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'Império': o que não aprender sobre maternidade com Maria Marta

Lilia Cabral é Maria Marta, em "Império" - Divulgação/TV Globo
Lilia Cabral é Maria Marta, em "Império" Imagem: Divulgação/TV Globo

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

08/10/2014 07h07


Altiva, venenosa e inescrupulosa, Maria Marta (Lilia Cabral) não poupa ninguém de comentários impiedosos e atitudes egoístas em "Império". Nem mesmo o amor materno é expressado ou vivenciado sem que haja uma certa dose de crueldade. A personagem exemplifica as piores coisas que uma mulher pode cometer ao exercer a maternidade. Obviamente, em teledramaturgia, os conflitos e as ações dos personagens são exacerbados para atrair a atenção do público, mas é possível encontrar algumas Marias Martas por aí.

O primeiro erro da vilã, segundo especialistas, é tratar os filhos de modo diferente: José Pedro (Caio Blat) sempre foi alvo de admiração e cumplicidade, mas Maria Clara (Andréia Horta) e João Lucas (Daniel Rocha) cresceram subestimados e incompreendidos pela mãe. E Maria Marta não esconde a predileção nem respeita as idiossincrasias de cada um, pois provavelmente gostaria que os três fossem iguais a ela. Na vida real, é comum, em algumas famílias, ver filhos tratados de maneira distinta, mesmo tendo mães emocionalmente equilibradas.

Segundo Triana Portal, psicóloga clínica e psicoterapeuta de São Paulo (SP), o ideal seria que toda mãe fizesse uma distribuição igualitária de atenção aos filhos ou dispensasse a mesma parcela de amor. “O destempero ou favoritismo deveria acontecer em situações pontuais, quando um tem uma necessidade maior momentânea. O discurso dessas mães é que amam todos da mesma maneira. Poucas confessam a predileção. Na prática, necessidades específicas, temperamentos, gênero, histórico familiar e até ordem de nascimento dos herdeiros acabam influenciando, ainda que de forma inconsciente, o tratamento individualizado", diz Triana.

Intrometer-se na vida dos filhos ao ponto de tentar atrapalhar ou conduzir seus relacionamentos amorosos também é rotina na trajetória de Maria Marta. É fato que muitas mães querem que os filhos façam o que elas fariam. Não percebem (ou fingem não perceber) que eles têm vida própria, com direito a escolhas, sejam elas boas ou ruins para ela. "Mães que agem assim desvalorizam os sentimentos dos filhos, como se todas suas escolhas não tivessem valor. O objetivo, mesmo que inconsciente, é criar filhos dependentes e manipuláveis", fala a psicóloga Rejane Sbrissa, de São Paulo (SP). 

Mães possessivas e controladoras têm maior dificuldade em libertar o filho para a vida adulta. Existem, ainda, aquelas que projetam suas frustrações no filho, querendo realizar sonhos antigos através deles, e as inseguras, que não acreditam na capacidade do filho gerir sua própria vida. "E muitos, realmente, são inaptos, extremamente dependentes, pois elas, inconscientemente, conduziram a criação dessa forma, para que nunca perdessem o controle", observa Triana.

O psicólogo e terapeuta familiar Marcelo Lábaki Agostinho, do IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), compara mães como Maria Marta a um polvo: elas enxergam os filhos como seus tentáculos. “Os filhos só devem agir de acordo com o desejo dela, como se fossem extensões dela", comenta. Maria Marta, por exemplo, inferniza a relação de José Pedro com a mulher, Danielle (Maria Ribeiro), por enxergar a nora como uma ameaça a seus planos de continuar a manipular o filho, já que ela não quer continuar a viver sob o mesmo teto que a sogra.

A ideia de manter a família sob a asa que tanto irrita a nora, em nome da união, é apenas uma desculpa para exercitar o controle. "Com isso, Maria Marta tenta manipular a todos. No entanto, não consegue muita coisa com a filha e o caçula, pois eles costumam se impor, cada um à sua maneira. Como ela obtém o que quer apenas com o mais velho, que é interesseiro e ambicioso como a mãe, porém mais fraco, ela acaba alimentando a predileção por ele", explica Rejane.$escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2014/09/13/qual-mulher-de-imperio-voce-e.htm')

Amor que estraga

Mães que acobertam erros terríveis dos filhos –como o atropelamento cometido por José Pedro– ou os estimulam a praticar atos condenáveis em prol de seus interesses, não permitem que eles cresçam, aprendam ou se responsabilizem por seus atos. Muitas mães agem assim desde a infância, protegendo as crianças que batem nos colegas, brigando com professores por causa de notas e contrariando até os parceiros, pouco permitindo que exerçam a função paterna.

"São mães que transmitem um modelo de que elas, e os filhos, estão acima da lei. Isso reforça a ideia de uma personalidade narcísica, voltada apenas para si mesmo", diz Marcelo.

Na novela, a intenção de Maria Marta é deixar o primogênito sempre na posição de dependente para, depois, cobrar dele o retorno que ela quer. A mãe de "Império" conhece as fraquezas do filho e as incentiva. "Maria Marta usa o filho e não o respeita como adulto. Ela o faz acreditar que suas decisões são o melhor para ele e para toda a família", observa Rejane.

Sempre há tempo para se arrepender e tentar se modificar –e, consequentemente, mudar o relacionamento com os filhos. "No entanto, quanto mais tempo levar, mais mágoa é represada e maior o dano causado à relação. O perdão, a reparação, tudo pode ser trabalhado, mas as cicatrizes ficam para sempre", fala Triana.

Como já foi dito, as ações humanas nem sempre são conscientes. Mães da vida real podem não se dar conta de que vêm errando, mas uma boa dica para perceberem que algo está fora da ordem é quando a relação com os filhos não funciona como deveria ser –com afeto recíproco, sem ressentimentos ou afastamentos.

"Familiares ou amigos podem mostrar à mãe que ela está errando, mas até a melhora de seu comportamento tem um caminho longo. Algumas não aceitam, outras tentam mudar, mas não conseguem e há as que querem mudar, mas é tarde demais", fala Triana. "Uma mãe egoísta e controladora poderia perceber e mudar se reconhecesse o sofrimento interno que ser assim traz. Só através do próprio sofrimento, não o dos outros, mesmo que sejam seus filhos, é que uma mudança efetiva aconteceria", conclui Rejane.