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Esqueça um pouco do celular e melhore suas relações

Está cada vez mais difícil perceber se a frequência do uso está passando dos limites - Getty Images
Está cada vez mais difícil perceber se a frequência do uso está passando dos limites Imagem: Getty Images

Marina Oliveira e Rita Trevisan

07/04/2014 07h27

Em 2013, um restaurante em Jerusalém criou uma promoção interessante: os donos do estabelecimento resolveram conceder descontos de 50% aos clientes que se dispusessem a desligar os celulares durante a permanência no local. O objetivo era permitir aos frequentadores uma experiência de degustação mais tranquila e prazerosa, sem interrupções.

No Brasil, alguns estabelecimentos têm adotado medidas semelhantes. Em São Paulo, um bar tradicional desenvolveu o copo off-line, que só fica de pé na mesa se estiver apoiado sobre um celular. Todas essas iniciativas vêm responder a novas necessidades, típicas de uma sociedade conectada, em que o número de pessoas que só saem de casa com o telefone móvel não para de crescer.

Para se ter uma ideia, fechamos o ano de 2013 com 271,10 milhões de linhas ativas de celular, segundo dados da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). "Desde 1998, quando ocorreu a privatização da antiga Telebrás, mais de 100 milhões de pessoas passaram a ter uma linha de telefone celular. O acesso se democratizou e ocorreu um processo importante de inclusão digital", explica a antropóloga Sandra Rúbia da Silva, da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria).

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O aparelho, que antes tinha como única função ampliar e agilizar a comunicação, hoje é, também, um computador de bolso. "O mundo da tecnologia se parece com um parque de diversões para adultos”, declara a psicóloga Rosa Maria Farah, coordenadora do NPPI (Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática) da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). “Por conta dos aplicativos, os smartphones têm funções lúdicas, que carregam um aspecto de novidade e despertam a criança que vive dentro do usuário", diz.

E quem se deixa envolver por tanta sedução dificilmente é capaz de perceber se a frequência do uso está passando dos limites e, mais ainda, de distinguir se aquela espiadinha no celular, que muitas vezes interrompe outras atividades importantes, acrescenta algo de relevante na vida pessoal. "O aparelho que tinha a função de aproximar as pessoas pode fazer com que o indivíduo diminua suas habilidades sociais", explica a psicóloga Dora Sampaio Góes, do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).

Além de ter dificuldade de viver o aqui e o agora, as pessoas que não desgrudam do smartphone se tornam menos disponíveis para interações. “Elas deixam de conversar com quem está do lado e até mesmo de conhecer pessoas novas. Podem nem notar direito quem é o garçom que as atende em um restaurante, por exemplo”, diz Dora.

Estar sozinho com os próprios pensamentos também se tornou um desafio. “Fala-se muito que a tecnologia interfere na relação com o outro, mas ela também influencia na relação do indivíduo consigo mesmo”, afirma Rosa Maria. “O tempo dedicado para se perder nas próprias ideias, sentimentos, refletir sobre o cotidiano está cada vez menor. E isso interfere no desenvolvimento pessoal, já que não encontramos espaço para avaliar ideias, posturas, valores e as expectativas de vida”, explica.

Ansiedade a mil

Por conta da alta velocidade que a tecnologia imprimiu na vida das pessoas, também não são raros os usuários que se tornam mais ansiosos, à medida que se apegam mais e mais aos seus celulares. “Você envia uma mensagem e espera que o outro responda na mesma hora. Se ele não responde, quer saber o motivo. Ou seja, além de agravar a ansiedade, esses contatos também podem aumentar a insegurança”, diz Dora.

O grande risco é acreditar que a vida externa precisa seguir o nosso ritmo interno, acelerado e instantâneo, assim como acontece com os aplicativos do celular. E, em decorrência disso, desenvolver a intolerância com a espera ou uma cobrança exagerada em relação a si mesmo. “A tentativa de atender a todas as demandas diminui o poder da nossa concentração. Então, não conseguimos mais nos concentrar em uma atividade por muito tempo”, afirma a psicóloga.

Assumindo o controle

Colocar a culpa na tecnologia "é uma bobagem", diz Rosa Maria. Já que somos nós que temos que aprender a utilizar esses aparelhos, inerentes à vida contemporânea, com equilíbrio. "O problema não está em carregar o celular o tempo todo com você, mas, sim, em querer responder no mesmo momento a todas as demandas que ele lhe traz”, declara a especialista.

O mais importante, segundo Rosa, é dar atenção às prioridades. Quando se está na companhia de amigos, familiares ou parceiros, toda atenção deve ser dada às pessoas. O mesmo vale para momentos íntimos, quando se está no meio de uma refeição, no chuveiro ou tentando dormir.

Quem possui celular corporativo também precisa estabelecer seus próprios limites. “Se eu já trabalhei durante o dia, e estou em casa, tenho o direito de não responder a uma demanda profissional que não considero urgente. O segredo é ser capaz de avaliar o que é realmente importante em cada momento da vida”, diz a coordenadora do NPPI.

Há, ainda, outras boas estratégias que podem ajudar quem já está condicionado a mexer no aparelho o tempo todo. "O primeiro treino é, ao se envolver em uma atividade, como ler, estudar ou assistir a um filme, deixar o celular no silencioso e virado para baixo", ensina Dora Sampaio Góes. Ela também explica que, ao adotarmos esse hábito regularmente, a ansiedade pode diminuir.

Também ajuda desabilitar todas as notificações de aplicativos, para não atiçar a curiosidade de olhar. "É você quem escolhe como utilizar o celular, e não o contrário", diz a psicóloga.