Topo

Filho que dá menos trabalho pode ser "esquecido" pelos pais

O filho que não dá trabalho e não recebe atenção pode se sentir injustiçado - Getty Images
O filho que não dá trabalho e não recebe atenção pode se sentir injustiçado Imagem: Getty Images

Thais Carvalho Diniz

Do UOL, em São Paulo

16/01/2015 07h29

Você já ouviu falar na teoria de que um filho que causa problemas necessita de mais cuidados e, com isso, o irmão bem comportado não precisa de tanta atenção? É bem provável que sim, pois essa justificativa costuma ser dada ao que se sente abandonado pelos pais --e cobra a mesma dedicação oferecida ao irmão que não age tão bem.

Para Marcelo Lábaki Agostinho, psicanalista e terapeuta do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), aquele que não traz problemas para os pais pode ser esquecido por eles, sim, mas isso não quer dizer que ele seja desprezado. "Ser esquecido não significa, necessariamente, uma rejeição, embora a criança ou o adolescente possa se sentir abandonado", explica.

De acordo com Cristiane Moraes Pertusi, especialista em psicoterapia familiar pela USP (Universidade de São Paulo) e membro da Cefatef (Centro de Formação e Estudos Terapêuticos da Família), por conta da rotina atribulada, a tendência é que os pais olhem para o filho apenas quando ele causa algum tipo de aborrecimento ou preocupação. Consequentemente, o que se comporta melhor vai sendo deixado de lado.

"Não é porque um filho está saudável ou passou de ano na escola sem ficar de recuperação, por exemplo, que não necessita de atenção. Crianças e adolescentes sempre precisam de acolhimento. E o mais importante: a família é uma engrenagem. Se algo está errado e um dos integrantes não se sente bem, procure entender o motivo. O problema de um membro afeta a todos", fala.

Para Cristiane, o mais adequado é estar a par do que acontece com seus filhos, sempre. "Muitos pais reclamam que as crianças ou adolescentes não dividem suas questões, mas eles nunca foram estimulados a fazer isso. É importante se interessar e dialogar. Observar um filho, notar se há mudanças de comportamento e reservar um tempo para ouvi-lo é essencial. Precisa fazer parte do dia a dia familiar".

Na opinião de Marcelo, os pais são capazes de identificar a diferença de tratamento que dão aos filhos. "Eles têm conhecimento, sim, do quanto dedicam a cada um. Tanto que acabam, muitas vezes, se culpando por não conseguirem dar a mesma atenção que é naturalmente dispensada a um aos dois.

Conseguir perceber que está havendo uma discrepância no tratamento dado a irmãos, citada por Marcelo, não é uma regra, segundo Cristiane. "Os adultos nem sempre têm consciência de que estão agindo errado. Alguns lidam com os filhos de maneira muito limitada, não assumem falhas e não identificam a necessidade de cada um".

O caminho natural, segundo os especialistas, é que o filho que anda esquecido pelos pais, ao notar que há uma diferença de tratamento, comece a tentar conquistar espaço na família, às vezes de forma negativa: apresentando problemas comportamentais, escolares ou adoecendo de fato, por exemplo --pelo menos enquanto são crianças e adolescentes. Na vida adulta, a tendência é que se distanciem.

"Sempre que um filho faz uma reclamação, não o ignore, pois isso pode trazer consequências sérias, como agressividade ou o desejo de se tornar como o irmão, já que ele parece mais valorizado. Insegurança e baixa autoestima também são comuns em crianças ou jovens que se sentem deixados de lado pelos pais. E tudo isso se refletirá na estrutura emocional dessa pessoa no futuro", explica Cristiane.

Quando o filho nota que não recebe a mesma atenção, ele se sente injustiçado, pois conclui que não adiantou ser um bom filho. Reações como revolta e agressividade surgirão para despertar o interesse dos pais e questioná-los sobre a diferença de tratamento. Afinal, nesse caso, quem reclama está fazendo tudo certo, mas não tem o reconhecimento em forma de atenção e carinho”, acrescenta Marcelo.

Outro erro, segundo o psicanalista da USP, é usar o filho que não dá trabalho como exemplo de conduta para aquele problemático. As comparações acabam estimulando a competitividade entre os irmãos, problema que pode se estender por toda a vida.

“Essa imagem de perfeição pode engessar a pessoa, pois ela passa a ter de viver como um tipo de arauto do bom comportamento e, então, qualquer coisa que faça de errado, fará com que se sinta culpada ou inadequada", completa.