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Disputada carreira de celebridade mirim tem prós e contras para as crianças; saiba quais são

Até os três anos, a criança não tem como expressar se está gostando ou não de trabalhar; é melhor evitar - Thinkstock
Até os três anos, a criança não tem como expressar se está gostando ou não de trabalhar; é melhor evitar Imagem: Thinkstock

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

15/03/2012 07h00

Movidos por amor, vaidade, esperança de um futuro melhor e, claro, a certeza de que conceberam a criança mais bela do universo, pais levam os filhos para agências de modelos infantis --afinal, fofura vende. E é inegável que ver a carinha do filho estampada em um anúncio ou na TV proporciona uma deliciosa sensação de orgulho. Mas, seja para quem deseja colocar o filho nesse mercado ou para quem já faz parte dele, as dúvidas são muitas: compensa, do ponto de vista financeiro? É cansativo? Prejudica a infância? Pode garantir dias melhores para a família ou proporcionar bons estudos no futuro?

Procurados por UOL Comportamento, especialistas preferem não fazer julgamentos, mas conduzir à reflexão. A pediatra Miriam Silveira, diretora do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo, afirma que de zero a três anos de idade a criança ainda não tem vontade própria. "O ideal é que ela pudesse opinar, pois esse tipo de trabalho costuma ser desgastante”, diz. Para o pediatra Saul Cypel, secretário do Departamento da Pediatria do Comportamento e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira de Pediatria, apesar de várias crianças encararem as câmeras como diversão, a tarefa não deixa de constituir trabalho infantil. “Na minha opinião, a infância deveria ser reservada para brincar e estabelecer relacionamentos”, afirma. Miriam Silveira concorda: “Ainda que ser artista se torne a profissão futura de uma criança, acho que a infância precisa ser preservada o máximo possível."

Participação dos pais
Para a pediatra Miriam Silveira, é essencial que pai e mãe concordem em relação ao trabalho infantil e o que ele representa dentro da rotina da família. Isso implica desde modificações na agenda para levar o filho a testes ou gravações até prováveis recusas e decepções. Os adultos precisam dar suporte à criança em todos os sentidos, principalmente o emocional. "Nesse tipo de trabalho, a criança nem sempre está preparada para o nível de exigência cobrado. As expectativas e aspirações não podem ser muito elevadas”, diz o pediatra Saul Cypel. "Ofereça oportunidades com cautela, sem excessos, sempre respeitando os limites e a idade do filho", diz.

Não é raro que, passada a fase de deslumbramento e novidade, a própria criança enjoe do trabalho. Foi o que aconteceu com Helen, hoje com nove anos, filha da assistente de faturamento Suely Senara, 37, de São Paulo: “Ela fez várias campanhas importantes e sempre recebia convites. No começo adorava usar roupas diferentes, passar maquiagem, conhecer outras crianças”, conta. O desgaste de acordar muito cedo (às vezes, de madrugada), o cansaço e as longas horas no estúdio minaram o entusiasmo e a fizeram desistir. “Chegou um momento em que ela não quis mais ir e eu não forcei a barra”, conta Suely, que relata ter conhecido pais com posturas bem diferentes da sua: “Algumas famílias são obsessivas e depositam todas as suas esperanças na carreira da criança, inclusive assinando contrato com várias agências ao mesmo tempo. Vi pais bem nervosos, obrigando crianças bem pequenininhas, chorando, a fazer poses”. Vale lembrar que os contratos preveem multa em caso de descumprimento das regras.

Jornada de trabalho não pode atrapalhar a rotina da criança

A carreira não exige um cumprimento diário. A não ser que a criança faça parte do casting de várias agências ou do elenco de uma novela, em geral, os trabalhos são esporádicos. Ainda assim, no dia da foto ou gravação, os especialistas avisam que é preciso tomar cuidado para atrapalhar o mínimo possível o andamento da rotina: alimentação, sono, estudos e brincadeiras não devem ser prejudicados.

Se a criança estiver doente no dia da foto, deve prevalecer o bom senso: evite levá-la, mesmo que isso possa representar uma multa ou o rompimento do contrato. Caso a criança tenha o hábito de tirar um cochilo de manhã, priorizar os convites para o período da tarde, quando ela estará descansada. E vice-versa.

Outro motivo de atenção: nem sempre o estúdio, quando a jornada é comprida, oferece um cardápio que agrade. Portanto, é bom levar alimentos, suco e água de casa. “Mas mesmo com todas as medidas necessárias para o bem-estar infantil, os pais precisam ter em mente que iniciar uma criança pequena numa carreira artística sempre vai alterar um pouco a sua infância”, explica a psicóloga infantil Daniella Freixo de Faria.


