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Morar com os pais após os 30 adia o amadurecimento, diz especialista

Para uma convivência saudável, pais e filhos (já adultos) precisam fazer novos acordos - Thinkstock
Para uma convivência saudável, pais e filhos (já adultos) precisam fazer novos acordos Imagem: Thinkstock

Cristina Moreno de Castro

Do UOL, em São Paulo

03/04/2013 15h12


O empresário Alexandre Shirata, de 39 anos, já teve a experiência de morar fora de casa, com amigos e com uma ex-namorada, em lugares tão diferentes quanto o Japão, Angra dos Reis (RJ) e Betim (MG). Agora, com a mulher e o filho de quatro meses, decidiu morar de novo na casa do pai, em Belo Horizonte –e não cogita sair de lá tão cedo.

Decisões como a de Alexandre são comuns: adultos com mais de 30 anos, com independência financeira, muitas vezes em um relacionamento estável, que, por opção, resolvem continuar morando na casa dos pais.

Alexandre lista algumas vantagens, como o conforto de morar em um apartamento espaçoso e bem localizado, que custaria muito dinheiro se fosse adquirido hoje. Aliás, a questão financeira pesa muito na decisão.

"Não tenho despesas. Não me preocupo com conta nenhuma, nem IPTU, aluguel, condomínio, telefone, internet etc". Outra vantagem que ele vê é em fazer companhia para o pai, que estava morando sozinho e seu filho poder crescer perto do avô.
 
O único aspecto negativo que ele conseguiu encontrar foi "um pouco de falta de privacidade". Sua mulher estranhou morar com o sogro no começo, mas, com o tempo, a também empresária Rosiane Ribeiro, de 27 anos, achou até mais seguro estar tão perto do pai de seu marido, que é médico. “Qualquer coisa que acontecer com o bebê nós temos o auxílio dele", diz ele.
 
  • Arquivo pessoal

    Alexandre Shirata, 39, mora na casa do pai com a mulher, Rosiane Ribeiro, 27, e o filho Samuel

 

Companheira da mãe

 
A autônoma Maria Augusta da Costa Aguiar, 45, também mora com a mãe, em São Paulo, desde que tinha 27 anos, quando se separou. Na mesma casa vive o irmão, o biomédico e advogado Paulo da Costa Aguiar, 43, que não chegou a sair de casa.
 
Também para eles, não é prioridade mudar de vida nos próximos anos. "Nunca mais cogitei de sair depois que voltei", diz Maria Augusta. "Casa de mãe é sempre gostoso, né? Tem tudo em ordem, não precisa se preocupar com arrumação, comida, nada: já está tudo prontinho".
 
Ela diz que sempre teve um vínculo muito forte com a mãe e que as duas fazem companhia uma para a outra. Em casa, assistem à TV e passam o tempo juntas, principalmente à noite. Mas também costumam ir ao shopping ou jantar fora.
 
Segundo Maria Augusta, muitos de seus amigos também decidiram morar com os pais. Entre os mais próximos, lembrou-se de seis. Ela também destaca a economia dessa situação, mesmo com todos ajudando nas despesas. "Nunca cogitei morar sozinha. Financeiramente pesa demais. Muita gente vai morar com um amigo; eu prefiro morar com a minha mãe".
 
Ela não vê problemas com privacidade e diz que morar com a mãe não interfere, por exemplo, em seu namoro. Mas comenta que acaba tendo de dar satisfações, que são mais comuns quando o filho é adolescente, como dizer a que horas vai voltar para casa. "Para a mãe, o filho nunca cresce. Você sai, chega tarde e a toda hora ela telefona e pergunta ‘você vai demorar? Onde você está?’". Mas ela garante que não se incomoda.
 

Autonomia versus conforto

 
O psicólogo e psicanalista Armando Colognese Jr., professor do Departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, diz que, quando a pessoa opta por ficar com os pais, pode retardar o conhecimento, a experiência e o amadurecimento de cuidar verdadeiramente de si. Ele acredita que a experiência também pode ser negativa para os pais, por adiar o processo de envelhecimento. "Eles merecem certa liberdade e tranquilidade".
 
A psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo Blenda de Oliveira concorda que, do ponto de vista da autonomia, é "sempre melhor que os filhos possam ter o lugar deles". Ela lista algumas vantagens de sair da casa dos pais, apesar de eventuais obstáculos: a criação da própria rotina e das próprias regras, a definição da maneira pessoal de organizar a casa, a privacidade completa e a liberdade de chegar e sair na hora que quiser, sem ter de dar satisfações, que são naturais quando os pais estão por perto.
 
 

"Com os filhos em casa, a gente tem uma tendência a se meter. Porque, para os pais, os filhos vão ser sempre aqueles com os quais se preocupam. É muito difícil eles não perguntarem se comeu, a que horas vai chegar, se vai dormir em casa etc". 
 
Por outro lado, ela diz que a permanência dos filhos em casa pode proporcionar a companhia e cuidados para os pais, que às vezes a incentivam por causa da nostalgia de quando os filhos eram pequenos. Há, também, o caso em que os idosos necessitam de companhia, fazendo com que a convivência seja benéfica para os dois lados. Mas Blenda acredita que a única vantagem real, para os filhos, é a financeira. Ela defende que os pais ajudem na preparação dos filhos para a saída, determinando prazos e, se necessário, contribuindo durante um período de transição.
 

A mão no bolso

 
Enquanto o filho está na casa do pai, é melhor que contribua com as despesas da casa, na opinião de Marcelo Guterman, mestre em economia e finanças pelo Insper (instituição de ensino e pesquisa nas áreas de negócios e economia) e autor do blog "Dr. Money". “Do ponto de vista estritamente financeiro, adiar a saída da casa dos pais é sempre vantajoso", diz ele.
 
“Tem que ter um acordo muito claro e muito conveniente para os dois lados", afirma Blenda. "Há uma série de arranjos que podem ser feitos em cima da questão do poder econômico de cada um. Da mesma forma que os pais dizem que têm direito de perguntar sobre o filho e saber de tudo por ele estar morando na casa, o filho pode dizer que se sente no direito de estabelecer regras porque contribui com as despesas".


Isso é o mais comum, na análise do psiquiatra e psicanalista Elko Perissinotti, vice-diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. "A era do patriarcado está moribunda. Estamos na era do 'filharcado'". Ele explica: “Os filhos não querem assumir os riscos de autodestruição semelhante aos pais –que se acabaram num emprego sem férias, para terem suas casas e um casamento eterno. São os filhos que exigem os pais por perto, mas numa relação utilitária: casa, comida e roupa lavada".

Para ele, os jovens não saem da casa dos pais porque estão cada vez menos preparados para lidar com a "vida lá fora" –muito por responsabilidade dos próprios pais, por terem participado pouco da educação desses filhos. "Pais ausentes na criação dos filhos prejudicam o crescimento deles".
 
Independentemente de quando ou por que decidiram sair da casa dos pais ou permanecer nela, o professor Armando Colognese acredita que o fundamental é que os dois saibam administrar bem o espaço e a liberdade de ambos, para conviverem bem. "Para isso se tornar mais concreto, suficiente e consistente, a responsabilidade dos filhos na organização, nas despesas e no respeito às normas da casa é fundamental", conclui.