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Casa do século 18 e edifício contemporâneo dividem terreno tombado

Do UOL, em São Paulo

06/04/2013 09h00Atualizada em 21/04/2015 18h27

Encravada em uma das áreas de comércio e serviços mais caras e sofisticadas da capital paulista, a Casa Bandeirista do Itaim, agora restaurada, destaca-se ao lado das vistosas fachadas de vidro espelhado da torre  Brookfield  Malzoni. O contraste evidente não agride a valiosa relíquia do século 18, sede do antigo Sítio Itahim, que deu nome ao bairro que nasceu e cresceu ao seu redor.  

“As duas construções convivem respeitosamente, cada qual em seu tempo, com uma diferença de mais de dois séculos. Na casa, o visitante esquece a vida agitada da cidade, por vislumbrar a rotina rural do período colonial tão próxima da agilidade plena e total do terceiro milênio”, comenta a arquiteta e historiadoraHelena Saia, autora do projeto de restauração da casa.

Para não obstruir a vista do imóvel tombado (em 1982, pelo Condephaat - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico  e Turístico, e em 1992, pelo DPH - Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura), o novo edifício foi projetado pelo escritório Botti Rubin Arquitetos Associados em forma de “U” invertido, com um vão livre central de 44,4 metros. Seu revestimento em vidro espelhado reflete e multiplica as imagens do antigo casarão entre árvores e arbustos.

A história

Construído no final do século 18, o imóvel restaurado é um dos seis exemplares remanescentes do Ciclo Bandeirista na capital - os demais estão nos bairros de Santana (dois), Tatuapé, Butantã e Caxingui - e apresenta as mesmascaracterísticas arquitetônicas das sedes de fazenda que ocupavam o planalto paulista na época.

A estrutura é em taipa de pilão, caiada de branco, com planta simples de distribuição simétrica, fachada com alpendre central ladeado por quarto de hóspedes  e capela, salão central e quatro ambientes laterais, dois de cada lado, com jiraus para armazenamento da colheita. À construção, foram acrescentadas a cozinha e a despensa apenas no século 19.

Depois de servir de moradia a diferentes famílias de fazendeiros, o imóvel foi ocupado, já no século 19, pelo general José Vieira Couto de Magalhães e por seus descendentes. No início do século 20, por sua vez,  foi vendido e transformado em um sanatório psiquiátrico.

Na década de 1970,  a casa e seu terreno de 19 mil m² - um retângulo formado pelas ruas Iguatemi, Aspásia, e avenidas Horácio Láfer e Nova Faria Lima -, foram adquiridos pelo investidor Naji Nahas, que pretendia implantar um mega-empreendimento no local. Enquanto se definia o projeto, a área foi utilizada como estacionamento  e  a  Bandeirista permaneceu sem uso.

Mais sobre a Bandeirista:

  • Nelson Kon/ UOL

Abandonada, seu telhado logo ruiu, e sob ação das chuvas, as grossas paredes de taipa de pilão entraram em colapso. Foi nesse ínterim que, a pedido dos moradores do bairro, o Condephaatiniciou o estudo do tombamento do sítio, o que ocorreu em 1982.

A resolução do tombo determinou que o proprietário  seria responsável  não só pela preservação da casa, mas também pelo resguardo de cerca de 300 metros do seu entorno. Bem como, o futuro empreendimento deveria seguir a mesma proposta adotada para a Casa das Rosas, na Avenida Paulista, em que a construção contemporânea compartilha o terreno com o imóvel histórico.

Em 1997, o arquiteto Júlio Neves, autor do primeiro projeto para o local,  convidou a arquiteta Helena Saia  para o trabalho de restauração/reconstrução da Bandeirista. A arquiteta  conta que foram quase 14 anos entre pesquisas, estudos, projeto e execução. “Nesse período  – ressalta –, tivemos de  enfrentar não só grandes problemas técnicos, mas também jurídicos, com o embargo das obras por quase dois anos pelo Ministério Público Federal, sob alegação de que a construção [do edifício] estava ‘destruindo um sítio arqueológico’”.