A designer Carla Rodrigues Alves, 33 anos, gostaria que a filha tomasse a mesma decisão de Helen, mas desde que a garotinha a acompanhou em uma sessão de fotos, quando tinha três anos e meio, resolveu que queria ser “modela”. “Relutei, é um trabalho que envolve tempo e dedicação, mas ela insistiu muito e já tinha recebido alguns convites de olheiros em shoppings centers. Resolvi, então, procurar uma agência recomendada por um amigo, produtor de moda”, conta. Carla se desdobra para acompanhar Yasmin, hoje com cinco anos, em todos os trabalhos, e relata que é preciso ter paciência de sobra para lidar com a rotina desse meio.

"Certa vez, um dos contratantes sequer avisou que as fotos seriam feitas no interior de São Paulo. Chegamos lá e, com outros pais e crianças, entramos em um ônibus sem saber para onde iríamos. A sessão durou noite adentro e todo mundo passou frio, pois ninguém tinha se preparado para enfrentar uma cidade cuja temperatura caía no decorrer do dia”, diz. Recentemente, a diretora de arte, mesmo sob protestos da filha, abandonou uma sessão de fotos pela metade. “O trabalho tinha começado bem cedinho, a equipe não forneceu almoço às crianças e não queria fazer nenhuma pausa, para nada. Peguei a Yasmin pela mão e fui embora”, explica.

Segundo a psicóloga infantil Daniella Freixo de Faria, é fundamental que os pais imponham limites. “Uma coisa é a criança levar o trabalho como uma brincadeira, outra é ter de enfrentar 20 horas de pose”, diz. Para Márcia Pecci, diretora da agência paulistana Arte Bambini, são os pais que devem comandar o esquema de trabalho e reclamar de situações impróprias. Ela diz que são as produtoras que determinam as coordenadas, mas que, assim como os pais, as agências também precisam batalhar por melhores condições.

“As crianças necessitam de alimentação adequada, lugar para descanso, distrações durante o tempo em que o cenário ou a iluminação são montados... Já lidei com produtoras tão boas que contrataram até uma psicopedagoga para brincar com as crianças, enquanto os cliques não começavam”, conta Márcia.

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    Desconfie das empresas que garantem que fazer um book (e pagar por ele) é garantia de trabalhos


Retorno financeiro
Carlos Andrade, diretor da agência de modelos infantis Top Kids, do Rio de Janeiro, diz que dificilmente uma criança fica milionária –os cachês giram em torno de R$ 350 a R$ 800– ou famosa. "Uma minoria se destaca e têm chances de seguir uma carreira televisa na idade adulta”, afirma. Porém, a quantidade de trabalho é que determina o retorno financeiro. “Conheço pais que, com o valor ganho pelo filho, conseguiram tirá-lo de uma escola pública e matriculá-lo em uma particular”, diz Márcia Pecci.

Os pais também precisam entrar em acordo em relação a uma questão polêmica: como os cachês devem ser empregados? As famílias menos favorecidas, em geral, costumam usar o dinheiro como complemento de renda –e nesses casos o valor é usufruído pela criança. Em outros casos, o dinheiro é investido para financiar estudos no futuro. “É difícil dizer o que é certo ou errado, pois cada família tem seus valores, necessidades e desejos. A assistente de faturamento Suely deixou que a filha escolhesse e montasse todo o seu novo quarto com o dinheiro dos cachês. O “salário” de Yasmin, filha de Carla, também é todo dela. “Com o primeiro ela pagou sorvete para a família inteira durante semanas”, conta a diretora de arte.

Desconfie
Ao dar início à carreira, Carlos Andrade recomenda desconfiar das empresas que garantem que fazer um book (e pagar por ele) é garantia de que o rosto da criança estará na mídia em breve. O ideal é pesquisar bastante as agências do mercado e checar que trabalhos colocaram na mídia. O mesmo vale para os convites, via cartões de visitas, que os pais costumam receber nos shoppings centers. É importante ler o contrato com a agência e o contrato de cada trabalho com atenção.

Administre as negativas
Em um mercado em que as respostas negativas são mais constantes do que as positivas, as esperanças precisam ser bem administradas. “É claro que é muito triste falar para os pais que o filho deles não tem o perfil para o trabalho, por estar acima do peso ou tem os dentes tortos ou cariados. Porém, bons profissionais precisam fazer isso pelo próprio nome do mercado e para acabar de vez com falsas expectativas”, diz Carlos, da Top Kids. “Para os pais, o filho sempre é o mais bonito, engraçadinho ou talentoso do mundo. No entanto, é preciso ter senso de realidade”, afirma Miriam, que admite que não são raros aqueles que depositam sonhos de infância e expectativas frustradas nos ombros dos filhos. Esses são os que mais sofrem quando o filho, mesmo que tenha construído uma carreira de sucesso na infância, param de ser chamados para trabalhos quando crescem ou simplesmente se desinteressam pela profissão.