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Sobrecarga de tarefas da mãe derruba o mito do pai participativo

A maior parte das tarefas em relação à educação de uma criança recaem sobre os ombros femininos - Thinkstock
A maior parte das tarefas em relação à educação de uma criança recaem sobre os ombros femininos Imagem: Thinkstock

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

08/08/2012 07h45

Por gerações, a humanidade se viu acostumada ao acordo "mães cuidam da prole, pais sustentam a família". Então, a revolução sexual dos anos 1960 e o feminismo fizeram com que as mulheres passassem a batalhar de igual para igual com os homens em diversas esferas: nas empresas, na cama, nas urnas. Hoje, a mulher pode assumir quais e quantos papéis quiser, inclusive a de executiva poderosa e mãe zelosa: mesmo exausta, sempre dá um jeito de brincar com o filho, ver as anotações na agenda da escola e colocá-lo na cama, entre outros dos tantos cuidados que uma criança demanda. Tarefas que dificilmente imaginamos que um homem com o mesmo cargo ponha em prática.

É claro que a presença maciça da mulher no mercado de trabalho provocou mudanças comportamentais masculinas –o peso de prover a família foi dividido por dois e os homens puderam relaxar e se tornar mais próximos dos filhos. No entanto, a maior parte das tarefas relativas à educação de uma criança ainda recaem sobre os ombros femininos, mesmo daquelas que trabalharam o dia todo (às vezes, mais do que o pai das crianças).

Mas, se levarmos em conta o cenário das gerações anteriores calcadas em pais omissos ou ausentes, hoje em dia, o pai que acorda de madrugada para trocar uma fralda, preparar uma mamadeira ou levar o filho pequeno ao banheiro é visto praticamente como um santo, uma espécie de divindade que merece todo o louvor. Diante da valorização e dos elogios, esses pais se sentem o máximo –e param por aí, porque acham que o que fazem já é o bastante. Bem visto, o pai participativo, na verdade, tem por trás dele uma mulher exaurida, cujas preocupações vão muito além de esquentar um leite ou manter um bumbum limpo e sequinho.

Segundo a psicóloga Triana Portal, é fato que os homens têm se vinculado mais aos filhos e isso reflete uma maior participação nos cuidados e na educação. "Já se vê homens acompanhando as mulheres na consulta pediátrica ou levando os filhos ao dentista, mas o que o pai faz ainda é bastante desproporcional em relação às funções da mãe", afirma. Para Triana, isso ocorre porque há questões emocionais ligadas ao papel da mãe, um peso sócio-cultural arraigado que dificilmente mudará.

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"As pessoas precisam entender que homens e mulheres são diferentes e cada qual tem mais habilidade em determinadas funções e desempenha melhor certos papéis. O sexo feminino é mais preparado para cuidar dos filhos, enquanto o masculino se dá melhor com tarefas que exigem força física. O erro está no desequilíbrio que se instalou na contemporaneidade, com a mulher desempenhando múltiplos papéis e jornadas", explica.

De acordo com a psicóloga Cecília Zylberstajn, é importante que o casal tenha em mente a diferença entre "dar uma ajuda" e "dividir". "Se o pai troca uma ou outra fralda durante a noite ou leva as crianças para a escola quando a mãe não pode, ele quebra um galho, dá uma mão. É diferente daquele que alterna as tarefas do dia a dia com a mãe, assim como a presença em reuniões, consultas e outros compromissos. Esse divide a responsabilidade", diz.

A sociedade ainda é machista no que diz respeito à criação dos filhos. Salvo entre poucos grupos, de pessoas muito abertas e esclarecidas, ainda é esperado que os cuidados com as crianças sejam exclusivos das mães. "E se essas se omitem, mesmo que eventualmente, por motivos diversos, são mal interpretadas. Podem ser taxadas de ausentes, preguiçosas e negligentes, mesmo que seus motivos sejam os mais nobres, de sobrevivência, como o trabalho, por exemplo", diz.

Assim, é visto como normal uma mãe exausta, sobrecarregada, se equilibrando em mil funções. "Já em relação ao homem, quando é participativo, ativo na vida do filho, é tido como herói, mártir, o coitado que trabalha e ainda tem de cuidar das crianças", declara Triana. Ao pai é aceito se omitir de cuidados com a justificativa de que precisa trabalhar. E, em geral, homens não faltam ao trabalho quando os filhos adoecem ou a empregada falta, quem tem que se virar nesses casos é sempre a mãe.

