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Medicina antroposófica pode ser aliada à convencional e beneficiar grávidas e bebês

A antroposofia defende que a febre precisa ser monitorada, não deve ser baixada a qualquer custo - Thinkstock
A antroposofia defende que a febre precisa ser monitorada, não deve ser baixada a qualquer custo Imagem: Thinkstock

Ivonete Lucirio

Do UOL, em São Paulo

23/04/2012 07h00

O nascimento de um filho faz a maioria dos pais repensarem seu estilo de vida: o motoqueiro troca as duas rodas por um carro quatro portas, mais seguro; o viciado em "junk food" passa a colocar orgânicos no carrinho do supermercado; os baladeiros curtem os momentos em casa. Essa tendência abrange os cuidados com a saúde e não é incomum que pai e mãe busquem alternativas à medicina convencional. Essa escolha pode acontecer ainda na gestação e, muitas vezes, recai sobre a medicina antroposófica.

Segundo especialistas, os benefícios começam enquanto o bebê ainda está na barriga. "Um dos grandes dilemas da obstetrícia é fazer ou não a prescrição de medicamentos durante a gestação, pois existe o risco de má formação do feto",  explica a ginecologista Mary Nakamura, do Núcleo de Medicina Antroposófica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Na medicina antroposófica, não há esse risco por que os recursos farmacêuticos raramente tem contraindicação para as gestantes. "Usamos também formas naturais de tratamento como escalda-pés e técnicas de respiração", explica ela.

As vantagens diretas para os bebês também são várias, de acordo com o pediatra Ricardo Ghelman, membro fundador do Núcleo de Medicina e Práticas Integrativas da Universidade Federal de São Paulo. "É possível, por exemplo, reduzir o uso de antibióticos em antiinflamatórios. E também melhorar o sono com medicamentos que não causam dependência", explica o pediatra. Há ainda o emprego de terapias que não envolvem medicamentos, como compressas e banhos, que agem sobre a febre, dor de ouvido, falta de apetite. "Levamos em conta não apenas o sucesso imediato do tratamento, mas, também, a escolha da melhor opção para o desenvolvimento de um adulto saudável”, afirma o pediatra Antonio Carlos de Souza Aranha, da Clínica Tobias, em São Paulo.

A temida febre

Não há pai de criança pequena que não passe por um susto quando a temperatura do bebê sobe. O primeiro impulso é fazê-la baixar rapidamente, mas essa nem sempre é a alternativa mais indicada. "Febre não é doença, mas um mecanismo de defesa do sistema imunológico", diz o pediatra Antônio Carlos de Souza Aranha.

A temperatura aumenta a eficiência do organismo no combate a vírus e bactérias. Por isso, não deve ser baixada a qualquer custo. As pesquisas mais recentes mostram que as convulsões não são causadas por temperaturas corporais muito altas, acima de 39 graus, conforme se pensava. Mas pela variação muito rápida da temperatura corporal.

Por isso, na medicina antroposófica, o cuidado é baixar a febre somente quando ela causar mal-estar, e fazer isso aos poucos. “Normalmente, indicamos medicamentos que tem o objetivo de reduzir a temperatura lentamente”, conta o pediatra Ricardo Ghelman.

Compressas mornas com limão podem ser feitas nos pés e panturrilhas para aquecer o local –que costuma ficar gelado– e aumentar o conforto. "Caso a febre se eleve acima de 38,5, indicamos medicamentos convencionais”, diz Ghelman. Porém, em caso de febre, é importante falar com o pediatra. 


A antroposofia
A medicina antroposófica faz parte de um conjunto de conhecimentos maior, a antroposofia, criada pelo austríaco Rudolf Steiner no início do século 1920, que envolve não apenas os cuidados com a saúde, mas, também, com a educação, a alimentação e o modo de viver de forma geral (leia mais sobre ele no quadro abaixo).

Mas a pessoa não precisa seguir todo o estilo de vida antroposófico para se beneficiar desse tipo de medicina, afirma diz Ghelman. Quem segue todos os preceitos da antroposofia, por exemplo, coloca o filho para estudar em uma escola que segue a pedagogia Waldorf, reduz praticamente a zero o tempo que eles passam em frente da televisão e do computador, e evita ao máximo o consumo de alimentos industrializados, preparando tudo em casa. Certamente é um estilo de vida saudável, mas difícil de ser seguido com a correria de hoje.

Alopatia e antroposofia
A medicina antroposófica inclui todo o repertório farmacêutico alopático, ministrado sempre que o médico julgar necessário. "Mas, preferencialmente, empregamos remédios naturais de origem mineral, vegetal ou animal", diz Ricardo Ghelman. Engana-se quem pensa que a antroposofia é uma medicina marginal. Ela foi incluída à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde em 2006, por meio de uma portaria do Ministério da Saúde. Há 17 centros no Brasil em que médicos antroposóficos atendem pelo SUS e os medicamentos são reconhecidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Embora se valha de medicamentos diferentes, medicina alopática e antroposófica podem ser complementares. "Veja o caso de uma sinusite", exemplifica Ghelman. "O emprego concomitante de medicamentos antroposóficos pode encurtar o tempo de uso do antibiótico convencional".

As armas da medicina convencional são utilizadas sempre que necessário. É o caso das vacinas. "O que fazemos é orientar os pais quanto aos benefícios e riscos de cada uma separadamente para que possam ter mais consciência sobre a vacinação. Junto com a vacina, usamos medicamentos fitoterápicos ou dinamizados para estimular o sistema imunológico e evitar uma reação", explica Ghelman.

Características do paciente são levadas em consideração
O principal diferencial da medicina antroposófica é considerar que cada paciente precisa de um tratamento específico de acordo com seu metabolismo e personalidade. A febre, por exemplo, é diferente para cada um, e não deve ser tratada com um antitérmico, de acordo com a antroposofia.

"Não seguimos procedimentos generalistas, que não levam em conta o indivíduo e sua realidade e apenas obedecem a uma conduta de massa", explica o pediatra Antônio Carlos de Souza Aranha. Se essa for a opção para tratar do seu filho, é provável que o pediatra faça uma observação muito mais individualizada, levando em conta não apenas o físico, mas o temperamento e os estágios de desenvolvimento.

Rudolf Steiner, criador da antroposofia

Rudolf Steiner nasceu em Kraljevec, na Áustria, em 1861, e viveu seus primeiros anos em uma paisagem magnífica, o que pode ter contribuído para que passasse mais tempo entrando em contato com seu lado espiritual. Faz parte da antroposofia a pedagogia Waldorf, aplicada em escolas específicas. São cerca de 800 ao redor do mundo e pouco mais de 50 no Brasil. Essa pedagogia valoriza o contato com a natureza e a divisão de séries é bem diferente: a criança passa por ciclos de sete anos, os setênios. A alimentação é outro dos pilares da antroposofia, baseada na dieta biodinâmica, mais vegetariana que carnívora. Os vegetais são usados praticamente em sua totalidade, com enfoque para os cereais e tubérculos.