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Chip permite monitorar jovem, mas atrapalha relação de confiança

Não basta apenas monitorar o jovem, é preciso formar cidadãos autônomos - Thinkstock
Não basta apenas monitorar o jovem, é preciso formar cidadãos autônomos Imagem: Thinkstock

Louise Vernier e Rita Trevisan

Do UOL, em São Paulo

22/05/2013 08h25

Não é incomum ver nos meios de comunicação notícias sobre violência, acidentes trágicos e atividades ilícitas envolvendo crianças e adolescentes. Preocupados com a segurança e o bem-estar dos filhos, alguns pais recorrem a tecnologias avançadas para acompanhar à distancia os passos dos menores. Lançam mão de rastreadores, celulares com GPS e aparelhos similares, que são bastante eficientes para informar, em tempo real, por onde andam os jovens.

Segundo José Lúcio Balbi de Mello, diretor de tecnologia da Ledcorp, empresa de mobilidade e inteligência competitiva, a tecnologia utilizada nesses dispositivos é chamada de RFID (Radio-Frequency Identification), ou identificação por radiofrequência, e é a mais procurada pelos pais com o objetivo de monitorar os filhos.

“Criados para rastrear equipamentos de alto valor agregado, esses dispositivos têm o tamanho de uma pílula e podem ser instalados em objetos de uso pessoal, como tênis, cintos e celulares”, diz o especialista.

Outra alternativa é um acessório do tamanho de um controle remoto utilizado em portões automáticos e que possui sistema RFID, GPS e um chip de telefone celular. O aparelho multifuncional transmite, de tempos em tempos, a localização da pessoa que está sendo acompanhada, carregando esses dados para o portal da empresa de rastreamento que o comercializou.

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Os pais podem acessar o site pelo computador ou pelo celular e acompanhar os passos do filho e até ligar e ouvir o som do ambiente em que ele se encontra. “O equipamento também pode ser configurado para atender às ligações automaticamente, sem que a criança ou o adolescente a rejeitem”, afirma Mello.

Segundo ele, o aparelho funciona com uma bateria interna, que pode ser facilmente recarregada por meio do cabo USB do computador. “Se a criança ou adolescente for monitorado a cada 15 minutos, a bateria do aparelho vai durar, em média, uma semana”, fala Mello.

Para os preocupados de plantão, outro diferencial é a presença do botão “pânico”, que, uma vez pressionado pelo portador do aparelho, liga automaticamente para os números de telefone dos responsáveis e envia torpedos para cinco números cadastrados no sistema.

Alternativas

No entanto, o uso desse tipo de tecnologia não é bem visto por todos. Para a psicóloga Elizabeth Monteiro, membro da Febrap (Federação Brasileira de Psicodrama), o uso de chips localizadores nos filhos pode ser uma estratégia para terceirizar a responsabilidade de educá-los.

“Cabe aos pais orientar os filhos sobre os perigos e as consequências de se expor a riscos. Não basta apenas monitorar, é preciso efetivamente formar bons cidadãos, autônomos e conscientes”, declara Elizabeth.

Para a psicóloga, sentimentos como superproteção e medo excessivos, falta de confiança ou autoridade, busca por conforto, comodidade e tranquilidade podem estar por trás do uso desses dispositivos. Porém, nem sempre o justificam.

Outra especialista em jovens, a psiquiatra Ivete Gattás, coordenadora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz acreditar que o recurso seja válido apenas em casos extremos, quando o filho corre sério risco de morte, está envolvido com a criminalidade, com o uso abusivo de drogas ou então é portador de uma doença muito grave.

“Se os pais estão tentando rastrear o filho por uma preocupação legítima, para protegê-lo, a medida é aceitável. Porém, se a intenção é meramente vigiar o jovem, o uso de chips é provavelmente um recurso exagerado e desnecessário.”

Para acompanhar os passos dos filhos e mantê-los o mais distante possível dos perigos cotidianos, há outras alternativas.

“Procurar ser mais presente, conhecer as pessoas com quem o jovem convive, respeitar o espaço dele, fazer combinados e não ter medo de dizer ‘não’ quando preciso são passos fundamentais para se estabelecer uma relação saudável de confiança com o filho”, afirma Elizabeth, da Febrap.

Além disso, quando o vínculo afetivo-emocional entre pais e filhos é bom, fica mais fácil negociar o uso do recurso em ocasiões bem específicas, se isso realmente for representar mais segurança e tranquilidade para o jovem e para a família.

A utilização compulsória do equipamento pode causar sérios impactos psicológicos nos menores, muitas vezes irreversíveis. “É grande o risco de a criança ou adolescente se perceber uma propriedade dos pais, não compreender como sua vida é frágil e não sentir necessidade de criar responsabilidade de cuidar de si mesmo e de seus atos. Assim, ele perde o poder de discernimento entre o que é bom ou ruim para a própria vida”, afirma a psicóloga Elizabeth Brandão, professora da PUC de São Paulo.

É legal?

Durante a infância e a adolescência é dever dos pais cuidar e garantir o bem-estar dos filhos e adotar os recursos necessários para conduzir a criação e a educação dos menores. Ainda assim, esse poder tem alguns limites, já que a criança ou o adolescente não pertence à família, como um objeto qualquer, está apenas sob os cuidados dela por determinação legal.

Segundo Ricardo de Moraes Cabezón, professor de direito infantojuvenil da Esa (Escola Superior de Advocacia) de São Paulo, os pais podem implantar dispositivos localizadores nos objetos pessoais dos filhos, porém, sobretudo na adolescência, o ideal é que a situação seja comunicada e consentida.

Até mesmo para que, independentemente da questão legal, não haja conflitos familiares mais sérios. “Se o adolescente for obrigado a usar, a atitude pode, sim, ter implicações legais para os pais, se o filho for exigir os seus direitos perante a lei”, diz Cabezón.