Topo

Anne ficou nove anos de luto e precisou de tratamento especial para superar

Anne perdeu o marido e o luto fez parte de sua vida por nove anos - Karsten Moran/The New York Times
Anne perdeu o marido e o luto fez parte de sua vida por nove anos Imagem: Karsten Moran/The New York Times

Paula Span

The New York Times

25/08/2015 10h22


Ela cuidou do marido durante os últimos oito anos da vida dele, quando ficou cego, teve câncer e problemas cardíacos. Depois que ele morreu em 2002, ela vendeu a casa em Long Island que os dois dividiam e tanto amavam, pois o lugar guardava muitas memórias. Depois disso, se mudou para sua casa de campo, no interior de Nova York.

Os amigos acharam que Anne Schomaker estava lidando bem com a perda, recorda. "Eu fazia trabalho voluntário, para sair de casa e fazer alguma coisa, para preencher as lacunas. Eu tinha muitos interesses". Ela viajou e até tentou encontrar um novo namorado.

"Mas eu não estava nada bem", afirmou Anne, de 73 anos. "Tinha surtos terríveis de tristeza e desânimo. Sentia muita saudade do meu marido."

Mesmo depois de fazer terapia, o que ajudou um pouco, ela tinha pesadelos e não suportava ouvir as árias das óperas prediletas do casal. "A dor simplesmente não passava", contou.

A morte de um ente querido muitas vezes traz consigo uma tristeza profunda. Entretanto, geralmente o luto mais profundo vai desaparecendo à medida que os meses vão passando, e as pessoas começam a alternar entre a tristeza e a capacidade de redescobrir os prazeres da vida.

O que destacava o sofrimento de Anne era sua duração. O luto fazia parte de sua vida há nove anos quando ela viu um anúncio da Universidade de Columbia, em Nova York, nos Estanos Unidos, no qual os pesquisadores que haviam desenvolvido um tratamento para o "luto com complicações" buscavam participantes para um estudo. “Talvez essa abordagem possa ajudar”, pensou Anne.

$escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2014/02/27/voce-sabe-enfrentar-o-medo-da-perda.htm')

O luto prolongado ou com complicações pode atingir qualquer pessoa, mas é especialmente problemático entre os idosos, já que eles passam por tantas perdas – cônjuges, os pais, irmãos, amigos. "O luto é resultado da perda. Pessoas com mais de 65 enfrentam perdas muito maiores", afirmou a Dra. Katherine Shear, psiquiatra e líder do estudo na Universidade de Columbia.

Em um artigo publicado na revista “The New England Journal of Medicine” este ano, Katherine listou diversos sintomas característicos do luto com complicações: saudades intensas, ocorrência preocupante de pensamentos e memórias, além da incapacidade de aceitar a perda e imaginar o futuro sem a pessoa que morreu.

Com frequência, os enlutados que apresentam esses sintomas acreditam que se tivessem feito algo diferente, poderiam ter evitado a morte do ente querido. Mais severo e prolongado, quando comparado às reações típicas, o luto com complicações impede o funcionamento adequado do indivíduo.

"Adaptar-se à perda é uma parte importante do luto", afirmou Katherine, que também é diretora do Centro de Pesquisa do Luto com Complicações na Faculdade de Serviço Social da Universidade de Columbia. "Alguma coisa atrapalha a adaptação das pessoas que sofrem do luto com complicações. Algo impede o curso natural da recuperação"

Esse luto prolongado é comum? Um estudo epidemiológico envolvendo 2.500 pessoas, realizado na Alemanha em 2009, afirma que a proporção total é de cerca de 7%, chegando a 9% entre as pessoas com mais de 61 anos.

George A. Bonanno, diretor do Laboratório de Perda, Trauma e Emoção do Teachers College, na Universidade de Columbia, afirmou que o volume real deve estar mais próximo de 10 a 15%.

Bonanno, autor do livro "The Other Side of Sadness: What the New Science of Bereavement Tells Us About Life After Loss" (O outro lado da tristeza: O que a nova ciência do luto nos conta sobre a vida após a perda, em tradução livre), argumenta que a adaptação é a reação típica após a morte de entes queridos. Ainda assim, destaca, "sempre vemos um grupo de pessoas incapaz de se recuperar".

O problema parece ser mais provável quando a morte é repentina ou violenta; quando a pessoa que morreu é um cônjuge, namorado ou filho; e quando o paciente tem histórico de tendência à depressão, ansiedade e uso de substâncias químicas.