Um trabalho inédito

A primeira fase da obra de recuperação foi iniciada em meados de 2007, com a casa já em ruínas. Primeiramente foram retirados o entulho acumulado e a vegetação que se alastrara pelo interior da casa, comraízes que desagregavam os maciços das paredes de taipa. “Depois dessa primeira fase, a estrutura remanescente foi suficiente para informar muita coisa sobre a casa e nortear a restauração”,  conta o arquiteto Alberto Arruda, especialista em obras de restauro e contratado para a execução do trabalho.

Uma cobertura de telhas metálicas foi instalada sobre a estrutura para protegê-la das chuvas e de eventuais quedas de peças e objetos da construção do edifício próximo. Em 2009, quando houve o embargo, já tinha sido concluída a recomposição estrutural da taipa de pilão com trechos de solo-cimento apiloado (obedecendo o sistema de entaipamento), com  reforços de concreto celular e concreto armado em alguns pontos.

Os requadros e as esquadrias de portas e janelas tinham sido colocados e executados os frechais de concreto, com a identificação das arestas da cobertura que permitiram a definição do grau de caimento das águas. O momento daparalisação foi crucial para a obra, pois ocorreu quando estava sendo feita a estabilização das cortinas de contenção necessárias para a escavação dos subsolos do edifício vizinho.

Com o trabalho parado e exposto ao tempo, houve a deformação das placas de concreto e a conseqüente movimentação do solo onde a casa está implantada. As paredes restauradas  foram profundamente atingidas pelo recalque do terreno e sofreram fraturas verticais e horizontais. No solo, as rachaduras atingiram profundidades superiores a 12 metros.

Para o restaurador José Saia Neto, que acompanhou toda a execução da obra, a recuperação do terreno da Casa Bandeirista do Itaim é inédita na história do restauro paulista.“Grandes trincas separavam blocos de solo que ficaram instáveis e, com o chão encharcado pela chuva, funcionavam como canais subterrâneos que poderiam causar o colapso de toda a área”, esclarece o especialista. 

A  pedido de Helena Saia, a empresa Falcão Bauer foi chamada pelos incorporadores para monitorar as estruturas da construção antiga. No final de 2010, quando ocorreu o reinício dos trabalhos, a primeira tarefa foi solucionar o problema  das trincas do solo. De acordo com Alberto Arruda, no processo, foi aplicada uma mistura seca de areia e cimento, que descia por toda a fissura e só depois de preencher todo o espaço recebia a adição de água, que faria a argamassa reagir e endurecer.

Solucionado esse problema de base, foi feita a desmontagem das paredes danificadas, realinhados os batentes danificados pelo rebaixamento do solo, refeitos os frechais em concreto (na massa, ao invés de brita, foi usada argila expandida, por ser mais leve), executados reforços de concreto junto ao alicerce, tanto das paredes internas quanto das externas, e finalmente colocado o telhado.

As telhas usadas foram fabricadas de acordo com o modelo e a dimensão das originais da casa. Para evitar futuras trincas, foi usado polipropileno na massa do revestimento das paredes. Produto este é usado comumente no acabamento de paredes e pisos de regiões submetidas a terremotos. No piso, foi aplicado solo-cimento de grande resistência, no mesmo tom do solo local. A Bandeirista estava então pronta, para mais um século.

Ficha técnica

Casa Bandeirista do Itaim, Itaim Bibi, São Paulo (SP)

Projeto de Helena Saia Arquitetura Restauro e Planejamento

Detalhes do projeto
  • Área do Terreno 19 mil m²
  • Área Construída 511,95 m²
  • Início do Projeto 1997
  • Conclusão da Obra 2007/2009 e 2010/2011
  • Projeto Equipe do escritório Helena Saia Arquitetura Restauro e Planejamento Ltda. Arq. Helena Saia (projeto), arquiteta Erica Inada (coordenação)
  • Construção Arruda Associados Arquitetura, Urbanismo e Engenharia Ltda. Arq. Alberto Magno de Arruda (responsável); eng. Mauro Henriques de Arruda (obra civil); eng. Jorge Inachvili (estrutura). Renato Virgílio Prestes e Adriano Rodrigo Prestes (marceneiros)
  • Gerenciamento da Obra Falcão Bauer (Eng. Edvar Pegoretti)