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Traumas levam à busca de autoestima por meio da perfeição física; saiba como superá-los

Criança que ouvia piadas pelo peso, Jaime Andolfato hoje dá consultoria para quem quer mudar o corpo - Leonardo Soares/UOL
Criança que ouvia piadas pelo peso, Jaime Andolfato hoje dá consultoria para quem quer mudar o corpo Imagem: Leonardo Soares/UOL

Daniel Ribeiro

Do UOL, em São Paulo

01/06/2012 07h00

Quem hoje vê os músculos que preenchem os 45 cm de cada braço e 119 cm de tórax do estudante de nutrição Jaime Andolfato, 26 anos, mal imagina que ele passou a infância sendo chamado de gordinho pelos colegas. "Isso começou a me incomodar mais na adolescência, quando as meninas me achavam fofo, mas não queriam ficar comigo”, diz. “Só dei meu primeiro beijo aos 15, época em que comecei a fazer academia para emagrecer”, diz Jaime, que há dois anos e meio tem uma namorada -carinhosamente apelidada de "gordinha".

Mais do que construir um corpo admirado e deixar aqueles que riam dele de queixo caído, Jaime encontrou na academia uma paixão. "Quando tinha 19 anos, assisti a um documentário sobre fisiculturismo e virei fã do Arnold Schwarzenegger. Ele me inspira”. Nas redes sociais, Jaime não tem vergonha de exibir fotos sem camisa. “Gosto de mostrar o que eu conquistei e de ser admirado, e minhas fotos também são um marketing". O corpo bem definido lhe rendeu o trabalho de representante comercial de uma marca de suplementos alimentares, emprego no qual dá consultoria para pessoas que buscam mudar o corpo apenas com dieta e exercício físico.“Consegui essa forma com muita disciplina. Passo credibilidade”.

Assim como Jaime, muitos homens e mulheres cobiçados tiveram uma infância ou adolescência traumática por sua forma física. Na maioria dos casos, os traumas de infância acontecem com aqueles acima do peso. Segundo dados levantados entre janeiro e dezembro de 2011 pelo Ministério da Saúde, quase metade da população brasileira (48,5%) está acima do peso.

Além dos problemas de saúde que a situação pode causar, como disfunções cardiovasculares, diabetes e colesterol, o emocional também sofre com o aumento de peso. Ser vítima de piadas pode gerar traumas que levam a pessoa à depressão. “A superação existe e pode ser alcançada por qualquer pessoa, mas exige dedicação e é necessário admitir o medo de fracassar e não ser aceito”, diz a psicanalista Cintia Buschinelli, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. “Um trauma é como se fosse uma pedra, um obstáculo no meio do caminho. O objetivo da análise não é remover a pedra, mas mostrar para o paciente que ele pode seguir sua vida desviando daquela dificuldade”. Quando bem superado, o trauma pode impulsionar a pessoa a tomar decisões mais acertadas e ter um estilo de vida mais feliz e saudável.

  • Arquivo pessoal/Leandro Moraes/UOL

    O advogado Alex Rodrigues chegou a pesar 113 quilos. Emagreceu 30 em apenas seis meses

Trauma nem sempre é coisa do passado
O advogado Alex Rodrigues, 32 anos, sempre foi magro, mas começou a engordar por volta dos 25 e chegou a pesar 113 quilos. Quanto maior o peso, mais baixa ficava sua autoestima. “Sempre fui muito vaidoso, mas fiquei uns seis anos sem conseguir gostar de mim. Minha imagem não me agradava”. Colegas de trabalho, amigos e até familiares começaram a dar apelidos e criticar sua forma física. Quando Alex começou a sentir dificuldade para realizar tarefas simples como amarrar o cadarço, percebeu que algo deveria ser feito. Mas uma atitude só foi tomada quando ele se viu em fotos de viagem ao lado da mulher. A insatisfação com a própria imagem foi tamanha que o advogado começou a praticar musculação e corrida em 2010 e, seis meses depois, já havia perdido 30 quilos. Depois de recuperar a autoconfiança, ele quer ajudar outras pessoas a se superar e conseguir um corpo bonito e saudável: Alex planeja abrir uma consultoria para atletas de corrida em sociedade com um amigo -que, aliás, conheceu na academia.

  • Fernando Donasci/UOL

    Em cinco meses e meio, Andreia de Oliveira perdeu 17 quilos com caminhadas e reeducação alimentar

Recuperação de autoestima e saúde
Mãe de duas meninas, uma de 18 e outra de 5 anos, a dona de casa Andreia de Oliveira, 39 anos, não havia tido problemas com o corpo até sua segunda gestação, quando chegou a pesar mais de 80 quilos. “Não tenho fotos daquela época, não me deixava fotografar”.

