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Mulher sem filhos também é feliz, mas sofre cobrança por não ser mãe

Yannik D´Elboux

Do UOL, no Rio de Janeiro

04/10/2013 07h11

"Também posso ser feliz se não tiver um filho", disse a atriz Bárbara Paz, 38, em uma entrevista recente, explicando que não tem pressa de engravidar. A atriz Leona Cavalli, 43, afirmou: "Nunca achei que fosse o momento".  Mas, apesar disso, se sente muito feliz. E elas têm razão: nem toda mulher precisa se tornar mãe para ser plenamente feliz.

Mas a pressão para ter filhos é grande. As perguntas dos amigos, parentes e até desconhecidos, principalmente para as casadas, costumam girar acerca do mesmo tema: a "encomenda" do bebê.

Quando essa "encomenda" não chega, é comum que as pessoas questionem se existe algo de errado com a mulher ou o casal. Por razões sobretudo de ordem cultural, a maternidade é associada à realização do sexo feminino. Mas, para muitas brasileiras, a satisfação na vida vai além da procriação ou independe dela.
 
Para a psicóloga e presidente da SBPA-RJ (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica Associada Rio de Janeiro), Gloria Lotfi, ser ou não mãe não é fator determinante para a autorrealização e felicidade da mulher. "A felicidade está mais ligada a um processo de paz interior, se estamos bem com as escolhas que fizemos na vida".
 
 
Apesar de destacar que o corpo feminino é preparado para a maternidade, Glória afirma que o estímulo biológico pode ser ou não acompanhado de um impulso psíquico, dependendo dos anseios da mulher. A psicóloga também acredita que a ausência de filhos não exclui o lado maternal.

"A mulher não precisa necessariamente ser mãe para ser maternal, ela pode usar essa energia de outra forma, cuidando dos sobrinhos, de si mesma, sendo professora, o importante é vivenciar isso de alguma maneira", exemplifica. Mas, mesmo que muitas mulheres sejam maternais, o instinto materno é um mito
 
  • Arquivo pessoal

    Regina Prado usa o tempo livre para cuidar do terreno onde construirá sua casa de campo

Ofensas

 
Ameixa seca, egoísta, fria e problemática são apenas alguns dos rótulos corriqueiros dados às mulheres que não querem ser mães. A professora de Inglês Regina Prado, 53, moradora de Curitiba (PR), passou da fase de se incomodar com os julgamentos alheios. Ela diz que nunca quis ter filhos nem casar e convive muito bem com suas escolhas. 
 
O que ainda incomoda Regina são os estereótipos associados a mulheres com o seu perfil. "Nas novelas, quando existe uma mulher solteira ou que não pense em ter filhos, é sempre uma personagem frustrada", diz.
 
A professora conta que gosta de ter todo o tempo ao seu dispor e que aproveita para fazer muitas coisas, como cuidar do jardim, pintar, tocar piano em uma banda, fazer trabalhos como voluntária, viajar e se dedicar à construção de uma casa de campo, seu mais novo projeto. "A vida não é vazia", afirma Regina, já respondendo a uma pergunta frequente que costuma ouvir.

A história da servidora pública do Poder Judiciário Claudiene Finotti, 40, que vive em Aparecida de Goiânia (GO), é um pouco diferente da de Regina Prado. Casada há oito anos, ela foi adiando a gravidez por causa do trabalho até descobrir, quando decidiu tentar, que havia um pequeno problema biológico, porém contornável. Mesmo assim, Claudiene e o marido preferiram optar pela adoção e aguardam o desenrolar do processo.
 
  • Arquivo pessoal

    Claudiene Finotti e o marido Sílvio Finotti. Ela acredita que a felicidade não depende de filhos

Entretanto a servidora afirma que a gravidez nunca foi o centro da sua vida. "Quando nossa criança chegar, se chegar, será muito amada, mas, se não vier, vamos continuar sendo felizes como temos sido nesses anos todos". Mas Claudiene sabe que nem todo mundo acredita que isso é possível. "A maioria das mulheres que conheço acha impossível que uma mulher se sinta realizada sem filhos. Não acho que devamos associar nossa felicidade com o outro, seja família, casamento ou filhos".
 

Sem filhos

 
Um em cada cinco casais no Brasil (20,2%) não tem filhos e 14% das mulheres não pretendem engravidar, segundo dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizado em 2010. Esses números têm crescido rapidamente nos últimos anos. Em 2000, os casais que não tinham crianças eram 14,9%. 
 
Esses são alguns dos dados que o pesquisador Edson Fernandes, doutor em Comunicação, levantou para escrever o livro “Sem Filhos por Opção – Casais, Solteiros e Muitas Razões Para Não Terem Filhos", em conjunto com a mulher Margareth Lacerda, lançado pela editora NVersos. 
 
A ideia da obra, que também traz depoimentos, partiu da própria experiência do casal, mais um a engrossar as estatísticas do IBGE. "Foi interessante perceber que não estávamos sozinhos", diz Fernandes. 
Uma das reflexões que o livro traz é com relação ao papel da mulher, que após entrar no mercado do trabalho, principalmente nos séculos 20 e 21, acaba adiando ou desistindo da maternidade por causa das múltiplas jornadas. "As mulheres estão exauridas, cansadas e estressadas. A cobrança é muito forte. A pressão começa na família. Mal o casal sai da igreja e já estão falando sobre filhos", diz o autor.
 
Além disso, entre as principais razões para não ter filhos citadas pelas entrevistadas estão: oportunidades de carreira, formação educacional, lazer, maior renda, facilidade para viajar, possibilidade de se dedicar a projetos pessoais e ao prazer da vida em casal, ter mais liberdade, tempo e menos preocupação com horários.