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Chegada do primeiro filho é prova de fogo para o casamento

Yannik D´Elboux

Do UOL, em São Paulo

01/11/2013 07h07

Muitos casais sonham em ter um filho. Porém, no sonho, tudo costuma ser bem mais fácil. Na realidade, a chegada do bebê é um acontecimento de grande impacto no relacionamento, em alguns casos motivo até de separação.

"Ainda que a gravidez tenha sido desejada e planejada, as expectativas não costumam corresponder às reais dificuldades que os pais terão que lidar com a chegada de um novo membro na família", explica a psicóloga Mara Lúcia Madureira, especialista em psicoterapia cognitivo-comportamental, de São José do Rio Preto (SP).

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Diferentes estudos, realizados desde a década de 1950 até os dias atuais, chegaram às mesmas conclusões: a vinda do primeiro filho aumenta os conflitos e a insatisfação na vida do casal. Os índices de separação são maiores no período que vai até cinco anos após o nascimento do bebê.

A pesquisa do professor e subchefe do Departamento de Fundamentos da Psicologia da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) José Augusto Evangelho Hernandez, com mulheres gaúchas antes e após o parto, finalizada em 2007, corroborou com os estudos anteriores. "Depois do bebê, em comparação ao início da gravidez, houve um enfraquecimento enorme da satisfação conjugal entre as mulheres", relata.

Hernandez explica que, apesar de toda a alegria que uma criança geralmente traz, é necessário um processo de adaptação no casamento para evitar os desgastes da transição para a parentalidade. "Antes, a dedicação era só para o cônjuge, com o bebê existem muitas necessidades que precisam ser satisfeitas e que dão muito trabalho", afirma.

Fantasia x realidade

Quando pensam em aumentar a família, os casais tendem a prestar atenção apenas nos aspectos mais positivos da situação. E é claro que eles existem e são vários. Mas, para Mara Lúcia, as fantasias em relação ao primeiro filho partem da inexperiência e da visão de apenas um lado da história, como o desejo de perpetuar os genes e de brindar os pais com a presença de netos.

"Essas expectativas correspondem mais a um mundo utópico do que à realidade da procriação, que é gestar, cuidar, educar, amar e passar o resto da vida alternando sentimentos de medo, prazer, frustração, gratificação, angústia, orgulho e raiva", afirma a psicóloga, sem receio de jogar um balde de água fria nos mais românticos.

Os dois especialistas concordam que o melhor caminho para minimizar os problemas nesta fase é a preparação e a reflexão realista sobre a decisão de ter um filho.

"Quando o casal está mais preparado, enfrenta melhor as dificuldades, com menos estresse e mais alegria", afirma José Hernandez. O professor da UERJ também acredita que programas preventivos poderiam ajudar. "Trata-se dos cuidados durante a gestação, da amamentação, mas faltam discussões sobre o relacionamento, sobre as mudanças drásticas no casamento. E os homens também raramente participam desse processo".

Falta de sexo e atenção

As mudanças no cotidiano do casal depois da chegada do bebê são inevitáveis, porém nem todos conseguem conviver com essas transformações. A enfermeira D. T. P., 36 anos, que mora em São Carlos e trabalha em São Paulo, está passando por uma crise no casamento relacionada à interferência dos filhos na vida conjugal.

Desde dezembro do ano passado, ela está separada do marido, que, segundo ela, "não deu conta das crianças". Ela tem dois filhos, um menino de 4 anos e uma menina de 2 anos. "Ele reclamava que eu só dava atenção para eles e foi se afastando", diz.

O afastamento levou a uma traição, que acabou em separação. A enfermeira diz que o marido nunca teve um desejo forte de ser pai e que gostava do relacionamento quando existiam apenas os dois. Por causa das crianças, a frequência sexual diminuiu, assim como a atenção dedicada ao marido. "Confesso que não dei muito espaço para ele, mas ele também não fez nenhum esforço, foi apenas se distanciando".

O psicólogo José Hernandez diz que é comum que as mulheres se apeguem de tal forma aos filhos que, mesmo sem querer, acabem excluindo o marido dessa relação. "Mas o marido às vezes reforça esse comportamento quando passa a ver o bebê como rival".

Ele fala que é importante que a mulher, apesar das demandas naturais da maternidade, não demore muito para resgatar sua vida conjugal e sexual. "O homem que participa [da divisão de tarefas] e se envolve terá mais chances de entusiasmar a mulher, de ajudá-la para que ela possa se voltar à vida a dois", sugere Hernandez.

A teoria do professor da UERJ parece funcionar na prática. Desde a separação, o marido de D.T.P. passou a cuidar mais dos filhos e os dois estão até passando mais tempo juntos. Mas a prova de fogo ainda não terminou: a enfermeira está em dúvida, mas não descarta uma volta no casamento. Analisando a experiência, ela acredita que faltou comunicação e equilíbrio entre a vida de mãe e amante. "Eu poderia ter dividido melhor o tempo, que fez falta para ele".