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Por que usamos mais palavras positivas? Estudo explica

Mesmo diante de eventos ruins, tendência é usar palavras "para cima" - Jordin Isip/The New York Times
Mesmo diante de eventos ruins, tendência é usar palavras "para cima" Imagem: Jordin Isip/The New York Times

John Tierney

The New York Times

03/03/2015 17h28

Nós jornalistas nos orgulhamos da nossa vontade de dar más notícias. Quanto mais morte e destruição, mais palavras e fotos. Se houver sangue, vamos cobrir.

Mas, na verdade, em nosso coração mora uma Poliana, como no de quase todo mundo. Não podemos evitar expor o que é positivo, de acordo com pesquisadores que analisaram cerca de dois milhões de artigos do "New York Times", assim como milhões de livros e mais de 100 bilhões de tuítes em todo o mundo.
 
Um time liderado por profissionais da Matemática Aplicada da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, e da Mitre Corporation, organização não-governamental também americana, usou um algoritmo chamado hedonômetro para avaliar o conteúdo emocional de palavras em reportagens, livros, sites, letras de música, programas de televisão, filmes e postagens nas redes sociais. Eles analisaram fontes em inglês e em outras nove línguas, incluindo espanhol, alemão, russo, árabe, chinês, coreano e indonésio.
 
Os pesquisadores descobriram que, em qualquer tipo de mídia e em todas as linguagens, as pessoas tendiam a usam mais palavras positivas do que negativas. Apesar de todas as notícias sombrias e da irritação exposta nas redes sociais, os jornalistas e os tagarelas do resto do mundo têm mais chance de usar palavras para cima, como "saudável" e "amigo", do que termos pesados, como "sofrimento" ou "idiota".
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O estudo, publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences, oficial da Academia Nacional de Ciências dos EUA, é de longe o maior desse tipo e oferece uma confirmação arrebatadora da hipótese de Poliana, um termo criado por cientistas sociais em 1960 com base em um pequeno estudo sobre usos da linguagem. Eles tiraram o nome do livro de 1913 sobre uma garota que joga o "jogo do contente", sempre tentando ver o melhor de cada situação.
 
A noção de uma inclinação pela positividade universal na maneira como nos comunicamos intriga os linguistas e os psicólogos, já que é um contraponto à tendência mais óbvia de acentuar o que é negativo. Há uma explicação evolucionária para nossa inclinação pela negatividade: os primeiros humanos que não prestaram atenção em ameaças potenciais não viveram o suficiente para passar seus genes para a próxima geração. Assim, não é de se surpreender que eventos ruins ainda tenham um impacto mais forte em nós do que os bons, e que reconheçamos rostos hostis mais rapidamente do que os amigáveis.
 
Também temos mais cuidado na hora de identificar estados de espírito ruins. Em inglês e nas outras línguas, existem mais palavras para emoções negativas do que para positivas. Quando estamos de bom humor, a tendência é dizermos simplesmente que estamos felizes, mas distinguimos com cuidado tristeza de raiva, medo, frustração e outros sentimentos desagradáveis.
 
Então, já que prestamos tanta atenção a eventos e sentimentos negativos, por que continuamos a soar como Polianas? Existem várias teorias. Uma é que acontecem muito mais coisas boas conosco do que ruins, então, naturalmente acabamos dizendo mais palavras positivas.
 
Assassinatos e desordem são notícias de primeira página, mas há uma grande quantidade de eventos bons no resto do noticiário. Quando os pesquisadores aplicaram o hedonômetro às diferentes seções do "New York Times", descobriram o grau mais alto na seção Sociedade, por causa das várias palavras positivas como "noiva" e "formatura".
 
A seção de Sociedade teve 6,98 pontos na escala de 9,0 pontos do hedonômetro, na qual 5,0 representa neutralidade. O placar geral do Times foi 6,0, com a seção de Ciências chegando a 5,71 por causa de palavras como "doença" e "câncer". O placar mais baixo foi na seção de notícias internacionais, com 5,21.
 
