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Mãe passa por peregrinação para ter diagnóstico da filha de três anos

Jessica levou Manuella a vários médicos até a artrite idiopática juvenil ser diagnosticada - Arquivo pessoal
Jessica levou Manuella a vários médicos até a artrite idiopática juvenil ser diagnosticada Imagem: Arquivo pessoal

Thamires Andrade

Do UOL, em São Paulo

30/06/2015 07h30

 

Assim que Manuella Bueno Plate, 3 anos, começou a andar, quando tinha um ano e dois meses, a mãe dela, Jessica Pacheco Bueno, 23, percebeu que alguma coisa estava errada. "Ela não conseguia engatinhar muito bem e, quando começou a caminhar, mancava. Um dia, levantou e não conseguia mexer a perna", conta. Em seis meses, a mulher, que mora em Alvorada (RS), precisou ir diversas vezes ao hospital e passou por mais de cinco especialistas para descobrir que a filha tem artrite idiopática juvenil, uma doença rara, que acomete uma a cada 10 mil crianças menores de 16 anos.

“Todos os médicos faziam radiografia, ecografia e não aparecia nada. Ela ficava cada vez pior, mancava e parecia não ter mais domínio sobre a perna. Até que um dia, quando a levei ao pronto-socorro, um pediatra a deixou internada para exames mais específicos, e um reumatologista identificou os sintomas da doença", diz.

Jessica nem imaginava que a filha poderia ter uma doença reumática. Ela pensava que os sintomas estavam relacionados a um pequeno acidente doméstico, pois a filha tinha batido o joelho enquanto andava. Por isso, levou a menina a um hospital especializado em traumas. "Como achei que era só uma batida, não fiquei preocupada, mas, quando vi que o joelho não desinchava, paguei até consultas em médicos particulares para tentar descobrir o que ela tinha", fala.

Cláudia Goldenstein Schainberg, reumatologista pediátrica do Hospital Sírio Libanês e professora colaboradora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), afirma que é comum os pais confundirem os sintomas da doença com contusões decorrentes de algum acidente que o filho tenha sofrido. "Muitas vezes, eles chegam ao consultório e descrevem que a criança estava jogando bola e se machucou. O futebol é só uma coincidência, pois a dor, na verdade, é causada pela articulação inflamada. O problema é que isso acaba atrasando o diagnóstico da doença e, quanto mais tempo demorar para iniciar o tratamento, mais dificuldades a criança pode ter", explica.

A especialista diz que a artrite idiopática juvenil é caracterizada não só pela dor, mas também pela inflamação das articulações do corpo por mais de seis semanas. O diagnóstico é clínico e não pode ser feito por meio de exames. "O pediatra deve realizar o que chamamos de diagnóstico de exclusão, em que o profissional elimina a possibilidade de qualquer outra doença --principalmente infecções, traumas e tumores", fala Maria Teresa Terreri, coordenadora da comissão de reumatologia pediátrica da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia) e professora adjunta do Departamento de Pediatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Segundo Maria Teresa, a demora no diagnóstico pode comprometer as funções da criança ou do adolescente. "Às vezes, por causa da dor, ela para de se movimentar normalmente, o que faz com que o músculo fique fraco e a articulação endureça. Isso pode levar a uma deformidade, como a alteração no comprimento de um membro, por exemplo", afirma. 

Quando, finalmente, conseguiu descobrir o que a filha tinha, Jessica ficou assustada ao pesquisar sobre a artrite idiopática juvenil na internet. "Não conhecia a doença, e ver as fotos das pessoas que ficaram com sequelas me traumatizou. Fiquei muito mal e com medo de que, pela demora na descoberta do diagnóstico, a Manuella ficasse com a perna torta", fala.

Para não correr o risco de o filho ter anomalias permanentes, os pais devem ficar atentos aos sintomas mais comuns da doença, que são articulações com volume aumentado, dores, rigidez matinal e febre. "Os seis primeiros meses são os mais importantes, pois é o momento em que o médico identifica o subtipo da doença e define o tratamento mais adequado que deve ser seguido para melhorar a qualidade de vida da criança", afirma Cláudia.

A artrite idiopática juvenil tem três subtipos mais comuns: a oligoarticular, quando inflama de uma a quatro articulações diferentes, a poliarticular, quando mais de quatro articulações são acometidas, e a sistêmica, que além da inflamação na articulação, também provoca febre alta e problemas no coração e no pulmão.

Tratamento inclui remédios e fisioterapia

Ainda que a doença não tenha cura, os tratamentos disponíveis, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL Gravidez e Filhos, são suficientes para manter os pacientes sem dores e inflamações.

Manuella iniciou o tratamento com anti-inflamatórios para depois começar a tomar corticoides. Segundo a reumatologista pediátrica do Hospital Sírio Libanês , o primeiro é um paliativo, já que não trata diretamente o problema, mas minimiza os sintomas.

Para tratar a doença, as drogas mais comumente prescritas são corticoides, imunossupressores (que bloqueiam a resposta do sistema imunológico) e medicamentos biológicos (produzidos a partir de organismos vivos), que atacam as moléculas da inflamação. "São produtos eficientes, mas que causam efeitos adversos, como problemas no estômago, baixa imunidade, gripes e infecções, por isso, o acompanhamento médico periódico é essencial", afirma Cláudia.

Jessica conta que a filha sofreu alguns efeitos colaterais decorrentes do uso dos corticoides: "Ela perdeu muito cabelo, ficava agressiva e vomitava muito, mas o medicamento fez o efeito esperado e estabilizou as dores."

De acordo com a coordenadora da comissão de reumatologia pediátrica da SBR, a fisioterapia é tão importante quanto o tratamento com remédios. "O fisioterapeuta não vai deixar o músculo enfraquecer, e a criança ou o adolescente vai manter os movimentos. O que não pode é parar de ativar a articulação", afirma. Outras atividades físicas, como andar de bicicleta e nadar, também são indicadas. "Geralmente, as mães querem suspender as atividades da criança, mas não é necessário, pois ela mesma se limita. Quando começa a sentir dor, ela logo para de fazer o exercício", diz Cláudia.

Manuella não ficou com nenhuma sequela e, atualmente, pratica capoeira e balé na escola. "Ela segue uma vida normal: vai para escola, faz atividade física e é muito inteligente. Graças a Deus, a doença está controlada", fala Jessica.

Além do tratamento terapêutico recomendado, as crianças diagnosticadas com artrite idiopática juvenil também precisam fazer acompanhamento com oftalmologista a cada seis meses, para descartar a possibilidade de uveíte --inflamação na úvea (camada intermediária do bulbo ocular), que pode ser causada por doenças reumáticas. "Cerca de 20% dos pacientes desenvolvem essa reação. Como não são todas as crianças que ficam com os olhos vermelhos (um indicador do problema), é importante fazer um acompanhamento periódico, pois a inflamação pode causar cegueira", afirma Claudio Len, reumatologista pediátrico do Hospital Israelita Albert Einsten e diretor da ONG Acredite (Amigos da Criança com Reumatismo).