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Por que é tão difícil adquirir bons hábitos e se livrar dos ruins?

Mudar os hábitos exige planejamento, disciplina, força de vontade e um tempo de adaptação - Orlando/UOL
Mudar os hábitos exige planejamento, disciplina, força de vontade e um tempo de adaptação Imagem: Orlando/UOL

Claudia Silveira

Do UOL, em São Paulo

09/08/2013 07h09

Acordar cedo, escovar os dentes, colocar o cinto de segurança no carro, dormir tarde, beber café. O nosso dia a dia está recheado de hábitos, do momento em que acordamos até voltarmos para a cama, e nem nos damos conta de quantas vezes fazemos todas essas coisas. É a "força do hábito", costuma-se dizer, e segundo psicólogo Antonio Carlos Amador Pereira, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), esses "são comportamentos há bastante tempo instalados e que são repetidos sistematicamente, até sem pensar".  E mudá-los exige planejamento, disciplina e força de vontade.

Os hábitos são construídos a partir da recompensa que temos com a sua execução, como acionar o interruptor e a lâmpada se acender ou, se o desejo é ser bem recebido, sorrir para as pessoas, que irão, provavelmente, sorrir de volta. De tão arraigados, fica difícil mudar os que são considerados ruins, como procrastinar ou roer as unhas. Adquirir novos bons hábitos também é mais difícil do que costumamos achar, e um exemplo disso é a lista de resoluções a cada começo de ano. Traçar metas é fácil; colocar em prática, nem sempre.
 
A capacidade de dominar os hábitos é tão desafiadora que não param de surgir livros que prometem a receita para administrá-los. Um deles é o "Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes" (Editora Best Seller). Lançado nos Estados Unidos em 1990, a publicação teve uma edição revisada lançada em 2004 e está na lista de mais vendidos do site Amazon.
 
Neste ano, mais uma obra chegou às livrarias norte-americanas com proposta semelhante: o "Making Habits, Breaking Habits: Why We Do Things, Why We Don't and How to Make Any Change Stick" (em tradução livre, "Criando Hábitos, Perdendo Hábitos: Por Que Nós Fazemos Coisas, Por Que Não e Como Fazer Qualquer Mudança Durar"), escrito pelo psicólogo inglês Jeremy Dean e ainda sem previsão de lançamento no Brasil.
 
Para o autor, além da repetição automatizada, o hábito se caracteriza pela falta de emoção. Um exemplo é acordar cedo para quem costumava acordar tarde. Nos primeiros dias, é um drama, e o sono parece não ir embora ao longo do dia. Após algumas semanas e meses, o acordar torna-se automático. "Os hábitos têm importância para economizar energia", afirma o psicólogo Pereira. Ou seja, uma vez acostumado, o organismo passa de gastar menos energia para executar a ação repetitiva e a guarda para outras situações.
 

O tempo para que um hábito entre na rotina varia de acordo com o tipo de ação e, claro, de quem a executa. O psicólogo inglês cita, em seu livro, um estudo feito pela University College London em que 96 pessoas foram convidadas a escolher uma ação para se tornar hábito. A maioria escolheu algo relacionado à saúde, como comer uma fruta por dia ou caminhar 15 minutos à noite. Depois de quase três meses de estudo, os participantes indicaram se eles tinham ou não adquirido o novo hábito. 
 
Os resultados mostraram que, em média, os participantes levaram 66 dias para atestar que a ação tinha se tornado hábito. Assim como os hábitos variavam, o tempo para adquiri-los, também. O participante que decidiu tomar um copo com água todo dia após o café da manhã conseguiu o hábito em 20 dias. Já quem preferiu inserir a fruta após o almoço levou o dobro do tempo.
 

Criando hábitos

 
Criar um novo hábito exige comprometimento. Para o psicólogo da PUC-SP, também são necessários motivação e, claro, repetição. Entre as dicas que o psicólogo Dean dá em seu livro, ele sugere começar anotando em um papel o hábito que você quer estabelecer; depois, escreva o que há de melhor no resultado do seu hábito; em seguida, os obstáculos que você deverá enfrentar. Por último, trace um plano específico, que é chamado pelo autor de "intenção de implementação".
 