A culpa e o controle femininos

Não dá para ignorar que, em muitas famílias, a sobrecarga feminina ocorre também por responsabilidade da mulher. "Muitas são machistas, controladoras e implicam demais com o jeito com que os homens fazem as coisas. De tanto ouvir reclamação, até mesmo os pais com a maior boa vontade do mundo se sentem excluídos. E já que não fazem nada direito, preferem se afastar, se omitir", diz a educadora e mediadora de conflitos Suely Buriasco. É uma espécie de castração. Assim, acabam deixando mesmo tudo a cargo da mulher.

"Pais dispostos e participativos são quase uma exceção, portanto, devem ser enaltecidos, mesmo que não façam as coisas tão bem quanto a mulher julga que ela mesma faz. Sempre é uma ajuda, além de estreitar vínculos com os filhos, o que é muito importante para a relação”, afirma Triana Portal. Para a psicóloga Cecília Zylberstajn, a "chatice", o perfeccionismo e a dificuldade de comunicar o que é importante jogam contra o sexo feminino. "As mulheres se apegam muito a detalhes pouco importantes. O que importa mais: dormir 30 minutos extras numa manhã cheia de cansaço ou não deixar que o pai mande a filha para a escola com roupas descombinadas ? E muitas reclamam que fazem tudo sozinhas, em vez de pedir diretamente ao parceiro o que querem que ele assuma", diz.

A psicóloga e terapeuta de casais Blenda de Oliveira afirma que, por mais que mudanças efetivamente tenham acontecido -e continuarão acontecendo-, há amarras que seguram muitas mulheres na crença de que elas sempre serão responsáveis pela educação dos filhos e pelo suporte emocional da família. "Por mais que os homens se proponham a mudar de lugar, assumindo também a educação dos filhos, as próprias mulheres, independentemente da atitude deles, carregam uma ponta de dúvida e culpa se não estiverem no controle do dia a dia da maternidade", declara.


Entretanto, há homens – e não são poucos – de pouca iniciativa, acomodados. "Infelizmente, assim lhes foi ensinado e fazer essas coisas, dependendo da cultura e do país, ainda é visto como um desafio à masculinidade. Ele aprendeu que tais afazeres pertencem às mulheres. Elas são bem mais competentes para isso, segundo os padrões aprendidos", afirma Blenda de Oliveira. E como melhorar a situação? A mulher precisa estabelecer limites, deixar claro o quanto faz e reclamar quando está arcando com mais do que deve. Para exercer plenamente o papel de mãe, a mulher precisa estar bem, ter tempo para si, para descansar.

"As mulheres precisam aprender a lidar com a culpa de deixar o filho para ir trabalhar, para passear ou cuidar de si. É necessário lembrar que essa ausência traz inúmeros benefícios para a relação mãe e filho. A mulher, estando bem consigo mesma, retorna renovada e estará mais disponível emocionalmente para a criança. A culpa consome a alma, aniquila, drena energia", diz Triana Portal. "Se o papel de provedor pode ser dividido, por que não o de cuidador? Sem contar que, quanto maior a parceria entre o casal, melhor fica o relacionamento”, de acordo com  Suely Buriasco.

As especialistas afirmam que, aos olhos dos filhos, não importa quem exerce qual tarefa em casa, desde que se sintam amados e bem cuidados –e que isso, claro, venha dos dois lados. A criança absorve as informações ao seu redor e aprende muito mais pelo exemplo do que pelas palavras. Perceber, mesmo sem se dar conta de sua dimensão, uma divisão justa de tarefas entre pai e mãe ajuda a criar um modelo que pode ser repetido no futuro.

"Adultas, as crianças terão em mente que na sua família não há funções femininas ou masculinas", afirma Blenda. Suely Buriasco diz que é preciso prestar atenção, principalmente, em como se educa uma criança em relação às diferenças entre os gêneros: "Um garotinho não pode brincar de boneca com sua irmã, porque isso é ‘coisa de menina’, mas quando cresce precisa saber trocar fraldas? Assim fica complicado". Para a psicóloga Marta Rita Leopoldo, especialista em neuropsicologia, não é porque a situação ainda é complexa e difícil que não se deve tentar mudá-la. "Mudanças operadas numa geração vão sendo melhor assimiladas pelas seguintes", afirma.