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Obsessão atual por depilar é fruto de pressão social, não escolha estética

A cantora Miley Cyrus exibe axilas peludas e alguns pelos pubianos em foto do Instagram - Reprodução/Instagram
A cantora Miley Cyrus exibe axilas peludas e alguns pelos pubianos em foto do Instagram Imagem: Reprodução/Instagram

Yannik D´Elboux

Do UOL, no Rio de Janeiro

22/06/2015 07h05

Ter pelos no corpo está fora de moda. Não faltam opções para removê-los ou extingui-los completamente, mas há quem classifique a tendência como opressão, resultado da cultural atual, e não apenas uma mera escolha estética.

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Para Jocelyn Patinel, presidente do MIEL (Movimento Internacional por uma Ecologia Libidinal) e mestre em psicologia social, além dos inconvenientes fisiológicos que a eliminação dos pelos traz, como ressecamento da pele e favorecimento a infecções, a depilação reflete um comportamento submisso. O movimento, que tem sede na França e existe desde 2003, defende a emancipação individual e social, posicionando-se contra o ato de se livrar dos pelos.

Jocelyn diz acreditar que um hábito estético só existe quando há liberdade para adotá-lo ou não. “Quando você recebe forte pressão social, inclusive bullying, por não segui-lo, então é uma opressão”, afirma.

A presidente do MIEL destaca que muitas mulheres dizem que se depilam por vontade própria ou questões de higiene, mas que, no fundo, têm essa norma tão internalizada que estão alienadas. “Em minhas pesquisas com estudantes, nunca encontrei mais do que 30% de mulheres que perceberam espontaneamente a pressão social para depilar.”

A cantora americana Miley Cyrus, 22 anos, é outra que questiona a onda de caça aos pelos. Publicamente ou nas redes sociais, ela já surgiu não só com as axilas peludas como também coloridas, além de deixar à mostra, com um jeans de cintura baixa, alguns fios da região pubiana.

História dos pelos

Apesar de parecer uma prática moderna, o hábito de se depilar não é exclusivo do nosso tempo. “O primeiro mito da história é achar que nunca houve essa moda”, diz a historiadora Denise Bernuzzi de Sant'Anna, professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e autora do livro “História da Beleza no Brasil” (Editora Contexto).

Segundo a pesquisadora, o costume existiu em outras épocas e culturas, mas o que mudou, dos anos 1990 para cá, foi que o comportamento passou a ser adotado pela maioria. “Assim, como norma geral, é novo”, fala.

Os métodos de depilação também se transformaram muito ao longo dos anos. A professora e pesquisadora norte-americana Rebecca Herzig, da Faculdade Bates, nos Estados Unidos, conta que os nativos americanos raspavam os pelos com conchas ou pedras.

Rebecca fez um amplo levantamento sobre o tema no livro “Plucked: A History of Hair Removal” (“Depenados: A História da Depilação”, em tradução livre do inglês, ainda sem edição em português). “Nos Estados Unidos, os não nativos só começaram a remover os pelos abaixo do rosto no início do século 20, a partir de 1910”, afirma.

Os motivos para o hábito vão desde a influência da medicina e o controle social dos corpos das mulheres –as primeiras a serem influenciadas por esse comportamento– até o crescimento da indústria da beleza.

No decorrer da história, não se encontrou uma justificativa do ponto de vista da saúde ou higiene para a remoção dos pelos. “Definitivamente, é mais um imperativo cultural do que evolucionário ou médico”, afirma a Rebecca Herzig.

De acordo com a autora, a depilação já causou muitos problemas às mulheres, inclusive a morte, a partir da década de 1920, quando o método de remoção por raios X se popularizou. Depois da descoberta das consequências da prática, relacionada ao surgimento de câncer e outras doenças, o uso do equipamento para esse fim foi banido.

Pornô e resistência

No Brasil, o costume de remover os pelos tem menos de um século. Denise Sant'Anna diz que, nas fotos da década de 1920, quando surge a moda praia, as meninas aparecem com as axilas peludas, apesar de já existirem anúncios de depilação nos jornais da época. “É recente no Brasil a ideia de que a mulher precisa se depilar, o homem mais ainda.”

Eliminar os pelos pubianos é um hábito ainda mais novo, disseminado principalmente depois dos anos 2000, por influência do fácil acesso à pornografia, que lançou a moda. “Tem a ver com a necessidade de as partes íntimas serem fotogênicas, como um rosto barbeado. Isso não existia antes”, declara a professora da PUC de São Paulo.

Atualmente, há uma verdadeira repulsa aos pelos, sobretudo entre as gerações mais jovens. Contudo, isso não significa que corpos lisos serão o padrão de beleza eternamente. Para Rebecca Herzig, com base nos estudos para o seu livro, tudo é possível nesse aspecto. “Tendências quanto à depilação mudam o tempo todo, no curto e no longo prazo”, diz.

Homens lisos

Os corpos masculinos também estão cada vez mais livres de pelos, porém ainda não tanto quanto os femininos. Segundo Rebecca Herzig, nos Estados Unidos, 99% das mulheres se depilam, regularmente, enquanto 63% dos homens removem pelos corporais abaixo do pescoço. Livrar-se dos pelos também é uma preocupação crescente entre a população masculina. “Certamente, alguns homens sentem significativa ansiedade, vergonha e confusão acerca dos seus pelos”, diz a pesquisadora norte-americana.

A moda internacional dos jogadores de futebol e o papel de objeto de desejo que os homens também passaram a ocupar nas últimas décadas influenciam, na opinião de Denise Sant'Anna, essa busca dos homens pela depilação. “Na medida em que assumem essa função, eles também têm de ser limpos, lisos e depilados.”