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Estudiosos discutem até que ponto games violentos afetam jovens

Como os videogames afetam o comportamento dos jovens é alvo de estudos desde 1980 - Jimmy Turrell/The New York Times
Como os videogames afetam o comportamento dos jovens é alvo de estudos desde 1980 Imagem: Jimmy Turrell/The New York Times

Benedict Carey

Do New York Times

19/02/2013 12h48

Os jovens que abriram fogo na escola de ensino médio Columbine, no cinema em Aurora, Colorado, e em outros massacres tinham algo em comum: eram jogadores de videogames que pareciam estar representando alguma forma sombria de fantasia digital. É como se toda essa exposição à violência informatizada os tenha motivado a atacar ou, pelo menos, alimentado seus impulsos.

Mas será que foi realmente isso que aconteceu?
 
Cientistas sociais têm estudado e debatido os efeitos da violência na mídia sobre o comportamento desde os anos 1950, dedicando especial atenção aos videogames desde 1980. A questão é especialmente relevante hoje, pois os videogames estão mais realistas e mais sangrentos do que nunca, e porque a maioria dos meninos americanos, em algum momento, adquire o hábito de jogá-los. As meninas costumam jogar menos e têm uma propensão significativamente menor a jogar videogames violentos.
 
Uma série de novas pesquisas começou a esclarecer o que pode e não pode ser dito a respeito dos efeitos dos videogames violentos. Jogá-los pode suscitar –e suscita de fato– impulsos hostis e comportamentos razoavelmente agressivos em curto prazo. Além disso, os jovens que adquirem o hábito de jogar videogame podem se tornar um pouco mais agressivos –em relação a colegas da mesma idade, por exemplo– em até um ano ou dois.
 
No entanto, não está claro se, por períodos mais longos, esse hábito aumenta a probabilidade de alguém cometer um crime violento, como homicídio, estupro ou assalto, muito menos um massacre como o de Newtown. Os pesquisadores concordam que esses ataques premeditados são muito raros para serem estudados.
 
"Não sei se algum dia um estudo psicológico poderá responder definitivamente a essa questão", disse Michael R. Ward, economista da Universidade do Texas, em Arlington. "Acabamos tendo de coletar o que podemos a partir dos dados e pesquisas de que dispomos sobre o videogame."
 
A pesquisa se divide em três categorias: experiências de laboratório de curto prazo; estudos de longo prazo, muitas vezes baseados em escolas; e estudos de correlação entre o tempo dedicado aos videogames e a agressividade, por exemplo, ou entre as vendas de videogames e as tendências de crimes violentos.
 
Experimentos em laboratório confirmam o que qualquer jogador de videogame sabe: jogar títulos como "Call of Duty," "Killzone 3" ou "Battlefield 3" esquenta os ânimos. Em estudo recente, Christopher Barlett, psicólogo da Universidade Estadual de Iowa, liderou uma equipe de pesquisa que solicitou que 47 estudantes de graduação jogassem "Mortal Kombat: Deadly Alliance" por 15 minutos. Em seguida, a equipe realizou diversas medições de impulsos físicos e psicológicos. A tarefa consistiu em obrigar colegas a comerem porções de pimenta, mesmo que as "vítimas" dissessem que não gostavam do tempero. O estudo mostrou que quem jogou "Mortal Kombat" conseguiu forçar os outros a tomarem porções maiores de pimenta do que os colegas que jogaram videogames não violentos.
 
Muitos estudos semelhantes chegaram à mesma conclusão: uma dose de videogames violentos faz as pessoas agirem de maneira um pouco mais rude do que agiriam de outra forma, pelo menos por alguns minutos depois de jogarem.
 
É muito mais difícil determinar se a exposição cumulativa incita um comportamento de hostilidade no mundo real em longo prazo. Alguns estudos realizados em escolas identificaram que, ao longo do tempo, os guerreiros digitais passam a brigar cada vez mais com os colegas –no pátio da escola, por exemplo. Em um relatório publicado no último semestre, psicólogos da Universidade de Brock, em Ontário, descobriram que estudantes de ensino médio que jogam videogames violentos durante longos períodos tendem a se envolver em um número ligeiramente maior de incidentes do tipo com o passar do tempo.
 
