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Preocupação médica se transforma em 'perseguição' para pacientes fujões

Médicos usam táticas como o telegrama e a polícia para encontrar pacientes fujões - James Obrien/New York Times
Médicos usam táticas como o telegrama e a polícia para encontrar pacientes fujões Imagem: James Obrien/New York Times

Abigail Zuger

New York Times

15/07/2015 12h34



Eu me pergunto se o Peter está rompendo comigo.

Ah, tudo estava ótimo em nosso último encontro. Ele deixou claro que voltaríamos a nos ver. Falou que ligaria para mim. Então, aconteceu alguma coisa e eu precisava muito falar com o Peter e liguei.

E liguei novamente. Depois, deixei recado na caixa postal. Liguei novamente. Enviei e-mail. Enviei mais um --e nada.

Peter fugia de mim feito um fantasma e não sei o que fazer.

Eu poderia manter a dignidade, esquecê-lo e tocar a vida. Eu poderia confrontá-lo na porta de casa como uma adolescente apaixonada. Nenhuma alternativa funciona, pois Peter é meu paciente e a questão tem a ver com sua taxa de colesterol.

Nós já passamos por isso e, sim, não nos vimos olho no olho sobre a gestão dos lipídios. Todavia, obtive seus números novos e nós precisamos muito conversar.

Talvez eu tenha forçado a barra e o assustei. Eu faço isso. Ou talvez ele esteja de férias. Entretanto, ele não levaria o telefone junto? Espere aí. Talvez nós tenhamos rompido!

Têm maneiras legítimas de encontrar pessoas quando precisamos delas com urgência, táticas veneráveis como o telegrama, um parente e a polícia.

Nós usamos esses instrumentos contundentes periodicamente para romper a barreira de silêncio quando o contato é questão de vida ou morte. O responsável costuma ser um exame laboratorial alarmante. Teoricamente, pessoas doentes a ponto de gerar resultados alarmantes foram tratadas anteriormente ou enviadas ao hospital, mas, às vezes, o laboratório traz grandes surpresas.

Alguns anos atrás, durante um fim de semana de plantão, eu fui forçada a ter uma série de conversas de manhã de domingo com o sargento responsável por uma delegacia de polícia do Bronx, condado do estado de Nova York, nos Estados Unidos. Um homem que morava naquele bairro, um de nossos pacientes, tirara sangue na sexta-feira pela manhã. Na manhã seguinte, as amostras continham bactérias ruins confirmando que o homem apresentava um problema sério.

Contudo, ele tivera alta da clínica, não atendia ao telefone e não possuía parentes. Eu o imaginava esborrachado no chão.

O sargento deve a gentileza de enviar uma radiopatrulha até sua casa, depois informou que nosso paciente estava vivo e bem, ou bem o bastante para se recusar a abrir a porta e mandar os policiais embora usando linguagem enfática. Eles passaram meu recado ("venha logo") antes de irem embora e o paciente, sem se deixar impressionar, apareceu na terça-feira e foi internado, aparentemente sem pioras diante da demora.

Em circunstâncias como ameaça de vida, no entanto, esse método não é uma opção.

Às vezes, os exames mostram que os pacientes não têm problemas imediatamente desesperadores, mas que coloquem outras pessoas em risco. Então, podemos pedir ao Departamento de Saúde tomar conta do assunto. Para desentocar pessoas com casos novos de sífilis ou tuberculose, nada melhor do que um detetive do Departamento de Saúde munido de nome e endereço.

Todavia, no caso de pacientes como o Peter, com colesterol alarmante, estamos por conta própria. Essas pessoas não estão doentes (ainda não). Nem são contagiosas. Simplesmente estão deixando de agir e, sem sombra de dúvida, têm todo o direito de o fazerem.

Elas também podem ignorar os resultados laboratoriais exibidos em gráficos eletrônicos com letras garrafais vermelhas e pontos de exclamação. Elas podem ignorar os resultados por um dia, uma semana, um ano, uma vida. Elas podem ir a outros lugares esperando um resultado diferente. Elas podem fugir (como acredito ter afirmado ao Peter; ai meu Deus, eu nunca deveria ter feito isso!), mas não podem se esconder.

Infelizmente, toda a ambiguidade que a secretária eletrônica, o celular e a caixa postal trouxe às interações sociais também aflige as interações médicas. Quando o telefone de uma pessoa fica tocando, o caminho é claro: Nós continuamos tentando. Porém, quando os recados se acumulam, então, como a garota rejeitada, nós começamos a ficar obcecados.

Uma série de explicações é possível, de um paciente desesperadamente doente a um que ainda não programou a caixa postal ao que ficou mais contente nos braços de outro médico.

Não existem protocolos. Depois de vários recados, alguns médicos desistem, enquanto outros continuam tentando. Porém, enfim, até a mais cristalina preocupação médica lentamente se transforma em perseguição. Nós nos tornamos médicos sem limites, sem fronteiras nem bom senso. Como um de meus pacientes resmungou um dia sobre o médico anterior, a mulher não sabia quando parar.

Não quero ser uma dessas mulheres. Sou tão bacana.

Contudo, Peter, se você estiver lendo isto, garanto que podemos resolver nossas diferenças. Ligue, está bem?