A definição desse tipo de luto é motivo de discordância entre alguns profissionais da área. Quais critérios distinguem o luto com complicações da depressão ou da ansiedade? Quando o luto normal passa a ser longo demais? Os pesquisadores discordam até mesmo do nome da condição.

Na última versão de seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, a Associação Psiquiátrica Americana se negou a classificar o luto com complicações como um transtorno mental, incluindo em vez disso o "transtorno persistente complexo relacionado ao luto" na lista de temas que exigem estudo posterior.

A quinta edição do Manual, publicada em 2013, estabelece o limite de 12 meses para considerar que os sintomas do luto intenso sejam considerados um transtorno, embora Katherine e outros pesquisadores proponham um limite de apenas seis meses.

Alguns especialistas argumentam que as evidências não são suficientes para assegurar uma distinção clara entre um processo de luto mais demorado que o normal e um distúrbio mental. "A psiquiatria precisa mesmo rotular emoções humanas perfeitamente normais como transtornos?", questionou Jerome C. Wakefield, professor de Serviço Social e Psiquiatria na Universidade de Nova York, durante uma entrevista.

Ao diagnosticar o luto com complicações apenas seis meses depois de uma morte, afirmou, "muitas pessoas normais vão receber tratamentos desnecessários", incluindo medicamentos.

Katherine também se preocupa com a "patologização" de emoções normais. Mas quando uma mulher é incapaz de sair de casa ou de atender o telefone quatro anos depois da morte de um filho adulto, como foi o caso de uma paciente, alguma coisa obviamente deu errado.

"Se você se preocupa com o que está sentido, se não se importa mais com a vida e se as pessoas ao seu redor dizem para você parar de se fechar, por que não procurar ajuda?", questionou ela.

Em um estudo clínico, a terapia para combater o luto com complicações, desenvolvida por seu centro, demonstrou uma maior eficácia entre os idosos, quando comparada a psicoterapia interpessoal.

Os envolvidos, incluindo Anne Schomaker, receberam uma escala de afirmações que mensuravam a reação à perda, indo de "Eu penso tanto sobre essa pessoa que, às vezes, é difícil fazer as coisas do dia a dia" e "Eu acho que a vida é vazia sem a pessoa que morreu". As notas mais altas eram um indicativo do luto com complicação.

Cerca de metade dos 151 envolvidos (média de idade: 66 anos) havia perdido um cônjuge ou parceiro, mais de um quarto havia perdido o pai ou a mãe. Mais de três anos haviam se passado, em média, desde as mortes. A maior parte dos envolvidos relatou que havia considerado o suicídio.

Eles foram aleatoriamente divididos entre 16 sessões semanais de terapia de luto com complicações –com atenção específica para sintomas de luto, incorporando memórias, fotografias e gravações-- e psicoterapia interpessoal.

$escape.getHash()uolbr_quizEmbed('http://mulher.uol.com.br/comportamento/quiz/2015/02/11/como-voce-encara-a-morte.htm')

Ambos os tratamentos ajudaram, mas no grupo que recebeu a terapia de luto com complicações, mais de 70% dos pacientes se sentiu "melhor" ou "muito melhor" em relação à gravidade dos sintomas, comparados a 32% dos envolvidos no grupo de psicoterapia padrão. Um estudo mais amplo realizado em quatro lugares que ainda não foi publicado revelou um grau de eficácia similar, afirmou Katherine.

Para que o método se torne mais comum, o Centro de Luto com Complicações publicou um manual e oferece workshops de treinamento para terapeutas; os membros da equipe tiram dúvidas e respondem perguntas de pacientes e terapeutas de todo o país.

Darlyn Reardon, de Ross Township na Pensilvânia, por exemplo, buscou a terapia de luto com complicações no Centro Médico da Universidade de Pittsburgh, em 2011. Depois que seu marido, com quem era casada há 40 anos, morreu de câncer, "foi como se eu também tivesse morrido", contou.

“Sete anos se passaram e eu não cuidava mais de mim. Não ia ao médico e parei de ir à igreja. Nós tínhamos um grupo de amigos, mas me afastei deles. Me afastei de tudo".

Darlyn, de 72 anos, sempre sentirá falta do marido, John, que era bombeiro. Mas agora ela consegue se divertir ao assistir um filme, comer com a prima, ficar com seu cachorro de estimação, chamado Lovey, ou passar um tempo em companhia dos netos adolescentes.

Anne também se sente recuperada. Voluntária, frequentadora de museus e com uma vida social agitada, ela é grata pela terapia de luto com complicações que recebeu.

"Isso faz a gente pensar sobre a perda de outra maneira. O tratamento nos encoraja a seguir adiante, porque há muita felicidade no nosso caminho."