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Mãe que acoberta erros, como Selma de "Em Família", cria filho sem limites

Os personagens Selma (Ana Beatriz Nogueira) e Laerte (Gabriel Braga Nunes), de "Em Família" - Divulgação/TV Globo
Os personagens Selma (Ana Beatriz Nogueira) e Laerte (Gabriel Braga Nunes), de "Em Família" Imagem: Divulgação/TV Globo

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

27/02/2014 07h05

Desde o início da novela "Em Família" (Globo), Selma (Ana Beatriz Nogueira) costuma deixar claro para todo mundo que idolatra Laerte (Gabriel Braga Nunes). Sempre projetou uma carreira musical brilhante para o filho e nunca engoliu o romance adolescente do rapaz com a prima Helena (Julia Lemmertz), a quem atribui a culpa por todas as desgraças que aconteceram na vida dele.

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Convicta de que Laerte foi levado pelas circunstâncias a agir contra Virgílio (Humberto Martins), Selma chegou a romper relações com a irmã, Chica (Natália do Valle). Em seu amor extremado, ela não consegue perceber que, se tivesse agido de modo menos permissivo no passado -e não se dedicasse tanto a fazer vista grossa ao temperamento agressivo e controlador do rebento-, a trajetória da família não teria sido tão trágica.

Na vida real, segundo especialistas em comportamento, mães como Selma nem sempre são superprotetoras, já que aquelas que protegem os filhos em demasia costumam tomar para si a responsabilidade por suas faltas. O caso exemplificado pela personagem é mais problemático, porque se trata de uma pessoa mal resolvida e extremamente perfeccionista -um tipo de mãe mais pernicioso do que se imagina.

De acordo com a psicóloga clínica Triana Portal, existe a tendência natural de defender o filho ele estando certo ou não. A questão é que essas mães costumam enxergar os filhos como uma extensão de si mesmas. Assim, inconscientemente, há um medo de admitir o próprio erro. "Carregadas de culpa, acham que se não fizerem um bom trabalho na educação dos filhos ficarão em dívida com eles para sempre", diz a especialista.

Muitas mães querem se realizar por meio dos filhos e não poupam esforços para mostrar ao mundo como eles são lindos, inteligentes e perfeitos, chegando a compará-los com outras crianças, próximas ou não, e justificando que são melhores.

Algumas atribuem eventuais problemas, brigas ou confusões ao temperamento do filho: ele não fez por mal, ele não sabia, ele é tímido, ele é inocente etc. Outras optam por colocar a culpa em terceiros: se a criança tira nota baixa, é porque o professor não soube explicar a matéria. Inventam mil explicações, sempre com o objetivo de livrar a barra do filho.

"Uma mãe perfeccionista quer um filho perfeito. Se ele for perfeito, como ela, não erra. Essas atitudes revelam o quanto é difícil admitir os erros nela mesma. Afinal, o filho saiu dela, é continuidade dessa mãe. Se ele erra, consequentemente, ela se sente errada como mãe, é uma falha dela", diz a psicóloga Rejane Sbrissa.

Na opinião de Triana Portal, as justificativas também têm a ver com a personalidade das mães: narcisistas, inflexíveis, pouco dadas à reflexão, egoístas... É comum que projetem no mundo sua carga negativa, já que várias não conseguem nem querem aprender a lidar com o próprio caos interior.

"É um mecanismo quase psicótico: a pessoa bloqueia e quando coloca a culpa no exterior sente uma enorme satisfação, um alívio. Assim continua a alimentar a ilusão de ser bacana, justa, correta, uma mulher sem motivos para críticas. Essas mães produzem uma imagem idealizada, criada para mentirem para si mesmas e para os outros", fala Triana.

Consequências nocivas

Os resultados desastrosos desse comportamento materno acompanham a criança ao longo da vida, transformando-a em um adulto arrogante, egoísta, com dificuldade de compreender limites e desenvolver relações interpessoais.

A mãe que arruma desculpas pelo filho, argumentando que ele não sabe o que faz, não o corrige nem ensina regras de boa convivência em sociedade. Já o filho daquela que costuma culpar terceiros acaba aprendendo que alguém sempre poderá pagar por seus erros. Então passa a ter atitudes cada vez mais abusivas, pois sabe que, dificilmente, vai arcar com as consequências.

De modo geral, a criança que é criada por uma mãe permissiva e perfeccionista se acostuma a ser o centro das atenções e a ter tudo o quer, mesmo que para isso seja preciso passar por cima de outras pessoas.
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Na vida adulta, pode apresentar problemas de socialização e não conseguir estabelecer relacionamentos afetivos nem construir uma carreira de forma estável. Quando o chefe, por exemplo, questiona sobre determinado trabalho ou cooperação em equipe, é comum a pessoa ficar furiosa e abandonar o cargo (ou ser demitida).

O pior pode acontecer nos momentos em que as frustrações são inevitáveis, pois quem chega à vida adulta sem ter de enfrentá-las tem menos preparo para lidar com elas. O sofrimento até então evitado pode surgir com carga total.

Engana-se quem atribui esse modo de agir mimado aos filhos únicos. Para a psicóloga Cynthia Wood, é possível achar crianças que fazem tudo o que querem e/ou que não têm limites até em famílias numerosas. "Tem a ver mais com o estilo de criação e com o tipo de regras e limites que os pais impõem", fala.

"Apesar de ser mais protegido, o filho único também é mais cobrado. Seus erros são amplificados, não há o irmão para comparação, todos os sonhos e expectativas dos pais estão projetados nele", diz Triana.

Papel paterno

E assim como ocorre na trama de Manoel Carlos, muitos pais são omissos -e quando a mãe "toma conta do pedaço", tendem a se acomodar mais ainda. Itamar (Nelson Baskerville), pai de Laerte, simplesmente, deixou Selma comandar a criação do filho e desistiu de fazê-la enxergar a realidade.

  • Laerte (Guilherme Leicam) e Selma (Camila Raffanti) na segunda fase da novela

Mulheres autoritárias como Selma entendem críticas ou mesmo opiniões contrárias do marido como uma agressão. E se a crítica é destinada ao comportamento do filho, elas tomam o comentário para si.

"Elas colocam a figura paterna na situação de omissão", afirma Rejane. Em algumas famílias, há pais que tentam se impor diante de uma mãe autoritária, mas a situação, em muitos casos, acaba culminando na separação do casal. Ou em disputas de poder -e, na maior parte das vezes, o filho acaba pendendo para o lado que lhe convém ou que se posiciona a seu favor. O ideal é, desde o nascimento da criança, conciliar valores, métodos de educação e autoridade.

Para quem se identifica com a postura nociva de Selma e deseja mudá-la, não tem jeito: a saída é mesmo tentar resolver os próprios conflitos internos. "A mãe que tem confiança em si mesma consegue impor limites", conta Triana. E, claro, permitir que o filho amadureça, parando de justificar suas falhas.

"É importante aceitar os defeitos e erros do filho e ajudá-lo a melhorar. Use a situação-crise como exercício de aprendizagem. A mãe que não age assim acaba criando uma pessoa tirana, mimada, fraca. Fazer um filho pagar pelo seu erro é edificante, cria bases sólidas para o futuro, ensina para a vida, por mais que isso machuque o coração da mãe", fala Rejane Sbrissa.

Lembre-se: quem ama educa, mas há mães que só se dão conta de que seu modo de amar é nocivo quando os filhos se tornam adultos infelizes, sendo que alguns acabam extrapolando leis e envolvidos com problemas bem graves.