta peça doméstica que, apesar de tudo, oferece um retrato conciso das aspirações, ansiedades e desejos humanos na medida a ser esperada nos idos de 2013: uma bagunça.

Repare, por exemplo, no emaranhado de eletrônicos e outros itens que zumbem perto da cabeça de David Rose - 46 anos, cientista convidado do Laboratório de Mídia do MIT - enquanto ele dorme ou, mais frequentemente, não dorme. Rose, que inventou a tecnologia que embute interfaces digitais em objetos como lâmpadas e armários , tem nas mesas de cabeceira que ladeiam a cama onde dorme com a mulher: um monitor de sono Zeo, uma luminária da Philips (que escurece quando ele está quase dormindo), um telefone sem fio, um iPhone, um alto-falante em coluna da Bose  (que sua esposa usa como carregador de celular), um relógio de pulso e algumas brochuras. Está tudo atolado nas superfícies de 61 cm x 46 cm de um par criados-mudos da Ikea que ele e sua esposa têm há décadas.
 
Os equipamentos sobre os criados-mudos e a confusão ali instaurada são problemáticos. Ou, como Alexa Hampton, presidente da Mark Hampton (empresa de design de interiores) disse recentemente, a colisão entre “eletrônica e nostalgia” que ocorre toda noite no criado-mudo é um desafio. 
 
Hampton tem fotos do marido e dos filhos sobre sua própria mesa de cabeceira, juntamente com seu iPad, seu iPad Mini e seu BlackBerry (que funciona como despertador) - cada um com seu próprio carregador -, assim como uma confusão de cosméticos, pinças, alicates e um espelho de aumento usado para maquiagem. A todos esses itens somam-se os óculos de leitura e uma pilha de livros, bagunçados sobre uma bandeja de prata. “Você pode ver que não é um mero problema de tecnologia”, argumenta a designer.

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Tecnologias insones
 
Todavia, nos últimos 50 anos, a adição de novas tecnologias tem perturbado este pequeno espaço, já lotado. Designers e fabricantes estão tentando descobrir como mediar tal bagunça. 
 
Por exemplo, a designer Robin Standefer propõe uma analogia: “[o criado-mudo] é como aquele novo avião”, diz referindo-se ao Boeing Dreamliner, “tem todos aqueles aparelhos eletrônicos, todas aquelas funções e está ficando cada vez maior. Eu tenho uma relação complicada com as mesas de cabeceira, quero que elas sejam de alguma forma ‘serenas’. Quero olhar para o móvel, quando estiver com a cabeça no travesseiro, e não enxergar uma vitrine”.
 
Pesquisas sobre a qualidade do sono confirmam a invasão digital no quarto. No estudo mais recente da Fundação Nacional do Sono dos EUA - um grupo sem fins lucrativos dedicado à “saúde do sono”-, conduzido em 2011: 72% dos pesquisados relataram que levam seus telefones para a cama; 49% disseram que levam um computador ou tablet e 13%, um leitor digital. Em 2010, uma pesquisa da Pew Research descobriu que 90% das pessoas entre 18 e 29 anos dormiam com seus celulares próximos à cama.
 
E parece que estes dispositivos estão reforçando todo o tipo de comportamento entre quatro paredes. Por exemplo, em uma reportagem sobre decoração de quartos, em edição recente da Revista GQ (norte-americana), os leitores são advertidos a não verificar seus smartphones depois do sexo. “Sabemos que olhar o seu telefone é o novo fumar depois do sexo”, diz a legenda, “mas espere pelo menos até que ela saia do quarto”.
 
Um lugar para a tudo e mais um pouco
 
Decoradores relutam em ceder a pedidos e palpites sobre criados-mudos, em partes porque preferem ladear a cama como mesas sem gavetas ao invés dos  verdadeiros criados-mudos. Celerie Kemble, uma designer de Manhattan, afirma: “Eu gosto de mesas bistrô, mesas cabriolé, até mesmo de móveis para áreas externas”. Standefer acrescenta: “Eu quero ver pernas, não algo quadradão”.
 
Porém, Kemble pondera: “Fica o enigma de como esconder os eletrônicos. O iPad e o Kindle, já que a maior parte dos clientes possui os dois. E o iPhone e o BlackBerry. Ah! Não esqueça o Invisalign, os protetores dentais contra bruxismo, as máscaras contra apneia noturna e os anticoncepcionais. Sim, você tem que conversar sobre anticoncepcionais antes de sair para comprar a mesa. Homens solteiros têm que ter algum lugar para colocar os preservativos. E os remédios, o Ambien e o Viagra? Ou os protetores auriculares? E para as preocupações do meio da noite, é preciso ter um lugar para colocar um bloco de papel e uma caneta”.
 
