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Cuidar dos dentes é recomendado em qualquer período da gravidez

A gengivite afeta de 60 a 75% das grávidas - Thinkstock
A gengivite afeta de 60 a 75% das grávidas Imagem: Thinkstock

Catherine Saint Louis

New York Times

11/05/2013 08h15

Sofrendo de dor por causa de dentes infeccionados, Luatany Caseres, 34 anos, então operária em Durham, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, estava desesperada para ver um dentista.

Na clínica dentária de emergência, a recepcionista lhe disse que a agenda estava lotada. Quando voltou pela segunda vez, ainda com muita dor, a mulher anunciou que não seria possível o atendimento. Na terceira visita, a bochecha estava tão inchada que parecia haver um pirulito dentro. Mesmo assim, ela teria de esperar.

Por quê? "Por causa da minha gravidez", falou Luatany. Ela estava no segundo trimestre de gestação e, segundo a recepcionista, a futura mamãe teria de levar um atestado do médico ao consultório para conseguir ser atendida.

Por fim, Luatany encontrou George Soung, quartanista de odontologia com formação em um novo programa pré-natal na Universidade de Carolina do Norte, no campus de Chapel Hill. Então, dois pré-molares haviam quebrado até a altura das gengivas, expondo os nervos. A dor era tão aguda que ela estava acamada, tomando soníferos e analgésicos.

Soung extraiu os dois dentes inflamados de uma só vez, pois uma infecção avançada poderia se espalhar pela mandíbula ou mesmo pelo corpo. "Não se tratava de algo surgido há uma semana. Ninguém queria tratá-la."

Segundo afirmam especialistas, muitas grávidas como Luatany não recebem cuidados odontológicos a tempo. Existem muitos motivos. Alguns profissionais relutam em atender grávidas, em parte por conta do pensamento ultrapassado. Obstetras e ginecologistas nem sempre verificam problemas orais nem as encaminham a dentistas. E muitas mulheres não procuram atendimento oral ou erroneamente o consideram perigoso, embora a gravidez em si possa levar à inflamação da gengiva.

O problema entre dentistas tem décadas de idade. Muitos "aprenderam na faculdade de odontologia que não se pode tratar uma grávida", disse a médica Renee Samelson, professora de obstetrícia e ginecologia no Albany Medical Center, que foi editora das primeiras diretrizes sobre saúde oral na gravidez, publicadas pelo Departamento de Saúde do Estado de Nova York. Segundo ela, os dentistas simplesmente optaram pela cautela. "Não havia indícios de danos."

Hoje em dia, embora o tratamento dentário durante a gravidez seja considerado benéfico, dentistas ainda hesitam em atender grávidas por temerem processos judiciais e prejuízos ao feto ou seu conhecimento do tratamento apropriado está defasado em relação às evidências atuais. Em pesquisa de 2009, feita com 351 obstetras e ginecologistas dos Estados Unidos inteiro, 77% afirmaram que suas pacientes "rejeitaram serviços dentários por causa da gravidez".

"Muitos dentistas ainda têm medo de atender grávidas e pensar nas consequências de uma radiografia, receitar antibióticos ou aplicar anestesia local", disse o médico Howard Minkoff, diretor de obstetrícia e ginecologia do Maimonides Medical Center, no Brooklyn. "Nenhum desses motivos é legítimo para não dar tratamento adequado às mulheres."

Desde 2006, algumas organizações estaduais e associações odontológicas publicaram diretrizes de atendimento afirmando que o tratamento dentário é eficiente e seguro em qualquer estágio da gravidez, incluindo diagnóstico por radiografia, restaurações e tratamento de canal.

Obstetras e ginecologistas devem verificar casos de sangramento nas gengivas e infecção oral e encaminhar a paciente a um dentista caso sua última consulta tenha ocorrido há mais de seis meses, segundo o primeiro consenso nacional a respeito de tratamento dentário durante a gravidez, publicado em setembro pelo Centro Nacional de Recursos de Saúde Oral Maternal e Infantil, da Universidade de Georgetown.

O documento aconselha os dentistas a fornecer atendimento emergencial em qualquer período da gravidez. Obstetras e ginecologistas podem ser consultados, se necessário, caso uma grávida seja diabética, hipertensa ou haja necessidade de recorrer à anestesia geral.

A dentista Sally Cram, periodontista de Washington e porta-voz da Associação Odontológica Americana, disse conhecer profissionais que oferecem tratamento completo. "Nos últimos dez ou 15 anos, muitos dentistas promoveram a importância de as grávidas realizarem limpezas regulares."

Postergar o tratamento oral pode ter consequências sérias. A gengivite (inflamação na gengiva) afeta de 60% a 75% das grávidas e, sem acompanhamento, pode se transformar em doença periodontal. Sem tratamento, a doença periodontal pode levar à perda de dentes. E uma mãe com cáries ativas pode espalhar as bactérias causadoras do problema ao filho por meio da saliva, perpetuando a saúde oral ruim.

Além disso, grávidas com dor de dente podem se automedicar de forma errada. Em carta enviada em março de 2001 ao Departamento de Saúde do Estado de Nova York, um médico descreveu uma paciente que não conseguiu tratamento de emergência para o dente inflamado no norte do estado. Ela tomou doses tão grandes de Tylenol (analgésico) que desenvolveu insuficiência hepática aguda e o feto morreu. O fato levou às novas diretrizes estaduais.

Mesmo assim, alguns obstetras e ginecologistas não abordam a saúde oral durante consultas de grávidas, uma omissão que irrita alguns dentistas. "Se você leva o cachorro ao veterinário, a primeira coisa que fazem é olhar a boca", afirmou a dentista Nancy Newhouse, periodontista de Independence, Missouri, e presidente da Academia Americana de Periodontia.

Muitas grávidas simplesmente não buscam tratamento dentário, talvez em função de medo inapropriado ou desleixo. Alguns estados oferecem benefícios odontológicos para grávidas de baixa renda, por exemplo, mas a taxa de utilização é baixa. Somente 28% das mulheres qualificadas procuraram e receberam esse serviço em Oklahoma. Em Nova York, 41% das grávidas de baixa renda se consultaram com dentistas em 2010, contra 30% em 2006.

“Um problema tão cheio de fatores como esse exige um esforço coordenado entre obstetras, ginecologistas, dentistas e futuras mamães”, afirmou Stefanie Russell, dentista e epidemiologista da Universidade de Nova York. Porém, no caso de mulheres com gestações de baixo risco, "as coisas vão mudar quando as mulheres perceberem que o tratamento dentário é um direito durante a gravidez".