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Em vez de acalmar pais, excesso de ultrassons gera análises erradas

Fazer a ultrassonografia sem motivo dificulta a interpretação do exame - Getty Images
Fazer a ultrassonografia sem motivo dificulta a interpretação do exame Imagem: Getty Images

Fernanda Carpegiani

Do UOL, em São Paulo

29/11/2014 07h15

É quase impossível não se emocionar ao ver o rostinho do seu filho pela primeira vez no exame de ultrassom. Ouvir aquele pequeno e potente coração batendo bem rápido, no ritmo acelerado em que o bebê se desenvolve, também é uma fonte de tranquilidade e alívio para pais ansiosos, que precisam saber se está tudo correndo como o esperado. O problema é quando o exame extrapola o diagnóstico e passa a alimentar uma ansiedade exagerada, com excesso de exames desnecessários apenas "para ver o bebê" e tirar uma foto de lembrança.

O excesso de ultrassonografias pode aumentar a ansiedade dos pais e gerar um clima de estresse desnecessário. "Qualquer exame feito sem indicação médica tem potencial de causar mais malefício do que benefício. Na ultrassonografia, medimos de dez a 15 estruturas diferentes, então, fazê-la sem motivo dificulta a interpretação dos resultados", diz Javier Miguelez, ginecologista especialista em medicina fetal do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim, em São Paulo.

Se a paciente repete o exame em um intervalo muito curto de tempo, por exemplo, pode haver confusão com as medidas. "A estimativa de peso tem uma margem de erro de 15%, e, em uma semana, o bebê cresce de 5% a 6%. Então, o exame seguinte pode mostrar um peso menor, sugerindo que o bebê encolheu, quando isso pode não ser verdade."

É normal ficar preocupado e querer saber se o filho está se desenvolvendo bem, mas a melhor maneira de lidar com essa expectativa é ter uma relação de confiança com o médico que está acompanhando a gravidez. "Há a necessidade de buscar informação para entender os sintomas, porque cada gestante sente de uma forma. E as dúvidas não devem ser encaradas como bobas, mas sim perguntadas para o médico", fala Sylvia Van Enck, psicóloga do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, também na capital paulista.

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A ultrassonografia também é uma forma de estabelecer os primeiros vínculos com o bebê, e por isso os especialistas têm o cuidado de unir o lado técnico ao humano. "No momento do exame, sem expor demais a paciente às ondas, reservamos 30 segundos para fazer uma foto de recordação. Mostramos a mão do bebê abrindo e fechando, o coração. Isso aumenta o envolvimento entre mãe e bebê e não precisa ser feito fora do contexto diagnóstico", afirma Javier Miguelez.

Disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) desde 2010, o exame é feito de rotina cerca de quatro vezes durante o pré-natal. O primeiro, por volta da oitava semana, confirma a data da gravidez e o número de fetos. Com 12 semanas, é feita a ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre, para avaliar a anatomia do bebê e rastrear cromossomopatias. Na 22ª semana, o exame se repete para uma avaliação detalhada da anatomia. Já por volta da 32ª, realiza-se a ultrassonografia obstétrica para ver crescimento, liquido amniótico e aspecto da placenta. Em uma gravidez de risco, é recomendado aumentar o número de exames para aumentar as chances de o bebê nascer bem. "Em alguns casos de insuficiência placentária, por exemplo, é preciso fazer ultrassons todos os dias", explica Javier Miguelez.

Estudo

No passado, já se questionou se se submeter a mais ultrassonografias do que o recomendado oferece riscos para a saúde do bebê. Nos anos 1990, a OMS (Organização Mundial da Saúde) chegou a fazer uma declaração com ressalvas ao uso rotineiro do exame.

Em 2006, Pasko Rakic, um grande especialista da área de neurobiologia da Universidade Yale, nos Estados Unidos, publicou um estudo feito em ratos mostrando que a exposição longa a altos níveis de ultrassom afetou o desenvolvimento cerebral dos animais. Mas, no texto de divulgação da pesquisa, o próprio cientista afirma que a ultrassonografia pode e deve ser usada no pré-natal, e que os resultados alertam apenas para o perigo de fazer o exame sem indicação médica.

Diferentemente do exame de raios X, a ultrassonografia não emite radiação, apenas ondas sonoras em frequência alta (daí o nome ultrassom). Essas ondas entram em contato com diferentes estruturas do corpo e são captadas novamente, produzindo as imagens que vemos.

"Não há evidências científicas que relacionem alterações fetais ao exame. Existe um cuidado especial em relação a variações de temperatura em caso de exposição prolongada em um foco específico, e por isso os aparelhos atuais já têm configurações que previnem essas situações", afirma Paulo Nowak, médico voluntário de medicina fetal da Unifesp e membro da Comissão Especializada em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).