Para agrupar todas essas coisas, Kemble já usou bandejas de prata, latinhas e caixas de chá antigas, pequenas arcas e até mesmo escrivaninhas com filtros de linha dentro das gavetas. Assim, para problemas maiores com equipamentos, a designer sugere: “Que tal uma mesa com saia e uma grande bandeja na qual você pode misturar tudo e deslizar para ali debaixo?”
 
Tiffiny Johnson, compradora sênior na Design Within Reach, disse que escolher uma mesa de cabeceira é um desafio, em particular para modernistas ou qualquer um que considere um criado-mudo sem gaveta e um (único) livro sobre ele um ideal estético. “Os novos equipamentos nos fizeram pensar sobre para quê o cliente realmente usa o móvel ao lado da cama”, explica. “Os livros estão em extinção. Todos têm seus livros em seus aparelhos eletrônicos, que estão cada vez menores. E há o espaço para esconder os cabos. Temos que pensar, porém, onde fica a tomada”, completa.
 
Aonde vai o quê?
 
Uma nova coleção projetada pelos designers Jeffrey Bernett e Nicholas Dodziuk, lançada recentemente, oferece três cenários alternativos ao criado-mudo “quadradão” + cama: uma cama com armazenagem sob si e uma pequena mesa redonda que se fixa ao seu lado; uma cama como uma grande cabeceira e criados mudos suspensos com gavetas; e a terceira, uma grande e larga cama e um criado-mudo mais tradicional, com compartimentos abertos e ocultos, para coisas mais privadas.
 
William Georgis, arquiteto que projeta ambientes modernos e glamourosos, revela que ocasionalmente coloca gavetas escondidas nos criados-mudos que cria para seus clientes. Num caso específico, na única gaveta de uma mesa de cabeceira com pés de bronze e revestimento em pergaminho - que ele projetou para uma família com filhos pequenos - havia uma bandeja deslizante ocultando uma gaveta dentro de outra gaveta, para esconder cartas de amor, como nas escrivaninhas do século 18.
 
“E esse tipo de coisa leva você ao próximo nível”, aponta Georgis, “nós estamos fazendo projetos para os brinquedos [eróticos]”. Maurice Blanks, um dos diretores da fábrica de móveis Blu Dot, foi inovador a respeito de todos os equipamentos que as mobílias de quarto de sua companhia são projetadas para acomodar: no catálogo online da empresa, você vai ver que o criado-mudo Modu-licious pode armazenar desde exemplares da Architectural Digest até brinquedos eróticos picantes.
 
“A maior parte das nossas peças foca em armazenagem fechada”, informa Blanks. “As pessoas estão passando mais tempo em seus quartos e o comportamento delas no quarto mudou. O modernismo se tornou menos dogmático nos últimos dez anos. As pessoas querem que o moderno seja mais funcional, assim a mesinha de pedestal perfeita com apenas um livro talvez não seja mais tão apelativa”.
 
A tecnologia está mudando tão rapidamente, acrescentou Blanks, que é melhor que os fabricantes de móveis abordem-na apenas em linhas gerais – quando falamos em gerenciamento dos fios, por exemplo, geralmente um buraco na parte de trás de uma gaveta ou prateleira, mas nada muito específico, como uma base de carregadores – para que as peças sejam relevantes daqui a uma década.
 
A psicologia da mesa de cabeceira
 
Cientistas sociais dizem que os quartos são espaços francos, porque são privados. Se você mostra o seu melhor - ou como você espera que os outros o vejam - na sua sala de estar, o seu verdadeiro “eu” poderá ser encontrado no seu criado-mudo.
 
Sam Gosling, professor de psicologia na Universidade do Texas e autor de “Snoop: What Your Stuff Says About You” [“Curioso: o que suas coisas dizem sobre você”, em tradução livre], alfineta: “Procure por discrepâncias: existe Platão, Shakespeare e Goethe nas prateleiras da sala e romances vulgares sobre o criado-mudo?”
 
Porém, Gosling também enfatiza que também mostramos nossas aspirações no quarto – por exemplo, nas pilhas de livros que esperamos ler, mas que quase nunca conseguimos. “Minha pilha de livros não apenas conta o que leio, mas conta algo sobre as minhas aspirações”, afirma. “E o quão fora da realidade eu estou quanto às minhas expectativas”, completa.
 
