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Por que sentir-se uma 'fraude' pode não ser tão ruim assim

A síndrome do impostor ou síndrome da fraude é bastante comum. - Thinkstock/BBC
A síndrome do impostor ou síndrome da fraude é bastante comum. Imagem: Thinkstock/BBC

Oliver Burkeman

01/05/2016 11h54

 

"Escrevi 11 livros e toda vez penso: ‘Agora vão descobrir’”, declarou a escritora americana Maya Angelou. "Enganei todo mundo e agora vão me desmascarar."

Morta em 2014 aos 86 anos, Angelou é autora do best seller "Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola". Foi indicada para o prestigioso Pulitzer Prize de literatura e ganhou cinco Grammys, entre outros prêmios, por suas obras.

Se você se sente inadequado ou sente que um dia vai ser desmascarado no trabalho, saiba que não é o único. Esse tipo de sentimento tem até um nome. Chama-se síndrome do impostor ou síndrome da fraude, e é bastante comum.

No caso de Angelou, a adoração do público não anulava a sensação de que, lá no íntimo, ela era uma fraude e não tinha a menor ideia do que estava fazendo.

A maioria de nós sente isso de vez em quando. Mas um elemento crucial da síndrome do impostor é a convicção que a pessoa tem de que é a única a sofrer do problema. Portanto talvez não seja consolo para você saber que Maya Angelou também se sentia assim.

“Ela achava que era uma fraude?”, você talvez se pergunte. ”Pois eu não acho, eu sou. E, cedo ou tarde, vou ser descoberto.” 

Patrulha da fraude

Se você se identificou, está longe de ser o único a ter essa experiência. Descobri que ela é compartilhada por autores, artistas, músicos, homens de negócio e até um especialista em cérebros.

"Uma parte de você sabe que você não é tão bom quanto diz ser”, diz o neurocirurgião britânico Henry Marsh, autor do livro de memórias "Do No Harm".

"Mas você tem de dar a impressão de que é autoconfiante e relativamente competente.”

A escritora britânica Frances Hardinge, que no ano passado ganhou um Costa Book Award pelo livro infantil "The Lie Tree", disse que a cada novo projeto uma parte do seu cérebro lhe diz: ”Esse é o livro com o qual vou decepcionar todo mundo e as pessoas vão ver a fraude que eu sou”.

Essas ideias, explicou a cantora americana Amanda Palmer, são acompanhadas por um medo, sempre presente, de que “alguém vai bater na sua porta e dizer: 'Descobrimos a verdade e vamos levar tudo embora’. Chamo essas pessoas imaginárias de patrulha da fraude’".

Especialistas há muito observam que as mulheres tendem a ser afetadas por essa síndrome com mais frequência e de forma mais aguda do que os homens –provavelmente por causa de estereótipos machistas que colocam em dúvida sua competência profissional.

Além disso, de acordo com a psicóloga Valerie Young, as mulheres estão mais propensas a atribuir problemas e fracassos à sua falta de habilidade, enquanto os homens tendem a responsabilizar fatores externos.

Sem solução?

Mas, homem ou mulher, ninguém está imune. E, segundo psicólogos, apesar de ter sido identificada na década de 1970, na sociedade atual --e economicamente insegura, o fenômeno está cada vez mais relevante.

“Apesar das evidências inquestionáveis de suas habilidades, as impostoras as descartam como resultado de sorte, momento oportuno, ajuda externa, charme – até erros de computador”, Young escreveu no seu livro "The Secret Thoughts of Successful Women" (em tradução livre, "Os Pensamentos Secretos das Mulheres de Sucesso").

“Elas acham que, de alguma maneira, conseguiram entrar por uma brecha e, no seu íntimo, é só uma questão de tempo até que sejam desmascaradas.”

A grande ironia é que melhorar seu desempenho no trabalho não vai fazer esse sentimento desaparecer. Quanto mais conhecimento você adquire, quanto mais altos os cargos que você ocupa, maiores são as chances de você se encontrar em territórios desconhecidos e, portanto, achar que você está blefando e que, na verdade, não sabe o que está fazendo.

Um fato fundamental sobre a mente humana que talvez ajude a explicar a síndrome do impostor é: nós só sabemos o que acontece dentro da nossa própria cabeça. Ouvimos nossos constantes monólogos internos de auto-questionamentos, mas nunca ouvimos os dos outros, o que nos leva a pensar que ninguém mais duvida de si próprio.

Nós comparamos o que somos por dentro com o que os outros são por fora e, como consequência, nos sentimos em desvantagem.

As redes sociais, que nos incentivam a apresentar ao mundo os “melhores momentos” das nossas vidas – deixando de lado a realidade complexa do que realmente vivenciamos intimamente – também contribui para exacerbar esses sentimentos.

Por outro lado, a ideia de que não apenas você, mas todo mundo está blefando também é aterrorizante. Queremos desesperadamente acreditar que existem adultos no comando, especialmente em áreas como o governo e a medicina.

Há quem argumente, inclusive, que é por isso que tanta gente acredita em teorias conspiratórias absurdas. De certa forma, é reconfortante acreditar que um complô sinistro está manipulando o curso da história. Pelo menos, alguém está no controle.

 

Diálogo e honestidade

Existe alguma chance de escaparmos desses sentimentos?

Falar abertamente sobre o problema ajuda, disse Valerie Young. E os profissionais que ocupam cargos mais altos também podem ajudar sendo honestos com os iniciantes.

Mas também é uma questão de aos poucos ”trabalhar os seus pensamentos”. E correr riscos apesar da voz interior lhe dizer que você vai fracassar, ela aconselhou.

"Faça a coisa que mais te assusta e descubra que você sobreviveu –ou que deu tudo errado… Mas você deu tudo de si. Você não precisa erradicar o sentimento de impostor, mas tampouco precisa obedecê-los", disse Young.

“Estou orgulhosa de mim mesma por ter conseguido ficar amiga da minha própria patrulha da fraude”, disse Amanda Palmer. Ela sabe que a patrulha existe, mas não deixa que controle sua vida.

Na verdade, talvez você deva se preocupar mais se alguém lhe disser que nunca se sentiu uma fraude, sugerem alguns especialistas. Essas pessoas super confiantes talvez sejam simplesmente incompetentes demais para perceber quão incompetentes elas são. Esse fenômeno é conhecido como o efeito Dunning-Kruger.

Ele foi estudado pelos psicólogos Justin Kruger e David Dunning, da Cornell University, em Nova York, em 1999. Os dois queriam investigar se pessoas que não dispõem de determinado talento ou habilidade também estariam mais propensas a não ter percepção de sua falta de habilidade.

Efeito Dunning-Kruger

Usando testes de raciocínio lógico e gramática, os pesquisadores avaliaram a capacidade das pessoas de analisar suas próprias aptidões.

Os testes revelaram que as pessoas que tiveram pior desempenho também foram aquelas menos capazes de avaliar suas próprias habilidades.

Um exemplo clássico de como o efeito Dunning-Kruger funciona é o caso do ladrão de banco que ficou perplexo ao ser pego. Ele tinha passado suco de limão no rosto –algo que, ele acreditava, faria com que ficasse invisível às câmeras de segurança.

A ideia era estúpida –e ele, estúpido demais para perceber isso.

Em resumo: os verdadeiros incompetentes raramente se preocupam com o fato de serem incompetentes.