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Decoração caótica chama atenção em casa com "mausoléu" no armário

Detalhe da mesa de trabalho da cartunista da New Yorker, Roz Chast, em sua casa em Connecticut, EUA - Randy Harris/ The New York Times
Detalhe da mesa de trabalho da cartunista da New Yorker, Roz Chast, em sua casa em Connecticut, EUA Imagem: Randy Harris/ The New York Times

Sarah Lyall

The New York Times, de Ridgefield, Connecticut, EUA

05/07/2014 08h30

Para apresentar seus pais, Roz Chast abre a porta do closet e remexe por entre algumas coisas que estavam no chão. É ali que ela os guarda, no meio de uma mistura de caixas e bobagens: as cinzas da mãe em uma bolsa de veludo marrom, as do pai na sacola do Canal 13 que ele levava consigo para todos os lugares. 

“Gosto de ter os meus pais dentro do closet”, é como ela explica a situação em seu novo romance em quadrinhos “Can We Talk About Something More Pleasant?” [N.T: “Podemos Falar Sobre Alguma Coisa Mais Agradável?”, em tradução livre], que descreve o longo e íngreme declínio dos pais, que começou quando sua mãe caiu de uma escada em 2005 e foi até a sua morte, em 2009 (o pai de Chast faleceu no meio disso tudo). “Acho que aqui é um bom lar para eles.” 
 
 
É quase chocante conhecer Chast, cujos quadrinhos apresentam frequentemente uma mulher com confusão crônica. Além de não ser um pacote óbvio de neuroses, ela é esquisita, pensativa, capaz de olhar para as menores coisas e enxergar a graça que só elas possuem.  
 
“Esta é a minha incrível coleção de latas”, diz, exibindo uma prateleira dedicada a embalagens exóticas com conteúdos inusitados. Uma delas, chamada “The Full Monty”, vem do Reino Unido e se propõe a ser um café da manhã completo – feijões, salsichas, tomates, batatas e cebolas – uma gororoba completa em um único receptáculo. “Minha única regra é que as unidades devem ser compradas no supermercado”, completa.  
 
Decoração caótica
 
A casa de Chast é arrumadinha, num tipo de caos controlado, e cheia de detalhes interessantes. As paredes são um turbilhão de arte e quadrinhos autografados de vários dos seus amigos cartunistas da revista New Yorker. A mesa da cozinha está coberta de provas do seu mais recente livro infantil. Embora Chast, que tem 59 anos, venha contribuindo com a New Yorker há mais de 30, há em seu escritório um grande e recheado armário dedicado aos quadrinhos que não chegaram a entrar na revista.
 
Seu grande dom é a capacidade de filtrar a vida normal pelo liquidificador que é sua mente, para produzir obras que são tanto sui generis quanto universais. Então, dependendo de onde você se encontra na linha do tempo do declínio de seus próprios pais, “Can We Talk About Something More Pleasant?” pode ser lido como um conto elementar ou preventivo, um filme de terror ou um documentário. É também muito, muito engraçado, de um jeito que a lembrança meticulosa sobre a morte dos pais de alguém provavelmente não seria. 
 
Toda história de um adulto com seus pais à beira da morte é igual, e, mesmo assim, todas são diferentes. Chast era filha única, então quando seus pais tornaram-se dependentes, ela se transformou na única responsável: “Eu aprendi sobre minhas próprias limitações, que eram consideráveis.”   
 
Filha única
 
Ela foi forçada a confrontar amedrontadores problemas não resolvidos de sua infância solitária, caracterizada pelos gritos e críticas de sua mãe. “Aprendi a manter minha cabeça baixa”, escreve, “e meus pensamentos para mim mesma.” Ela é do tipo que registra mentalmente suas ideias, e nas anotações sobre quando mantinha a cabeça baixa, ela desenhou um pequeno livro entitulado “O Grande Livro do que Eu Realmente Penso”. 
 
“É engraçado”, disse, e depois parou por um instante. “A infância não foi o melhor período da minha vida.” Chast explica que salvou a si mesma,  através de sua imaginação e sua criatividade. Proibida de ler quadrinhos e outros materiais supostamente indecentes, a menina dava um jeito e  lia coisas como Zap e Mad. Mas foi a enfadonha revista infantil Highlights que a ajudou a se transformar em cartunista. 
 
 
Logo, Chast estaria "perdida" no mundo das artes, fazendo aulas extras e desenhando o tempo todo. Saiu de casa para a faculdade aos 16 anos, começando no interior de Nova York e terminando na Rhode Island School of Design. Seu primeiro cartoon para a New Yorker (“Little Things”, o desenho de objetos imaginários e inconsequentes, com nomes fictícios e divertidos) foi vendido em 1978, e a artista vem, desde então, complementando sua renda com livros e ilustrações. 
 
A casa
 
A casa da ilustradora , na realidade, a de uma família com dois colaboradores da New Yorker: o marido de Chast é o escritor e humorista Bill Franzen, de 62 anos. Eles vivem nesta pacata cidade logo na divisa de Connecticut desde que ela engravidou da segunda filha, Nina, hoje com 23 anos. (O mais velho, Ian, tem 26 anos.) A casa é aconchegante, cordial e espaçosa, mas não é na cidade de Nova York e tem seus problemas. “Não gosto de ir até o porão”, confessa Chast, “sempre tenho medo que alguma coisa exploda”.
 
Porém, a artista tem uma rede de amigos artistas e um gramado na frente de casa, que Franzen gosta de decorar com temas sazonais: para a Páscoa, o escritor cria uma pequena cena com ovos gigantes e um grande coelho em cima de uma carroça. 
 
A quietude de Connecticut certamente ajudou Chast a compilar seu livro, tão ambicioso, cru e pessoal quanto qualquer coisa que ela já tenha produzido. Composto na sua maior parte de cartoons, mas salpicado com fotografias e trechos de prosa, ele ricocheteia cronologicamente, e no final é tanto o retrato de uma família quanto uma história sobre a morte de duas pessoas.  
 
Chast levou dois anos para decidir o que incluir e como estruturar tudo, mas seu esboço se insinuou para ela desde o começo. “Eu não fazia ideia de como ia ficar quando todo o material estivesse compilado, mas sabia onde o livro deveria começar e onde acabaria por terminar”, conta. “Eu sabia que o fim seria com meus pais no closet. E eu gosto do fato de eles estarem juntos.”