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Não se culpe por sentir saudade da sua vida sem filhos

Ficar cansada do recém-nascido algumas vezes não significa que você não será boa mãe - Getty Images
Ficar cansada do recém-nascido algumas vezes não significa que você não será boa mãe Imagem: Getty Images

Maria Laura Albuquerque

Do UOL, em São Paulo

30/01/2014 07h15

Você está em casa com o bebê nos braços e ele é o centro das atenções. Também está encantada com a novidade, curiosa com a nova vida que terá pela frente. Mas, dias depois, o encantamento começa a desaparecer e dá lugar ao cansaço, resultado de dormir pouco e mal ter tempo para tarefas básicas, como comer e tomar banho.

Muitas mães têm pensamentos como "não aguento mais essa criança chorando o tempo todo, não sei o que ela quer e preciso descansar!" ou "que tristeza essa vida de mãe, só troco fraldas e amamento!".

Algumas mulheres se sentem tristes ou irritadas, embora não admitam isso nem para si mesmas. Sentem culpa e vergonha: como podem ter coragem de reclamar de uma criança, completamente indefesa e por quem esperaram por tanto tempo? Parentes que vão visitá-la não economizam palavras para dizer o quanto elas são sortudas, e que ser mãe é uma das melhores coisas do mundo.

O primeiro passo para lidar com a situação é entender que não há mal nenhum em ficar cansada do recém-nascido algumas vezes. Afinal, é desgastante cuidar de alguém tão intensamente e que só sabe se comunicar chorando.

Isso não quer dizer que você não será uma boa mãe, não gosta do seu filho, tem depressão pós-parto ou sofre de “baby blues” (um estado leve de depressão, que pode ou não evoluir para depressão pós-parto). Se a vontade de sumir por um tempo é passageira, não se arrasta por dias nem faz com que você negligencie a criança, é normal.

"A situação merece atenção médica quando não passa, é acompanhada por muitas crises de choro, pensamentos negativos constantes e falta de apetite", afirma Joel Rennó Junior, diretor do ProMulher (Programa de Saúde Mental da Mulher) do IPQ (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Momento de reflexão 

"A relação mãe e filho tem grande intensidade orgânica e psíquica e é construída aos poucos. Porém, ao mesmo tempo, o bebê precisa de muitos cuidados desde que nasce. Ele não espera. É realmente desgastante para a mulher", diz Anna Mehoudar, psicanalista, autora do livro “Da Gravidez aos Cuidados com o Bebê” (Editora Summus) e coordenadora do Gamp 21 (Grupo de Apoio à Maternidade e Paternidade), em São Paulo.

Além disso, Anna explica que os filhos (e não só os recém-nascidos) deixam os pais incomodados, preocupados, irritados, cansados, contrariados, não só felizes e realizados.

De acordo com Lucas Bondezan Alvares, psicólogo da Santa Casa de Misericórdia de Penapólis, interior de São Paulo, professor da Funepe (Fundação Educacional de Penápolis) e autor do artigo “O Papel do Obstetra e do Psicólogo na Depressão Pós-Parto”, a sociedade e as próprias mulheres que são mães costumam olhar para esse quadro com desconfiança: existe uma crença muito forte que relaciona a maternidade somente a coisas boas.

“A sociedade contemporânea não tolera tristeza, logo medica a pessoa, a impede de lidar com o sentimento", diz Anna. "É a ditadura da felicidade", fala Rennó Junior.

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  • Arte/UOL

Para Alvares, é preciso entender que ter um bebê em casa é uma mudança e tanto, a começar pelo novo papel que a mulher passa a ter, o de mãe. "Até então, ela era filha, mulher de alguém, profissional... Ser mãe é uma novidade, algo a ser aprendido". É necessário refletir e dar tempo a si mesma.

Outra questão que explica bem o turbilhão de emoções desse período tem a ver com os hormônios. Eles sofrem mudanças bruscas na época da gestação e continuam com alterações por um bom tempo depois do parto, inclusive por conta da amamentação. É difícil se manter bem-humorada o dia todo.

"Quando o parto se aproxima, no intervalo de uma semana, a mulher encara diversos papéis: de gestante passa a ser parturiente (quem está em trabalho de parto), depois puérpera (quem deu à luz recentemente) e nutriz (que amamenta)", declara a psicanalista Anna. 

Colaboração da família

Para lidar com essa fase, conversar pode ser de grande valia. Pense em uma amiga em quem você confia, no pediatra de seu filho, no ginecologista, no parceiro. "Desabafar faz bem e, às vezes, relembrar situações complicadas rende boas risadas", diz Anna.
 
A próxima etapa é deixar de lado o papel de mulher maravilha, aquela que dá conta de tudo. Aceite e peça a colaboração da sua mãe, dos sogros, dos cunhados, dos primos e delegue tarefas. Já o papel do pai é outro: dividir as tarefas, não somente ajudar.

Pode até ser possível fazer tudo sozinha, mas não é saudável. Isso só dá mais espaço para a estafa e pode evoluir para um quadro de cuidados excessivos para com a criança: mesmo exausta e irritada, a mulher entra em um círculo vicioso, cuida do bebê sem parar, temendo lidar com os próprios sentimentos e com o julgamento negativo dos outros.

"Quanto mais sobrecarregada a mulher estiver, mais irritada e cansada ficará e menos tempo terá para curtir o lado bom da maternidade", fala Rennó Junior.