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Cuidado, a internet tornou-se um território para vinganças

RENATA RODE <BR>Colaboração para o UOL

14/08/2010 07h00

A rejeição é um dos piores sentimentos que o ser humano pode enfrentar. E a vingança funciona, de certa forma, como o analgésico para as vítimas dessa situação. Porém, essa ação pode trazer consequências também para quem se vinga. Um bom exemplo é o caso que ficou conhecido como “Barraco em Sorocaba”. No vídeo caseiro, uma moça, que descobriu que a melhor amiga era amante do marido havia anos, desmascara a rival e lhe dá uma surra. Se você não assistiu à gravação, pelo menos leu no jornal, viu no noticiário da TV ou escutou a história numa roda de amigos, já que a traída colocou o vídeo em sua página de um site de relacionamentos e as imagens ganharam cópias e paródias que receberam mais de 1 milhão de acessos na internet em uma semana. A mulher conta que filmou o acerto de contas porque sua ideia inicial era colocar a gravação em um telão durante uma festa de família para desmascarar os amantes, mas confessa que não resistiu e acabou publicando tudo no site social. O resultado foi uma humilhação pública dos envolvidos, inclusive da própria traída, que viraram celebridades instantâneas pela repercussão que o caso ganhou no país.

Mas essa não foi a primeira nem será a última vez que alguém usa a rede mundial de computadores para difamar ou prejudicar um ex. Para Marcia Feliciano, psicóloga especializada em relacionamentos, na maioria das vezes a sede de vingança cega o indivíduo. “Ser rejeitado pelo término de um relacionamento faz com que você se sinta preterido e humilhado. O próximo passo é culpar o outro por tudo que está acontecendo. O sentimento de vingança tem por finalidade fazer com que o outro que lhe prejudicou sinta na pele a mesma dor de quem foi lesado”, explica.

É bastante comum sentir isso quando a ruptura do relacionamento foi brusca ou traumática. Por exemplo, quando houve uma traição ou abandono por conta do interesse do parceiro por outra pessoa ou por outros projetos de vida. “Esse sentimento acalorado e impulsivo de retaliação ao outro é espontâneo e, frequentemente, não pode ser evitado, pelo menos no que diz respeito ao desejo de revidar, o que é muito diferente de fazer algo real contra o parceiro.
Punir o outro repararia a situação na cabeça daquele que quer se vingar”, diz a terapeuta.

As consequências da vingança
É preciso ter cuidado redobrado quando o sentimento de fúria vem à tona. Segundo Jonatas Lucena, advogado especializado em crimes pela internet, as consequências do simples ato de vingar-se podem acabar fazendo mal ao próprio executante, e não ao alvo em si. “A publicação de um vídeo no YouTube, por exemplo, sem autorização dos envolvidos pode acarretar em crime nas esferas cível e penal”, diz. Segundo ele, a Constituição Federal assegura, no art. 5º, a inviolabilidade da imagem das pessoas e a indenização pelos danos materiais e morais decorrentes de sua violação, sendo aplicáveis três modalidades de crimes que violam a honra, seja ela objetiva ou subjetiva: a calúnia (art. 138, cuja pena é detenção de seis meses a dois anos e multa), a difamação (art. 139, cuja pena é detenção de três meses a um ano e multa) e a injúria (art. 140, com detenção de um ano a seis meses ou multa).

Os crimes cometidos na internet são os mesmos crimes cometidos no mundo físico, apenas muda o local do crime. Na web, é cometido no mundo virtual, por isso é preciso atenção

Jonatas Lucena, advogado especializado em crimes de internet

O ato simples de trocar ofensas em sites de relacionamento social pode ser considerado crime também se esses ataques estiverem abertos para visualização de qualquer pessoa. “A pena que será aplicada depende do conteúdo. A princípio, essa ação seria enquadrada no Cap. V do Título I da Parte Especial do Código Penal Brasileiro que trata ‘Dos Crimes Contra a Honra’”, cita Jonatas. Por isso, a grande maioria dos sites criados para atacar o ex ou a ex sai do ar rapidamente, depois que cumpre com o objetivo de atingir a vida do outro de alguma maneira.

Ser ou não ser
Até que ponto querer vingança é um sentimento normal ou perigoso? Segundo a psicóloga, o tempo é um grande termômetro. “Quando acaba de acontecer o rompimento, é normal que a pessoa fragilizada tenha um misto terrível de sentimentos que se sobrepõem: tristeza, insegurança, medo, ciúme, raiva, sentimentos de inferioridade e depreciação contra si mesma. Mas esse quadro se acalma com o passar dos dias.” Para a especialista, planejar a vingança é uma grande perda de tempo. “Isso agrava a situação e não traz nenhum benefício prático. Faz com que a pessoa pense ainda mais no antigo parceiro, procure informações a respeito dele, descubra fatos e veja coisas que só lhe trarão mais dor”, avisa.

Um Procon diferente
Já imaginou um local em que você pode desabafar e avisar outras mulheres de certos mentirosos que rondam e atrapalham a vida amorosa feminina? Sim, desde 1994 o site “Banheiro Feminino” promove esse serviço entre suas usuárias, com grande repercussão e boa audiência no item “Procon WC” de seu menu. “Tenho catalogadas mais de 5 mil reclamações. A seção, que existe há 14 anos, é alimentada pelos usuários, com muito acesso, já que as mulheres sempre reclamam dos homens”, explica a escritora Andrea Cals.

A melhor vingança é estar bem consigo e seguir a vida ainda mais forte. Pensar, planejar e querer ferir moralmente o outro é sinônimo de atraso de vida

Marcia Feliciano, psicóloga especializada em relacionamento humano

Segundo a especialista, parte do sucesso do site se deve a essa área. “As internautas são convidadas a denunciar a qualidade dos homens, desabafam e publicam casos, assim se sentem um pouco ‘vingadas’. E as amigas interagem. O site não interfere ou responde aos posts, apenas os publica”, diz Andrea. Ela ainda alfineta: “Para mim, a internet é parte da vida real, logo acho que qualquer ‘barraco forte’ deve ser evitado, sob pena de você mesma se expor ao ridículo. A vingança que dá prazer é aquela que acontece por direito, aquela que o acaso vem para mostrar que existe justiça nas esferas mais sensíveis do universo. Quando ela acontece assim, dá muito mais prazer do que armar uma vingança nos moldes das novelas que vemos o tempo todo”, opina.

Outra que mantém um site por vingança é Isabel Tarcha, dona do www.traida.net. Ela mesma escreve porque decidiu montar o portal: “Um belo dia, passeando pela net, entrei em um site em que as pessoas deixavam anúncios para conhecerem outras pessoas. Colocando os dados de uma suposta pessoa que seria do meu agrado, qual não foi minha surpresa quando dei de cara com o anúncio de nada mais, nada menos do que meu companheiro, com direito a mini homepage e tudo, procurando por alguém que preenchesse o seu tão solitário coraçãozinho. E ele ainda dizia que me amava!”. Apesar de tudo ter acontecido há alguns anos, em 1998, Isabel tomou essa lição como determinante em sua vida e resolveu escrever livros sobre sua experiência. Ironicamente ela dedica ao ex os livros, os textos e as entrevistas que dá. “No fim, tudo dá certo. E se não der certo, é porque não é o fim. Agradecimentos ao meu companheiro e eterna fonte de inspiração”, brinca.