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Recusa em ir para a escola pode ser mais do que manha

A chamada recusa escolar ocorre mais comumente entre os cinco e os sete anos - Getty Images
A chamada recusa escolar ocorre mais comumente entre os cinco e os sete anos Imagem: Getty Images

Rita Trevisan e Suzel Tunes

Do UOL, em São Paulo

04/12/2014 07h25

Chega a hora de ir para a escola e a criança que, cinco minutos antes, brincava alegremente no meio da sala, começa a se queixar de dor de cabeça, de barriga, enjoo. As mais novas abrem o berreiro na hora da entrada. Pode não ser manha nem preguiça. A relutância em ir à escola pode ser causada por distúrbios psicológicos ou relacionados à dinâmica familiar e ao sistema escolar.

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Esse comportamento, que os especialistas chamam de “recusa escolar”, pode ocorrer em qualquer idade, mas costuma ser mais comum entre cinco e sete anos. “É quando muitas crianças entram na escola ou fazem uma grande transição entre a pré-escola (educação infantil) e o ensino fundamental. Na verdade, há três picos de incidência nas grandes transições: entre pré-escola e primeiro ciclo do ensino fundamental (em torno dos seis anos); entre o primeiro e o segundo ciclo do ensino fundamental (por volta dos 11) e entre o fundamental e o ensino médio (em torno dos 15)”, afirma Arthur Kummer, professor de psiquiatria infantil da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

O psiquiatra explica que, nessas fases, ocorrem rupturas importantes na vida da criança, como mudança de escola, do círculo de amizades ou mesmo da dinâmica de estudo. E todas as situações novas podem causar insegurança, em geral, passageira.

Ansiedade de separação

Os mais novos também podem apresentar problemas na hora de ir para a creche ou para a escolinha. Nesse caso, o mais comum é que a separação da mãe gere uma ansiedade na criança, quadro diferente do que caracteriza a recusa escolar.

O pediatra e psiquiatra Brunno Araújo Nóbrega, professor do curso de especialização em saúde mental da infância e da adolescência na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que a ansiedade de separação é uma fase normal do desenvolvimento infantil, que ocorre, geralmente, entre os seis meses de vida e o período pré-escolar (entre dois e cinco anos).

“A criança fica ansiosa quando é separada de seus pais ou de pessoas importantes para ela, com as quais está acostumada a conviver”, fala Nóbrega. Essa ansiedade pode se manifestar não apenas na porta da escola, mas em qualquer outra situação social em que ela precise se afastar das pessoas que lhe passam segurança.

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O quadro é relativamente comum em crianças pequenas e, em geral, não está relacionado a nenhuma doença. “Se a ansiedade for excessiva em relação ao grau de desenvolvimento da criança, com recusa escolar associada, aí pode-se pensar na existência de uma condição chamada transtorno da ansiedade de separação, que precisa de tratamento”, diz o especialista.

Transtornos psiquiátricos

Seja qual for a idade, se o problema demora a ser superado ou traz prejuízos à qualidade de vida da criança, o ideal é investir em uma investigação interdisciplinar, que pode envolver profissionais como psiquiatra, psicólogo, assistente social, pedagogo e pediatra.

Além do transtorno de ansiedade de separação, existem outros transtornos psiquiátricos que podem estar na origem da recusa escolar. “Esse comportamento pode ser sinal de transtorno de pânico, transtorno depressivo ou ainda da presença de algum elemento ambiental causador de estresse, como a prática de bullying”, afirma o psiquiatra Arthur Kummer.

A presença de desconfortos físicos costuma estar associada aos transtornos ansiosos e depressivos. “A criança pode apresentar sintomas de ansiedade no momento ou na véspera da ida à escola. São comuns queixas de dores de estômago, dores de cabeça e mal-estar associados ao quadro”, diz a psicóloga Priscila Tenenbaum, mestre em psicologia social pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e especialista em saúde mental na infância e adolescência pela Santa Casa de Misericórdia da capital fluminense.

Uma das abordagens mais empregadas no tratamento desses transtornos é a Terapia Cognitivo Comportamental. “O objetivo dessa abordagem é ajudar a criança a falar sobre o medo que sente, possibilitando a identificação dos pensamentos que a deixam paralisada e ajudando-a a lidar com as próprias emoções”, afirma Priscila.

Carência da criança e insegurança da mãe

Às vezes, também é preciso uma certa dose de perspicácia para entender de forma correta os sinais apresentados pela criança. “A criança sabe que, se disser que está com dor ou chorar na porta da escola, receberá maior atenção”, diz a psicóloga Maria Regina Domingues de Azevedo, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC.

Segundo a psicóloga, o ciúme pelo nascimento de um irmão, a morte de um parente querido, a separação dos pais ou mesmo uma experiência frustrante vivida no ambiente escolar (a perda de um jogo, uma briga com um  amigo ou uma bronca recebida da professora) são situações que podem estar na origem desse comportamento. Nesse caso, em geral, a criança não apresenta nenhum transtorno psiquiátrico, mas nem por isso dispensa atenção.

A superproteção familiar também é um dos fatores que pode tornar a criança medrosa e insegura em relação à escola. “Muitas vezes, a mãe está sorrindo, mas o filho sente que ela está angustiada e tensa”, diz Maria Regina.

Por isso, a psicóloga afirma que o período de adaptação escolar pode ser até mais importante para os pais. Durante essa fase, os adultos acompanham a criança à escola por algumas horas e, gradativamente, vão se afastando. “É importante que os pais se despeçam sempre dizendo que voltarão ao final da aula. E, depois, precisam realmente voltar na hora certa, sem atrasos. Detalhes como esse fazem toda a diferença.”

Veja, a seguir, sete dicas para ajudar a criança que não quer ir à escola:

1 - Não brigue. Procure, antes de tudo, identificar a causa do comportamento;

2 - Não a pressione para falar. Converse com calma, fazendo perguntas a respeito do ambiente escolar, para descobrir possíveis conflitos existentes com colegas ou professores;

3 - Se a criança se queixar de um colega ou professor, vá à escola para ver o que está ocorrendo, mas não faça prejulgamentos. Converse primeiro com a coordenação e busque a parceria da instituição para lidar com o problema;

4 - Planeje rotinas tranquilas e descontraídas antes da ida à escola;

5 – Ao deixar a criança na escola, não alongue a despedida mais do que o necessário;

6 - Se a criança apresentar sintomas físicos, leve-a ao pediatra para uma avaliação clínica. Se necessário, o médico poderá encaminhá-la a um profissional de saúde mental;

7 - Não protele a solução do problema, permitindo que a criança falte continuamente às aulas. Quanto maior o alívio que ela sentir ao ficar em casa, mais ela buscará essa alternativa. Concentre suas energias em identificar o problema e adotar o tratamento mais adequado.