Anthony P. Graesch, professor assistente de Antropologia na Faculdade de Connecticut , estudou a cultura material de famílias de Los Angeles e aponta que as pistas visuais dos criados-mudos, às vezes, são editadas por causa de questões práticas. “Pais com filhos pequenos, por exemplo, não podem armazenar uma grande quantidade de itens em suas mesas de cabeceira, a fim de que não sejam tomados, mal utilizados ou roubados por mãos curiosas”, escreveu em um e-mail. 
 
“Na minha casa, eu e minha esposa temos apenas uma mesa de cabeceira, que agora contém um livro e um relógio. Meus filhos de quatro e dois anos fugiriam com qualquer outra coisa (por exemplo uma luz de leitura portátil, moedas, um frasco de Tylenol...), então deixamos estes objetos num nível mais alto. Há também o problema do espaço disponível. Na casa dos Graesch, o quarto de casal é grande o suficiente para apenas um criado-mudo. Assim, não tenho minha própria mesa de cabeceira. Eu perdi essa batalha, então fico sem”.

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E a bagunça, faz mal?
 
Aqui vai um aviso sobre ficar sem criados-mudos: Reiko Gomez, designer de interiores e praticante de feng shui, aconselharia Graesch a lutar por seu próprio espaço pessoal. “É importante ter duas mesas de cabeceira”, defende, “mantém o equilíbrio no relacionamento”.
 
Mas, enfim, o que fazer com as coisas que repousam sobre o criado mudo de Rose, o cientista do MIT sobre o qual falamos no início deste relato? A abundância de equipamentos indica que ele e sua esposa têm sono leve e são, talvez, ligeiramente competitivos. Rose chama o monitor de sono Zeo de “um pequeno outro”, uma ajuda na “gamificação do sono”. (Estes monitores medem o estado e a qualidade do sono e fornecem uma pontuação sobre o descanso, explica). “Eu realmente quero conseguir dormir bem”, desculpa-se, “quero manter o hábito”.
 
A esposa de Rose costumava ter um Zeo também, mas foi privada do equipamento pelo cientista, porque pedia para que as luzes fossem apagadas cada vez mais cedo, assim poderia atingir seu estágio R.E.M. mais rapidamente. “Ela é um pouco mais obsessiva-compulsiva do que eu”, justifica Rose, “eu não gostei do efeito”.
 
Caçadores de bagunça como Leslie McKee, house organizer em Pittsburgh, argumenta que “as coisas que existem para dar suporte ao sono, até mesmo uma máquina com ruído branco, podem aumentar a bagunça que atrapalha o descanso noturno”. “Pessoas sobrecarregadas perdem suas energias ali mesmo, na cama. Nós tentamos advogar em favor da simplicidade”, defende.
 
E emenda: “Eu pergunto às pessoas: ‘O que a sua avó tem ao lado da cama dela?’ Uma toalhinha de renda, uma fotografia, algo que a fez feliz. Pense sobre o que sua avó fez e vá dormir”.
 
E quanto dormir?
 
Finalmente, enquanto não há consenso sobre os criados-mudos ou a organização da bagunça dos quartos contemporâneos, historiadores e até mesmo alguns especialistas em sono começam a questionar o dogma das oito horas de sono ininterrupto. Dormir em dois turnos, dizem, pode, na verdade, ser uma tendência natural, não um subproduto da idade ou da preocupação.
 
Lucy Worsley, curadora chefe dos Historic Royal Palaces, um grupo de conservação britânico, e a autora de “If Walls Could Talk: An Intimate History of the Home” [Se as paredes pudessem falar: uma história íntima da casa”, em tradução livre], destaca que não somente os quartos privados (e camas) são uma ideia relativamente moderna, mas também as oito horas de descanso o são. 
 
“É uma invenção da Era Industrial e dos proprietários de fábricas”, afirma. Worsley descreve o ritmo de uma típica casa Tudor (época em que a inglaterra foi regida pela família de mesmo nome, entre meados de 1400 e 1600), com pessoas acordando naturalmente logo após a meia-noite, depois do “primeiro sono”, como ela coloca, e aproveitando um pouco. “Os homens conversavam com suas esposas, faziam sexo, trabalhos domésticos e até mesmo saíam e assaltavam outras pessoas. Roubavam porcos, por exemplo. Aquelas vilas Tudor devem ter sido muito animadas à noite”, argumenta.