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Falar sobre a vida pessoal no trabalho é natural, mas não exagere

Estabelecer uma amizade com colegas é ótimo, mas, no ambiente de trabalho, intimidade tem limite - Getty Images
Estabelecer uma amizade com colegas é ótimo, mas, no ambiente de trabalho, intimidade tem limite Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

17/01/2014 07h50


É praticamente impossível não criar vínculos de amizade com os colegas de trabalho. Entre uma tarefa e outra, surge um assunto particular com os colegas. E os momentos de pausa, como a hora de almoço ou do café, também são permeados por conversas que, obviamente, não têm como tema as metas do semestre.

De modo equilibrado, essa interação é bem vista e ajuda na produtividade. Segundo os consultores de carreira, o mercado tem valorizado cada vez mais os profissionais (em especial, os que ocupam cargos de chefia) que mostram o lado mais sensível da personalidade ao tomar decisões importantes, elaborar projetos e, principalmente, lidar com os outros. No entanto, muitas pessoas costumam esquecer o bom senso ao tocar em assuntos íntimos, comportamento que pode afetar a carreira. 

De acordo com Aurélio Melo, professor do curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo (SP), as relações profissionais não equivalem às amizades pessoais, ainda que muitas vezes a intimidade possa começar no ambiente de trabalho. "São relações distintas, mantidas por diferentes razões. Na profissional há um contrato de trabalho a ser cumprido e um código de conduta a ser seguido", fala Aurélio.

No mundo corporativo, a perspectiva de intimidade deve ser outra porque há muita coisa em jogo, como promoções, aumentos de salário, cargos. "Dificilmente, uma amizade no âmbito profissional apresenta as mesmas características de uma relação pessoal. Numa empresa, sempre existirá a competitividade", afirma Sonia Maria Giacomini, coordenadora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

Não é totalmente negativo conversar sobre assuntos pessoais durante o expediente. Porém, é necessário prestar atenção a alguns fatores para não incomodar os demais nem prejudicar o fluxo das atividades. O primeiro é o exagero. Desabafar sobre um problema pontual –o trânsito ruim, a babá que faltou ou o banco lotado– com o colega da mesa ao lado alivia a tensão, mas há quem transforme a própria vida em um reality show, pois não consegue frear a própria língua.

Tagarelice cultural

A verborragia, para os especialistas, tem a ver com a nossa cultura e com o nosso estilo informal. Segundo a consultora Viviane Mourão, da Meta&Vida Desenvolvimento em Recursos Humanos, a maior parte dos brasileiros funciona movido pelas emoções e sente necessidade de relatar questões particulares no trabalho. "É uma maneira de fazer com que a preocupação com um problema diminua e de se sentir motivado ao ouvir conselhos de quem está de fora", conta.

Ao mesmo tempo em que esse "jeitinho" é útil para estimular a criatividade e tomar decisões conjuntas, por exemplo, em algumas circunstâncias, pode ter o efeito de um tiro no pé. "O brasileiro, geralmente, é vitima de sua própria boca, de seu espírito ‘confiado’ e de poucas amarras. Somos carentes incondicionais", diz Júlio César, coordenador da pós-graduação em Comunicação Organizacional e Negócios do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. "O problema é que sempre pode ter alguém de má fé entre os amigos", completa.

Para Maria de Lurdes Zamora Damião, psicopedagoga da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), de São Paulo, o fato de passar a maior parte do dia no trabalho não justifica transformar o espaço em um consultório sentimental. "Fazer um ou outro comentário pessoal pode ser benéfico quando se justifica ao chefe o motivo pelo qual se está triste ou numa fase mais reservada, mas pode ser prejudicial quando o propósito é apenas desabafar, pois desabafo não resolve problemas", declara a especialista.

Segundo Maria de Lurdes, profissionais que reclamam constantemente podem ser qualificados como eternas vítimas, que têm a crença de que nasceram para sofrer ou de que precisam fazer isso para serem considerados, ouvidos e amados. Sob esse estigma, torna-se praticamente impossível alçar voos profissionais maiores.

Negócios à parte

Outro fator que merece atenção é a mania de misturar afinidade e confidências com questões profissionais. Há quem peça opiniões sobre assuntos pessoais a um colega mais próximo e, ao discordar do conselho recebido, feche a cara ou, pior, passe a criticar o amigo para terceiros. Num caso como esses, fica extremamente difícil separar o que é pessoal e o que é profissional. O resultado é um ciclo de fofocas intermináveis e que pode detonar o astral de uma equipe inteira.

Abrir demais a intimidade na empresa pode ser um erro fatal para quem almeja um cargo de chefia. Quando alguém se torna chefe, muitas pessoas dizem que "fulano mudou muito". E provavelmente estão certas, pois a responsabilidade aumentou. No entanto, o amigo de antes pode achar que a pessoa tem a obrigação de contar tudo ao que tem acesso no novo cargo, já que ambos já estiveram na mesma situação. Mas isso não pode acontecer.

A amizade pressupõe envolvimento emocional. No ambiente corporativo, pode se tornar antipatia quando, por exemplo, o chefe "amigão" não promove o colega mais próximo. "É um prejuízo para a empresa quando um funcionário íntimo do chefe é promovido sem ter competência", afirma Maria de Lurdes. O melhor, de acordo com a psicopedagoga, é colocar o desempenho profissional à frente da amizade.

Momento e assunto certos

Exercite a maturidade e o discernimento para entender qual é o momento e o assunto propícios para abordar no trabalho. "Na empresa, a pessoa é avaliada o tempo todo e, em geral, é admitida por sua competência técnica e demitida por seu comportamento. Não saber lidar com as frustrações é um grave erro", afirma o consultor Sílvio Celestino, sócio da empresa de treinamento executivo Alliance Coaching.

Por isso, o conteúdo das conversas também deve ser alvo de cuidado. Reclamar dia após dia sobre a mesma coisa, por exemplo, torna qualquer um inconveniente. Confissões de teor sentimental dispensam detalhes (principalmente sexuais) e relatos de problemas que só dizem respeito a vida a dois. Em algum momento os colegas podem vir a conhecer o parceiro, que será alvo de piadas ou fofocas sobre intimidades que ele nem sequer sabe que se tornaram públicas.

A dica vale, também, para preservar familiares e amigos, em especial se os comentários forem negativos. Quem critica as pessoas mais próximas. provavelmente, faz o mesmo com os colegas do trabalho, certo? Falar sobre a conta no vermelho ou as últimas compras no shopping também é algo a evitar. O tópico finanças, aliás, jamais deveria ser abordado para não suscitar ideias ou fantasias a respeito do estilo de vida –e do salário– de quem toca no assunto.

Se o ambiente da empresa é informal e você tem mesmo afinidade com determinado colega e confia nele, prefira conversar com essa pessoa fora da empresa, pois minimizará a possibilidade de alguém ouvir o que não convém e interpretar mal o que escutou.

"Procure desenvolver amizades aos poucos. Evite tornar-se excessivamente próximo de alguém em um curto espaço de tempo, pois é impossível avaliar uma pessoa sem observar como ela lida com adversidades e frustrações. Por mais que seu instinto lhe diga que pode criar uma amizade rapidamente, seja racional. Sua carreira pode depender disso", afirma Sílvio Celestino.