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Nos EUA, casa é sustentada por pilares de concreto e atrai olhares

Da cozinha, através da fachada de vidro, é possível avistar a via movimentada da estrada Sunset Boulevard - Trevor Tondro/The New York Times
Da cozinha, através da fachada de vidro, é possível avistar a via movimentada da estrada Sunset Boulevard Imagem: Trevor Tondro/The New York Times

Steven Kurutz

Los Angeles, Califórnia, EUA

21/04/2014 07h00

Os recém-chegados à Los Angeles frequentemente recebem a sugestão dos moradores locais para pegar o carro e seguir pela estrada Sunset Boulevard até o Oceano Pacífico. É um passeio bonito e mundialmente famoso. É também uma iniciação ao mito da Califórnia, sem as desvantagens. Você vai além da congestionada rodovia 405, dá voltas pelos desfiladeiros rústicos onde vivem as estrelas de cinema e respira a brisa do oceano a oeste do bairro Brentwood, como se a natureza tivesse fornecido aos moradores locais um ar-condicionado gratuito.

Neste mesmo trecho de estrada, o recém-chegado certamente vai se deparar com alguns dos projetos arquitetônicos mais ousados da cidade. Pouco antes do bairro Pacific Palisades, há uma colina curva e, pendurada nela, uma casa cuidadosamente equilibrada sobre palafitas de concreto maciço. A casa de dois andares revestida de madeira sequoia parece pairar perigosamente sobre a estrada. É a arquitetura anunciando: “Aqui não é Cleveland”. Quem não é da cidade olha para cima e pensa nos terremotos e tremores.
 
 
Thomas Carson, arquiteto de Los Angeles que admira a presunçosa engenharia da casa, disse que ela se tornou parte do cenário desta rota famosa. “Todo mundo a conhece”, disse Carson. “É uma daquelas casas icônicas que você vê primeiro quando está dirigindo na direção oeste pela Sunset”.
 
J. Scott Carter, um colega arquiteto, comparou a casa a outra vista familiar do sul da Califórnia. “É como um viaduto, com esses pilares de concreto”, disse, acrescentando: “De baixo, você não tem a menor ideia de que haja alguém na casa”.
 
A casa realmente carrega um ar de mistério. A forma dramática e a localização remota sugerem o refúgio do vilão de um filme de James Bond, ou de um velho produtor recluso de Hollywood. É um exemplo notável de brutalismo, apesar de não ser um trabalho de um arquiteto de renome ou de não aparecer nas listas das mais famosas obras-primas modernistas da cidade.
 
Enquanto muitos estão familiarizados à casa, Carson disse, “muito poucas pessoas sabem quem a fez. Muito menos que quem mora nela foi quem a projetou". 

sala de jantar da casa em Los Angeles - Trevor Tondro/The New York Times - Trevor Tondro/The New York Times
Robert Bridges desenhou quase todos os móveis da residência como a mesa e as cadeiras Bubinga
Imagem: Trevor Tondro/The New York Times

Uma tarde, no ano passado, Robert Bridges estava sentado em sua cozinha, bem acima da Sunset Boulevard, refletindo sobre sua vida e sua carreira. O cômodo foi dividido em dois por uma pesada coluna de referência na arquitetura de Le Corbusier. Enquanto ele falava, na penumbra, o barulho fraco do tráfego podia ser ouvido, vindo de 30 metros abaixo dali.
 
Bridges, de 60 anos, é professor de finanças imobiliárias na Universidade do Sul da Califórnia, na Escola de Negócios Marshall. Mas 30 anos atrás ele foi o arquiteto que projetou diversas casas no sul da Califórnia, incluindo esta instalada de forma tão precária.
 
“Eu prefiro ‘cuidadosamente’”, disse Bridges. “Pode parecer precário, mas não é. Do ponto de vista da engenharia, isto é absolutamente racional”.
 
Desafios e solução engenhosa
 
Seu projeto que desafia a gravidade foi uma resposta às limitações, tanto financeiras quanto arquitetônicas. Bridges comprou o terreno íngreme, e aparentemente sem condições de construção, por US$ 40 mil, em 1979. Além de sua localização no distrito de Pacific Palisades, a propriedade tinha apenas outro benefício óbvio: “Naquele momento, era a única coisa que eu podia pagar”.
 
A construção apresentou uma série de desafios: a qualidade, primeiramente, mas também o barulho do trânsito. A casa teria que desviar a interminável sinfonia de máquinas acelerando e reduzindo a marcha.
 
Por uma década ele trabalhou e criou três filhos com sua esposa, Janelle, enquanto economizava dinheiro e ponderava as opções. Finalmente, no “ápice de muito pensamento artístico e engenharia”, ele chegou a uma solução: concreto pós-tensionado e reforçado. Como Bridges explicou, “é basicamente a mesma tecnologia utilizada na estrutura de um estacionamento”.
 
