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"Bela, recatada e do lar" é forma infeliz de descrever alguém

Marcela em show beneficente da Sociedade Israelita Brasileira Albert Einstein, em 2015 - Bruno Poletti/Folhapress
Marcela em show beneficente da Sociedade Israelita Brasileira Albert Einstein, em 2015 Imagem: Bruno Poletti/Folhapress

Thais Carvalho Diniz e Thamires Andrade

Do UOL, em São Paulo

20/04/2016 19h17

Na segunda-feira (18), um dia após a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, a versão on-line da revista "Veja" publicou um perfil de Marcela Temer, mulher do vice-presidente, Michel Temer. Com o título "Marcela Temer: bela, recatada e do lar", o texto apresenta ao leitor o estilo de vida da bacharel em direito de 32 anos, 43 anos mais jovem do que Temer, Marcela conheceu o marido aos 19 anos e foi acompanhada pela mãe ao primeiro encontro com ele, segundo a matéria. A reportagem ouviu, entre outra fontes, uma irmã e uma tia de Marcela, que revelam particularidades sobre ela, como a preferência por vestidos na altura dos joelhos.

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O texto gerou polêmica e, na quarta-feira (20), milhares de pessoas, anônimas e famosas, publicaram em suas redes sociais "memes" ironizando as características atribuídas pela publicação à vice-primeira-dama, consideradas misóginas e atrasadas. A hashtag composta das palavras "bela, recatada e 'do lar'" foi uma das mais citadas do dia no Twitter.

Para entender a reação provocada pelo texto, o UOL ouviu três estudiosos de comunicação. Veja a seguir.

Helena Jacob, coordenadora do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e doutora em comunicação e semiótica pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo

"Bela, recatada e 'do lar' são palavras muito específicas e que objetificam as mulheres. Simbolicamente, toda mulher tem de ser bonita. Esse valor é algo muito forte tanto na sociedade ocidental quanto na oriental. Não importa o que aconteça, mesmo que você tenha acabado de ter um filho, você tem de estar com a barriga sarada duas semanas depois. O recatada e o 'do lar' vêm de encontro ao 'bela' para formar a imagem de mulher perfeita, que sabe se colocar no lugar dela e é submissa ao marido. É aquela velha história de que atrás de um grande homem sempre há uma mulher. Essa escolha de palavras foi muito infeliz. Não me espanta a repercussão negativa que o perfil teve, embora no Brasil, ainda exista aquela imagem de que uma mulher foi estuprada porque estava de roupa curta. O barulho que foi gerado pelas feministas e ativistas nas redes sociais não é contra Marcela Temer, mas contra a figura desse título. No feminismo, o que se prega é que cada mulher pode fazer o que quiser. Se quer parar de trabalhar para cuidar dos filhos? Ok. Se quer casar com um homem mais velho? Ok. Ela tem direito de ser quem quiser, mas não se pode criar uma simbologia de que a mulher perfeita deve seguir esses parâmetros. Se formos ter uma substituição de poder da presidente Dilma pelo vice, a figura da primeira-dama passará a existir a partir desse momento, já que a presidente é solteira. E a revista ‘Veja’ apresenta essa figura como a mulher perfeita. Em uma sociedade escravagista como a nossa sempre foi, o perfil dela lembra uma senhora de engenho, bonita, escolhida para casar, recatada, pois era preciso ser do lar, pois era onde as mulheres ficavam limitadas nessa época."


Tuca Américo, professor da pós-graduação em mídia e tecnologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista)

"Não existe uma clareza sobre a intenção da revista com esse texto. De imediato, parece um perfil conservador que corrobora o que vimos no Congresso no domingo (17), já que foi publicado um dia depois. Por outro lado, pode querer masculinizar a presidente Dilma, mulher guerrilheira, mostrando um perfil de beleza frágil e ideal. Reforça a imagem do vice-presidente Michel Temer como um homem conservador e que tem a sua 'virgem' preparada para o sacrifício. Ao falar sobre a preferência por roupas na altura dos joelhos, mostra o recato dos 'sonhos' do homem conservador, que deseja uma mulher pronta, cheirosa, que não cobra nada e cuida dos filhos, enquanto fica escondida em um castelo cercado por seguranças para protegê-la de qualquer assédio. Não tem nada a ver com o que esperamos --e buscamos-- em uma mulher moderna e independente. É um texto 'bobinho', típico de revistas de fofoca e que vende o Temer como uma figura familiar para a sociedade, que protege a mulher financeiramente e com seguranças, fica longe trabalhando, mas tem, sim, momentos pseudoromânticos com ela. Esse texto pode ter milhares de leituras e pode querer agradar mulheres que têm um perfil de não querer se aventurar no mercado de trabalho, por exemplo, mas que temem o julgamento da sociedade ao abandonar tudo para cuidar da família."


Selma Felerico, comunicóloga e professora de comunicação da pós-graduação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) em São Paulo

“Não podemos esquecer que hoje existem veículos a favor da presidente Dilma e a favor do impeachment para que o vice-presidente, Michel Temer, assuma a presidência. A Dilma tem uma imagem de guerrilheira e, às vezes, agressiva. Para traçar o perfil de Marcela Temer, a revista ‘Veja’ provavelmente elencou as características que mais diferenciam a vice-primeira-dama da atual presidente da República. Marcela é jovem e bonita, enquanto Dilma já é uma senhora. Como a primeira-dama nunca foi de aparecer na impressa, a 'Veja' optou pelo 'recatada', já que não é uma personagem polêmica, e 'do lar', pois ela não trabalha. Ainda que não dê para comparar a trajetória da presidente com a da vice-primeira-dama, acredito que o objetivo foi mostrar essa diferença de perfil entre as duas. Ainda que muitos partidos como PT, PSDB e PMDB --partido de Temer-- sejam alvo de diversas denúncias, não acho que um bom perfil de Marcela seja capaz de melhorar a imagem do marido. Não é só por que ele tem uma mulher bonita que conseguirá se livrar de alguma acusação. Pelo contrário, acho que estar casado com uma mulher tão mais nova pode até respingar algo negativo na imagem dele.”