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Filha adolescente pode se tornar rival da mãe; saiba lidar

Para minimizar conflitos, a mãe deve entender que é saudável a filha querer ser autônoma - Getty Images
Para minimizar conflitos, a mãe deve entender que é saudável a filha querer ser autônoma Imagem: Getty Images

Rita Trevisan e Suzel Tunes

Do UOL, em São Paulo

13/11/2014 07h15

A adolescência pode ser um divisor na relação entre mãe e filha. É nessa fase que a garota, que até então tinha na mãe o seu modelo, torna-se contestadora. Os desentendimentos podem se tornar rotina. A adulta se ressente de não ser mais ouvida; a filha sente-se criticada o tempo todo. E uma mal disfarçada tensão –que, muitas vezes, explode em aberta hostilidade– pode se prolongar por anos.

É claro que um quadro como esse não ocorre, obrigatoriamente, em todas as famílias, mas é bastante comum. “O conflito está presente em todas as relações humanas”, diz Elizabeth Brandão, professora da Faculdade de Psicologia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

Entre pais e filhos, conforme explica a psicóloga, a relação de dependência é um complicador –um é pequeno e frágil; o outro, grande e forte. E toda relação desigual, por definição, tende a ser conflituosa.

“Os filhos, um a um, vão representando aspirações, desejos e expectativas de seus pais. Muitas vezes, os adultos têm a intenção –consciente ou inconsciente– de resolver, por meio dos filhos, questões pendentes com seus próprios pais ou com seu passado”, afirma a psicóloga e psicanalista Sheila Skitnevsky Finger, cofundadora do Instituto Mãe Pessoa, organização que oferece atendimento psicoterápico e oficinas para mulheres. No caso de mães e filhas, essa expectativa pode ser ainda maior, pela identificação que existe entre as duas.

Identidades e fronteiras

É fundamental considerar, no entanto, que esses desentendimentos podem cumprir uma valiosa função: a de ajudar as filhas a se desprenderem dos laços maternos. “Esse processo é necessário, a filha precisa descobrir sua individualidade”, afirma a psicóloga Marina Ribeiro, professora do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo, autora do livro “De Mãe em Filha: a Transmissão da Feminilidade” (Editora Escuta). 

A especialista explica que o estabelecimento de “fronteiras psíquicas” entre pais e filhos, pelo reconhecimento de diferenças, é saudável para todos, mas é uma meta nem sempre fácil de ser alcançada.

“Pais com dificuldades emocionais sérias tendem a dispor dos filhos como extensões deles mesmos, para o melhor e para o pior. Para exemplificar, são pais que, diante do sucesso do filho, comentam: ‘esse é meu filho’. E diante do fracasso ou das dificuldades: ‘nem parece ser meu filho’.”

A resolução desse conflito passa pelo fim da idealização, de ambas as partes. A filha não é uma extensão da mãe nem tampouco aquela bonequinha com a qual ela brincava de casinha na infância. É uma pessoa com ideias e vontades próprias. A mãe, por sua vez, não é um ser infalível.

“Se nunca teremos a filha ideal ou a mãe ideal, teremos a filha ou a mãe real, possível. As expectativas nunca se cumprem, o outro é o outro”, afirma a psicopedagoga Georgia Vassimon, professora do Instituto Sedes Sapientiae.

Rainhas, madrastas e princesas

Outro componente pode tornar essa relação ainda mais delicada: a existência de sentimentos de ciúme e inveja entre mulheres vivendo diferentes fases da vida. Uma menina que se torna mulher e uma mulher que envelhece podem se tornar rivais no espaço doméstico. 

Essa disputa é retratada de forma bastante clara, ainda que simbólica, pelo papel da madrasta dos contos de fadas. Tomando como exemplo a história de Branca de Neve, a madrasta é a rainha-mãe vista, anos depois, pela filha que cresceu. A menina que idealiza a mãe na primeira infância –aquela rainha que tomava por modelo– agora a enxerga como uma madrasta invejosa. Já a mulher que assume os papéis de madrasta (e bruxa) sente-se inferiorizada ao olhar para o espelho. E quem é esse espelho? A própria filha.

“Quando a menina se torna uma jovem mulher, bonita e inteligente, ela se transforma no espelho que diz à mãe que ela já não é a mulher mais bela do mundo”, afirma Marina, professora do Instituto Sedes Sapientiae.

Modelos humanos

Negar ou abafar a existência desses sentimentos não resolve o problema. “O ideal seria, de fato, que a mãe conseguisse enxergar, aceitar e admirar as mudanças e conquistas da filha. Mas ela também é uma pessoa que tem sentimentos, às vezes contraditórios, às vezes indesejados”, diz a psicanalista Sheila Finger.

O primeiro passo para superar a delicada questão é, portanto, reconhecê-la. É o que também diz a psicóloga Elizabeth. “Externar sentimentos como raiva, inveja e ciúme é meio caminho andado para superá-los. Quando surgir um sentimento negativo, tente encontrar a origem. Conversar com uma amiga ou mesmo com um terapeuta também ajuda”.

A psicopedagoga Georgia adverte que o conflito pode durar muito tempo ou mesmo a vida toda, se as pessoas envolvidas não fizerem a lição de casa –geralmente árdua– de buscar o autoconhecimento e a aceitação das diferenças entre os membros da família. Essa é uma tarefa de todos, mas, quando a relação envolve adolescentes e crianças, são os pais que devem apresentar maior maturidade do que seus filhos.

Segundo a psicanalista Sheila, as mães podem contribuir de diversas maneiras para minimizar os conflitos com suas filhas. “É preciso aceitar e reconhecer que faz parte do crescimento e do amadurecimento da garota essa busca por independência e autonomia. Também é necessário desvencilhar-se de suas próprias questões mal resolvidas e expectativas idealizadas para tentar ver e admirar a filha como ela é. E, na medida do possível, tente colocar-se à disposição para ajudar e acolher, principalmente nos momentos de dificuldades.”

E tudo isso sem perder de vista os próprios limites. Afinal, se nessa história existem rainhas e princesas, não há lugar para super-heróis. “As mães podem servir de modelo como pessoa que falha, mas que não desiste nem se desespera, que busca ajuda quando a situação está muito difícil. Elas devem ser exemplos de pessoas que se aceitam com seus talentos e habilidades, mas também com suas inseguranças e limitações”, declara Sheila.