Pilares de suporte fazem contato com o solo em bases de concreto. Sob as bases estão vigas socadas profundamente no solo em determinado ângulo, o equivalente a alguém afastando as pernas para se equilibrar. Em cima de tudo isso, fica a casa.
 
Para despejar todo aquele concreto, ele não podia pagar por uma equipe cara com maquinário pesado. Foram somente ele, um guindaste e três outros homens. “Quando você tem 35 anos, a coisa é diferente do que poderia ser em outros momentos de sua vida – aquilo é excitante”, disse. “Mas é extremamente arriscado. Estávamos constantemente pendurados, fazendo proezas ousadas e estúpidas”.

Janelle Bridges visitou algumas vezes o local com seus filhos a tiracolo e viu o marido suspenso sobre o vazio. “Eu me lembro, quando nos mudamos, de ter pesadelos sobre cair”, disse. “Eu me pergunto de onde eles vieram”. 
 
Por conta de toda a ousadia no lado que dá vista para a estrada, a casa tem uma dupla personalidade. Sua entrada, no nível de uma rua residencial, é quase modesta.
 
Mas o interior carrega as características de seu método de construção: os tetos são de concreto exposto, enquanto grandes colunas pontuam os espaços de convivência. Janelle Bridges a chamou de “uma casa tipicamente masculina”, embora seu marido tenha usado a madeira nos pisos e paredes para trazer um pouco de calor. O efeito é como o de estar dentro de uma casa na árvore projetada por Robert Moses.
 
Robert Bridges disse: “O conceito era de um espaço aberto, como você teria em um loft em Nova York. Não houve um planejamento cuidadoso sobre os detalhes requintados do espaço interno”.
 
De qualquer forma, o foco fica na parte externa e na parte de baixo. Fora da cozinha, uma varanda se estende sobre a via movimentada. “Todo mundo que compra um carro novo em Los Angeles passeia pela Sunset Boulevard, então eu tenho visto todos os carros novos”, disse Robert Bridges, do lado de fora da casa. “Temos os loucos com os carros de luxo. Eles passam por aqui a mais de 160km/h”.
 
De noite, ele disse, a estrada se acalma: “O tráfego diminui a quase nada e você tem esta plataforma de observação, com vista para todo o desfiladeiro. À noite, este lugar é incrível”.
 
Atração turística
 
Enquanto estava construindo a casa, e mesmo depois, Bridges teve que lidar com uma enxurrada com curiosos, e ele achou que o interesse iria desaparecer, mas nunca desapareceu. Ônibus de turismo ainda diminuem a velocidade na Sunset. Estudantes de arquitetura batem a sua porta. Mesmo quando ele está longe de Los Angeles, a notoriedade de sua casa o precede.
 
“Eu conheci um cara no Alasca, no meio do nada, que estava tentando descrever esta casa maluca que ele havia visto”, disse Bridges. “Eu lembro que o cara estava ligeiramente bêbado e levou muito tempo para falar, mas então me dei conta de que ele estava falando sobre a minha casa”.
 
Wyatt Bridges, seu filho caçula, hoje com 22 anos, conta que quando era mais novo, dizia para as pessoas onde ele morava e os olhos delas brilhavam em reconhecimento. “Elas falavam: ‘Ah! Você mora na casa que fica em cima do penhasco’”.
 
Quando ficou mais velho, virou motivo de orgulho para ele o fato de seu pai ter construído a casa, assim como grande parte da mobília. “Tem muito mais significado”, disse. “As coisas não são objetos, são pedaços de história”.
 
Não muito tempo após a família ter se mudado, em 1991, o Bridges mais velho, avesso aos riscos financeiros da indústria da construção e sentindo que seus interesses tinham mudado, trocou a arquitetura pela escola. Sua marca duradoura como arquiteto e o trabalho pelo qual ele é mais conhecido, mesmo que anonimamente, é a casa na qual ele acorda todas as manhãs. Talvez seja apropriado, considerando o que foi preciso para construí-la.
 
“Foi um grande sacrifício trabalhar, construir isso tudo e criar os filhos”, disse Bridges, observando a cidade a partir de seu deck. “Foi uma luta”.
 
O sol começou a se pôr, lançando um brilho púrpura pelo desfiladeiro e bem na hora o tráfego diminuiu. Bridges destacou a vista panorâmica, o jardim que ele e sua esposa esculpiram na encosta e a queda vertical para a estrada a seguir.
 
Ele lembrou certa vez ter visto músicos marchando ao longo deste trecho de rua, realizando um ciclo das óperas do “O Anel do Nibelungo”, de Richard Wagner. Ele riu. “Há sempre algo selvagem descendo a Sunset Boulevard”, disse.
 
Tradutor: Erika Brandão (tradução) e Karine Serezuella (edição)