O que ele quer dizer com a “intenção” é criar um plano, mas não o plano básico que todo mundo faz, como "neste ano, eu vou perder peso" ou "serei mais gentil com as pessoas", porque eles tendem a ser vagos. O autor orienta que, em vez de dizer que vai ficar em forma, escreva: "Se eu vou percorrer um trajeto curto, então eu devo ir a pé". 
 
Se o objetivo é ter o hábito de ser mais gentil, estabeleça atitudes específicas, como: “Se eu vir um cadeirante tendo dificuldade para circular em uma calçada, então oferecerei ajuda". Para o autor, isso liga uma situação a uma resposta direta, uma ação. O segredo está na relação entre o "se" e o "então", em vez do simples "eu vou ajudar mais as pessoas" ou "eu vou ficar em forma". 
 

É bom ter cuidado com a autossabotagem. Por exemplo: se você quer praticar um instrumento musical toda quarta-feira quando chegar do trabalho, provavelmente você estará cansado e desmotivado. Logo, "se" você chegar em casa sem vontade de tocar, mas está realmente comprometido a aprender, "então" você ouvirá um pouco de música para ficar inspirado e tomar coragem. 
 
Para aumentar as chances de esse exercício dar certo, o ideal é começar um hábito de cada vez. "Lembre-se que a sua rotina inspira conforto e que é fácil querer voltar para ela. Então, o melhor é começar aos poucos", orienta Dean. À medida que for alcançando sucesso, é hora de inserir um novo hábito, até que ele consiga se estabelecer. 
 

Perdendo hábitos

 
Livrar-se dos hábitos ruins exige, antes de tudo, o reconhecimento de que ele não é bom para quem o tem ou para quem convive com a pessoa. “Um hábito é prejudicial quando ele afeta negativamente nossa qualidade de vida, interferindo em aspectos da nossa saúde ou em dimensões pessoais, sociais, profissionais ou emocionais", diz a psicóloga Talita Pereira Dias, especialista em terapia comportamental e doutoranda em psicologia pela UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos). 
 
Para o psicólogo Dean, o problema em se livrar de um hábito está no fato de ser uma ação que envolve o inconsciente, e essa é uma área do cérebro que não conseguimos alcançar diretamente. “Nossa vontade consciente de mudar se mostra muito fraca em comparação ao comportamento que temos automaticamente", diz.
 
Em seu livro, ele compara o desejo de se livrar de um hábito com a missão de mudar o curso de um rio. Não dá para, simplesmente, construir uma barragem e esperar que a água pare de correr. Ela transbordará e inundará as áreas vizinhas para continuar seu curso. A saída é "encorajar" o rio a seguir outro caminho, criar um novo percurso. Portanto, para se livrar de um velho hábito ruim, é preciso criar um hábito bom.

Se o objetivo é abolir o refrigerante, é só substituí-lo por outra bebida mais saudável e resistir à tentação naqueles dias de intenso calor. Uma vez que o hábito ruim foi identificado, que se criou o comprometimento de se livrar dele e você sabe qual é o novo hábito que substituirá o antigo, é só colocar em prática o plano de ações. É bom também ficar alerta: mesmo após um novo hábito ter sido estabelecido, o antigo estará lá, quietinho, esperando a hora de ser reativado. 
 
O desafio é ficar vigilante e praticar o autocontrole. Às vezes, vale até criar obstáculos para o hábito ruim. Suponhamos que você não quer mais desperdiçar o fim de semana só jogando videogame em casa. Então, experimente deixar o controle guardado na casa de um amigo por tempo indeterminado. Esse tipo de atitude colabora para alcançar objetivos.
 
 

Hábito é diferente de vício

 
Se um hábito pode ser ruim, um vício é maléfico, e os dois não podem ser confundidos. "O vício é essencialmente ruim, envolvendo comportamentos repetitivos que interferem negativamente na qualidade de vida da pessoa", observa a psicóloga Talita. Para ela, o vício está intrinsecamente relacionado a consequências negativas, como o tabagismo.
 
"Além disso, mudar um vício é muito mais difícil do que mudar um hábito, uma vez que, no caso do vício, há uma relação de dependência do indivíduo, seja física, fisiológica ou psíquica", explica.
 
Também não se pode confundir o hábito ruim com o TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), distúrbio de ansiedade caracterizado por obsessões e compulsões. "Assim como o vício, um aspecto que pode fazer com que as pessoas confundam o TOC com o hábito envolve a repetição de comportamentos", diz a psicóloga, que orienta, nesses casos, a procura de um especialista.