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Inglesa cria site para reunir relatos de sexismo, recebe oito mil posts e é ameaçada de morte

A escritora inglesa Laura Bates, de 26 anos, criadora do site The Everyday Sexism Project - Claudia Schneider-Cantab Photos/Divulgação
A escritora inglesa Laura Bates, de 26 anos, criadora do site The Everyday Sexism Project Imagem: Claudia Schneider-Cantab Photos/Divulgação

Isabela Noronha

Do UOL, em Londres

16/10/2012 07h27


T. estava em um encontro quando, lá pelas tantas, o casal começou a falar sobre carreira. Sem rodeios, seu "ficante" disse que o fato de ela trabalhar o incomodava. E completou afirmando que todo o investimento profissional de T. era um desperdício, já que mais cedo ou mais tarde ela viraria uma dona de casa, com filhos para tomar conta. 

Diferentemente do que pode parecer, o encontro não aconteceu há muito tempo, quando ainda se acreditava que a única opção das mulheres era cuidar da casa, do marido e dos filhos. Foi há poucos meses. Mais espantoso ainda é que o caso de T. não é exceção. Prova disso é o site em que a história dela foi postada, o The Everyday Sexism Project (em inglês), que reúne relatos sobre sexismo, a discriminação baseada em gênero.

No ar desde abril de 2012, o site já tem mais de oito mil posts. Ele foi criado pela escritora inglesa Laura Bates, de 26 anos. "Eu presenciava muitas situações de sexismo e resolvi perguntar às minhas amigas se também acontecia com elas", conta. "Achei que elas responderiam: ‘sim, uma vez’, ou ‘aconteceu comigo no ano passado’. Mas todas disseram: ‘sim, passei por isso ontem’, ou ‘todo dia acontece’, ou ‘rolou no meu caminho para cá’”, diz.

Laura percebeu que o problema era maior do que imaginava. E, ainda assim, muitas vezes passava despercebido. "Quando as mulheres tentam falar sobre isso, ouvem que estão exagerando, que não é importante ou que deveriam aceitar aquilo como um elogio", afirma. Para dar visibilidade ao sexismo e provocar discussões sobre o assunto, ela decidiu fazer o Everyday Sexism. "Colocando essas vozes juntas, quero criar uma voz coletiva para chamar atenção para essa questão".
 

Leia relatos


Veja alguns dos relatos postados recentemente no The Everyday Sexism Project, em tradução livre:

"Quando eu tinha 7, 8 anos, pedi ao meu pai que me levasse aos jogos de futebol do nosso time. Fui com ele algumas vezes e adorava, mas depois ele passou a levar somente o meu irmão. Ele me disse que 'futebol não é para meninas'”. Hayley (11.10.2012)

"Na faculdade de Direito, meu professor perguntou em quais empresas gostaríamos de trabalhar. Eu respondi e, com um sorriso, ele me disse: ‘ah, claro. Eles gostam de loiras'. Eu tirei uma das maiores notas da minha turma e consegui o trabalho depois de vários testes. Mas, obviamente, nada disso importava. Tudo que sou é loira". Charlotte (10.10.2012)

"Em uma aula do meu mestrado em poesia, sugeri a uma colega que lesse uma poetisa que escrevia sobre o mesmo tema que ela. Minha colega respondeu: "Não leio poetas mulheres". Pupsicle (10.10.2012)

"Acho que sou um dos poucos homens a postar aqui. Mas, uma vez, meu pai, que é meio ortodoxo, ficou com raiva porque eu não quis ajudá-lo com algo e, depois que discutimos, ele me disse que eu era pior que uma mulher". Irtaza (10.10.2012)

"Uma amiga que é solteira estava comprando um carro quando perguntaram se ela havia discutido sobre aquilo com o marido ou o namorado. Aparentemente, mulheres são incapazes de tomar sozinhas uma decisão como essa". S. (10.10.2012)

 

Com a ajuda de um amigo webdesigner, Laura colocou o site no ar em uma semana. Ela começou divulgando a ideia no Twitter (@EverydaySexism) e em sua página no Facebook. Hoje, o Everyday Sexism recebe cerca de 200 mensagens por dia pelo microblog ou pelo próprio site, que oferece um espaço específico para os relatos na página inicial.
 
Segundo Laura, as mensagens vêm do mundo todo e o idioma não é uma barreira. "Algumas vezes, as pessoas me mandam relatos no Twitter em japonês ou em outra língua estrangeira. Eu traduzo com a ajuda da internet e coloco no site".
 
Para evitar inibições, não há espaço para comentários e as postagens podem ser anônimas. As histórias tem de ser aprovadas pela escritora antes de serem publicadas. Mas nem sempre foi assim. No começo, os relatos podiam ser postados por qualquer um. Até que, uma noite, menos de quinze dias após Laura ter criado o site, ela tuitou uma mensagem para Lady Gaga, esperando que a cantora a retuitasse.
 
No dia seguinte, havia centenas de e-mails na caixa de entrada em que a escritora recebia os avisos de postagem. A princípio, ela pensou que tinha conseguido ser citada por Gaga e, assim, chamado a atenção de alguns dos milhões de seguidores da cantora. Mas quando abriu as mensagens, teve uma surpresa.    
 
"Eram xingamentos, descrições de violência doméstica horríveis, pessoas fingindo ser eu e postando mensagens sobre sexo, posts racistas, ameaças de estupro e de morte", conta. As agressões continuaram por semanas. "Passaram a me perseguir na internet. Uma pessoa descreveu como conseguiria me rastrear, dizendo que me mataria. Tive de ir à polícia".
 
A polícia inglesa descobriu que as mensagens vinham de um computador nos Estados Unidos e, por isso, não poderia fazer nada. Porém, coincidentemente, as ameaças pararam de chegar na mesma época. Hoje, Laura só recebe o que considera "protestos normais", como um homem que mandou um e-mail há alguns dias dizendo que ela está enganada, que sexismo não existe mais.
 
Apesar de tanto mulheres quanto homens poderem ser vítimas desse tipo de preconceito, o site de Laura é direcionado aos depoimentos femininos. "Há um desequilíbrio de poder entre os dois gêneros e acho que isso dá um peso maior aos incidentes que acontecem com elas", explica a escritora. 
 
No entanto, Laura faz questão de deixar claro que as mulheres podem ser tão ou mais sexistas do que os homens com relação a outras mulheres. O objetivo do Everyday Sexism não é colocar os dois gêneros em lados diferentes. "Também não é um site para criticar as pessoas sexistas. Às vezes, todos nós somos, inclusive eu. Isso não significa que sejamos maus, mas sim que crescemos em uma sociedade em que há muitos preconceitos", diz Laura.