  • Mark Kegans/The New York Times

    Craig Anderson, diretor do Centro de Estudo da Violência na Universidade de Estado de Iowa

"Nenhum desses atos extremos, como um tiroteio em uma escola, ocorre devido a um único fator de risco; existem muitos fatores, inclusive se sentir socialmente isolado, intimidado e assim por diante", disse Craig A. Anderson, psicólogo da Universidade de Iowa. "Mas creio que, ao considerarmos a literatura  já publicada sobre o assunto, fica claro que as mídias violentas são um dos fatores envolvidos. Não é o mais importante deles, mas também não é o menos importante."
 
A maioria dos investigadores que estudam o fenômeno concorda com Anderson, mas não todos. Alguns estudos realizados em escolas ou outros lugares chegaram à conclusão de que as crianças agressivas são as mais propensas a serem atraídas por videogames violentos; elas acabam entrando em mais conflitos na escola por conta própria. E alguns estudos não têm como controlar fatores externos, como a situação familiar ou problemas de humor.
 
"As pesquisas sobre esse assunto não foram muito bem feitas até hoje", disse Christopher J. Ferguson, professor adjunto de psicologia e justiça penal na Universidade Internacional A&M do Texas e crítico da área de estudos. "Olho para as pesquisas e não consigo dizer o que significam", disse ele, cujos estudos não identificaram ligação entre os videogames e a violência. Nem Ferguson nem outros entrevistados para este artigo recebem dinheiro da indústria de videogames.
 
Muitos psicólogos afirmam que os videogames violentos acabam por "socializar" as crianças ao longo do tempo, levando-as a imitar o comportamento dos personagens, o machismo caricatural, o pavio curto, a brutalidade e a indiferença. As crianças também imitam pessoas de carne e osso, é claro –pais, amigos, professores, irmãos– e uma pergunta que os pesquisadores ainda não responderam é quando exatamente um hábito se torna desgastante a ponto de sua influência superar os efeitos de socialização de outras figuras importantes na vida de uma criança.
 
Em outras palavras, o que constitui um mau hábito? Segundo enquetes, cerca de 80% dos meninos com idade para frequentar o ensino médio dizem jogar videogames, a maioria dos quais se acredita serem violentos. Aproximadamente um terço desses jogadores tem o hábito de jogar, pelo menos, durante dez horas por semana.
 
Não foi observada coincidência entre a proliferação dos videogames violentos e picos de crimes violentos cometidos por jovens. O número de adolescentes infratores violentos caiu em mais da metade entre 1994 e 2010, para 224 a cada 100 mil habitantes, de acordo com estatísticas do governo, enquanto que as vendas de videogames mais do que duplicaram desde 1996.
 
Em um documento agora disponível na internet, Ward e dois colegas relatam que examinaram dados semanais de vendas de videogames violentos em uma ampla gama de comunidades. Os índices de violência são sazonais, geralmente maiores no verão do que no inverno, assim como as vendas de videogames, que disparam durante os feriados. Os pesquisadores consideraram essas tendências e as taxas de criminalidade analisadas no mês seguinte ao pico de vendas, em comunidades com altas concentrações de jovens, como cidades universitárias.
 
"Descobrimos que as taxas mais elevadas de vendas de videogames violentos estavam relacionadas a uma diminuição de crimes, e de crimes especialmente violentos", disse Ward, que assina o trabalho com A. Scott Cunningham, da Universidade de Baylor, e Benjamin Engelstaetter, do Centro de Pesquisa Econômica Europeia de Mannheim, Alemanha.
 
Ninguém sabe ao certo o que esses resultados significam. Pode ser que jogar videogame por horas todos os dias mantenha as pessoas longe das ruas, o que poderia evitar que se envolvam em confusões. Pode ser ainda que os jogos proporcionem "uma válvula de escape" que satisfaça o ímpeto violento de alguns jogadores –uma teoria que muitos psicólogos refutam, mas com a qual vários jogadores concordam. Pode ser ainda que as duas tendências sejam totalmente independentes uma da outra.
 
"No mínimo, os pais devem estar cientes do que há nos games que os filhos jogam", disse Anderson. "E pensar nisso a partir do ponto de vista da socialização: que tipo de valores, habilidades comportamentais e padrões sociais seu filho está aprendendo?"