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Perguntas sobre namoro afastam e incomodam os adolescentes

Lucas Vandarte Magarotto não gosta de falar com os pais sobre relacionamentos - Arquivo pessoal
Lucas Vandarte Magarotto não gosta de falar com os pais sobre relacionamentos Imagem: Arquivo pessoal

Marina Oliveira e Amanda Sandoval

Do UOL, em São Paulo

24/06/2015 09h39

 

“E o namoradinho?”. Pode não parecer, mas essa simples pergunta constrange, distancia e faz com que os adolescentes se sintam pressionados a estarem em um relacionamento amoroso, mesmo que esse momento ainda não tenha chegado na vida deles. “Fazer uma pergunta íntima para o filho, sem ter construído uma relação de intimidade prévia, vai servir unicamente para que ele se sinta incomodado com a abordagem”, afirma o psicólogo Fábio Caló, analista de comportamento pela Universidade de Brasília. “É uma forma infeliz de tentar construir uma relação de intimidade com o adolescente”, diz.

Prova disso é a estudante Kely Ferreira dos Santos, 13, que conta ter "vontade de sumir" todas as vezes que os avós e outros familiares lançam questionamentos sobre a existência de um relacionamento sério com alguém. “Eles fazem isso com frequência, e eu fico muito irritada, porque me sinto pressionada. Só eu sei o momento certo de me envolver, que é quando gostar realmente de uma pessoa”, fala a garota.

Para a psicóloga e escritora Elizabeth Monteiro, autora do livro “Criando Adolescentes em Tempos Difíceis” (Editora Summus), a postura invasiva reforça uma exigência social, a de que toda pessoa precisa de uma relação amorosa para se sentir bem. “Existe uma cobrança para que alguns adolescentes comecem a namorar e, em alguns casos, até para que comecem a transar. E cabe aos pais brecar isso, para que o filho saiba que crescer não implica em se envolver com alguém. Os adultos não podem acelerar esse processo”, afirma.

Mesmo sem ter a intenção de invadir a privacidade ou de acelerar o envolvimento amoroso, foi isso o que os familiares de Kely a levaram a fazer. “No ano passado, eles estavam me pressionando tanto, que eu acabei arranjando um namorado. Mas aí começaram novas cobranças, porque ele era mais velho do que eu. No fim, terminamos, e a pressão que sofri contribuiu muito para isso”, conta.

Meninos também sofrem

O estudante Luis Otavio Stonnes Sonnen, 12, afirma que cansou de ouvir os pais perguntarem sobre suas relações amorosas. “Chega a me irritar, é chata demais essa pressão. Quero namorar quando me sentir preparado. E não estou preparado agora”, diz. “Toda vez que escuto esse tipo de papo, saio de perto e os deixo falando sozinhos. Eles não entendem que não são eles que decidem o melhor momento para eu namorar.”

Os especialistas afirmam que a curiosidade dos adultos sobre a vida sentimental dos meninos está, muitas vezes, relacionada à intenção de descobrir, o mais cedo possível, a orientação sexual do filho. “Existe uma preocupação implícita com o fato de o menino ser ou não gay. Os pais costumam jogar indiretas, na tentativa de fazer o filho negar algo de que suspeitem”, fala Fábio Caló. “Só que o adolescente percebe que há preconceito e, se for homossexual, provavelmente não vai se abrir”, diz o psicólogo.

O estudante Lucas Vandarte Magarotto, 13, conta que é questionado o tempo todo sobre sua vida amorosa. As questões geralmente partem da irmã mais velha e do pai e não são nada discretas. Só que, com ele, o inquérito tem efeito contrário ao esperado: quanto mais eles perguntam, menos o jovem fala sobre o assunto. “Quando escuto essas perguntas, dou um jeito de sair de perto. Cansei de pedir a eles que parem, porque acho muito chato falar sobre isso. É desnecessário”, diz.

Interesse sem invasão

Para os especialistas, o ideal é que o adolescente fale sobre a vida amorosa de forma espontânea. Para que isso aconteça, os pais precisam ter construído uma relação anterior de intimidade com o jovem, que venha desde a infância, de preferência. Os adultos devem demonstrar um interesse genuíno por tudo o que o filho faz e pelo universo dele, o que não inclui apenas as paixões, mas também as amizades, os ídolos e os gostos musicais, por exemplo. “O pai ou a mãe tem de acompanhar o comportamento e as preferências do filho, que mudam com o tempo. É esse tipo de atitude que torna a relação mais próxima”, diz Sylvia Flores, psicóloga formada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Uma dica para um bom diálogo, segundo Caló, é começar com uma autorrevelação. “O adulto precisa compartilhar algumas coisas com o adolescente, para que ele pense ‘se o meu pai confia em mim, também posso confiar nele’. Vale falar sobre questões de trabalho ou histórias da juventude”, diz o psicólogo. Ele afirma que também é imprescindível não julgar. Afinal, jovens tendem a perceber rapidamente o tom crítico dos adultos e acabam se fechando, por receio da desaprovação.