Andreia descobriu que o aumento de peso tinha uma causa oculta, um nódulo na glândula tireoide. Ao procurar a opinião de endocrinologistas, ela recebeu a indicação de um remédio que auxiliaria no emagrecimento. Ela recusou. “Comecei a fazer caminhada todos os dias e mudei completamente meus hábitos alimentares”.

Com o auxílio de um nutricionista, Andreia passou por uma reeducação alimentar, caminhou diariamente e fez exercícios físicos em casa, pois não tinha dinheiro para se matricular em uma academia. Em cinco meses e meio, estava 17 quilos mais magra. Até o marido acompanhou a dieta e perdeu 22 quilos. Com os atuais 65 quilos, a autoestima foi recuperada. “Odiava me olhar no espelho, não me reconhecia, meu marido não me procurava. Hoje nosso apetite sexual melhorou e eu adoro meu corpo”, afirma.

  • Arquivo pessoal/Leandro Moares/UOL

    Mônica Assis emagreceu 17 quilos -dez em um mês- apenas com alimentação saudável

Ajuda é fundamental
A administradora de rede Mônica Assis, 27 anos, viveu desde a adolescência o "efeito sanfona". Pesando 82 quilos no final de 2011, o que já lhe causava dor nos joelhos, ela tomou a decisão de emagrecer quando não conseguiu encontrar o vestido que queria para o Réveillon. “Tive que comprar um vestido extra G em uma loja para pessoas obesas”, diz. Foi a gota d'água e ela passou a seguir uma dieta administrada pela mãe, a costureira Maria. Cortou óleo e sal e começou a se alimentar apenas da marmita que sua mãe preparava, que incluía muita farinha de soja e aveia. Como não tinha tempo para frequentar uma academia, passou a trocar todas as escadas rolantes por escadas normais e evitava pegar ônibus para percorrer pequenas distâncias. Em um mês, perdeu dez quilos. Só de janeiro de 2012 até agora, Mônica perdeu 17 quilos -e quer perder mais quatro. “Minha mãe acabou virando uma consultora das minhas amigas. Todas perguntam o que podem e o que não podem comer”. 

  • Leandro Moraes/UOL

    Vinícius Barros ouvia piadas por seus 45 quilos. Com a ginástica olímpica, chegou aos 63 

Os magros também sofrem
Vinícius Barros, 23 anos, passou a infância sendo chamado de "pau de virar tripa". “Eu morria de vergonha do meu corpo, não tinha autoconfiança nenhuma e usava roupas muito maiores para me esconder”. Na passagem da infância para a adolescência, começou a praticar ginástica olímpica. Como se não bastasse, seu próprio treinador fazia piadas com sua magreza. “Aquilo me irritava muito e eu queria ter um corpo bonito”. Ele se matriculou em uma academia e logo ganhou músculos. De 45 quilos, passou a ter 63.

A sensação de superação o ajudou a restaurar a autoestima e, segundo ele, sua vida social e afetiva. “As pessoas se aproximavam mais de mim e eu passei a ser admirado e desejado”, diz. A relação com aqueles que o ofendiam também mudou. “Eu gostava de ver as pessoas que me zoavam me olhando e comentando ‘olha, ele está ficando forte’. Senti que meu objetivo tinha sido alcançado”. Vinícius também transformou a superação de um trauma em profissão: professor de ginástica olímpica. "Para o meu trabalho, meu corpo é uma vitrine”. 

Superar trauma exige cuidados
Para a psicanalista Cintia Buschinelli, o processo de superação de traumas deve ser visto com cautela. É o caso de uma pessoa que comia demais na infância e ouvia ofensas por isso e, quando se torna adulta, passa a se exercitar exageradamente. "Ela continua prisioneira de uma situação, apenas trocou a comida pelo exercício”. Outro problema é acreditar que o trauma foi superado enquanto, na verdade, o objetivo alcançado foi a vingança. “Em alguns casos, podemos observar que o agredido se torna o agressor. Depois que ele chega à forma que considera ideal, passa a agredir os mais fracos”, diz. Para a psicanalista, casos de pessoas que passam de um extremo a outro exigem atenção. “Se ela não alcançar um objetivo, poderá se deprimir e toda a frustração reprimida volta à tona”, diz. A melhor solução para superar o trauma é buscar ajuda, até mesmo profissional. “É natural querer aprovação, mas dedicar a vida a ser aprovado também é patológico e precisa ser tratado”.