Da mesma maneira, os pesquisadores descobriram que as publicações no Twitter em todo o mundo permaneceram consistentemente para cima, com média de 6,0 na escala do hedonômetro. A rede social tem seu ritmo, com tendência a marcar maiores números da escala de manhã e ir declinando ao longo do dia, e variar de acordo com os eventos. Os números aumentam nos feriados --o dia mais feliz do ano é o Natal-- e diminuem quando há notícias ruins. Ainda assim, a tendência permaneceu positiva mesmo quando havia eventos terríveis, como o ataque terrorista ao periódico francês "Charlie Hebdo".
 
Essa alegria sem fim, mesmo em dias de notícias ruins, sugere a alguns pesquisadores que a inclinação para a positividade não é uma consequência de que há mais coisas boas sobre o que falar. Ela também pode estar nos ajudando a lidar com os eventos ruins.
 
Os pesquisadores que estudam a memória descobriram que há outro exemplo do princípio da Poliana: as pessoas têm tendência a lembrar de eventos como se fossem mais positivos do que realmente foram, aparentemente para diminuir o impacto persistente das experiências dolorosas. Da mesma maneira como vemos o passado com lentes cor-de-rosa, lidamos com os problemas de hoje encontrando alguma coisa positiva para dizer.
 
Quando os terroristas cometem uma atrocidade, respondemos rapidamente com rezas e doações para as vítimas. Os jornalistas que cobrem a devastação de um terremoto procuram histórias de heroicos trabalhadores de resgate e de vítimas que foram encontradas vivas nos escombros. Mesmo quando um evento ruim está sendo descrito, existe um esforço para contrapor seu impacto por meio de uma linguagem positiva.
 
"Quando há histórias terríveis nos jornais e tópicos horríveis no Twitter, nossa tendência é não deixá-los ir muito longe", afirma Peter Sheridan Dodds, líder do projeto do hedonômetro com Chris Danforth, colega da Universidade de Vermont, e Brian Tivnan, da Mitre Corp. "A linguagem é nossa mais importante tecnologia social, e nós a usamos para nos ajudar a transpor momentos difíceis."
 
Estudos anteriores com mídias sociais, incluindo um que envolvia a lista do "New York Times" que mais foi compartilhada por e-mails, mostraram que, enquanto as pessoas leem notícias ruins rapidamente, elas preferem mandar notícias positivas a seus amigos. Isso mostra o que pode ser a mais importante explicação para nosso uso de linguagem positiva: importamos-nos com o que os outros pensam de nós.
 
Soar para cima pode fazer com que você pareça mais interessante, seja quando está tentando atrair um parceiro, encontrar um amigo, conseguir um favor ou simplesmente manter sua audiência interessada. Você pode conseguir atenção imediata com notícias ruins e papo negativo, mas não é uma estratégia esperta para manter sua popularidade em longo prazo.
 
Os autores adoram atrair leitores colocando seus personagens em perigo, mas também se esforçam para não deixar que a história fique muito sombria, como descobriram os pesquisadores depois de usar o hedonômetro em mais de dez mil livros.
 
A pesquisa mostrou que a linguagem se afunda em uma zona negativa em algumas partes da história, por exemplo, na prisão do "Conde de Monte Cristo", e na morte de Dumbledore em "Harry Potter e o Enigma do Príncipe". Mas nesses livros e em outros, a linguagem volta a ser para cima, principalmente perto do final, dando um tom geral positivo.
 
Ainda mais notável, o hedonômetro mostrou que personagens do programa "Seinfeld" conseguiam equilibrar sua negatividade. Eles tiveram notas menores do que 6,0 --nenhuma surpresa aqui já que não paravam de se queixar--, mas de alguma maneira usavam mais palavras positivas do que negativas.
 
Tão desafortunados como eram em sua procura por amor, eles pelo menos pareciam conhecer uma regra do jogo da conquista: as perspectivas românticas de uma Poliana são maiores do que as de Debbie Downer (personagem pessimista do programa "Saturday Night Live").