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Papai é uma fera: ciúme paterno pode afastar filhas adolescentes

A cantora Vitória Filiú tem de driblar o ciúme do pai, Renato Nunes de Souza - Arquivo pessoal
A cantora Vitória Filiú tem de driblar o ciúme do pai, Renato Nunes de Souza Imagem: Arquivo pessoal

Rita Trevisan e Suzel Tunes

Do UOL, em São Paulo

16/07/2015 07h15

Aceitar o amadurecimento das filhas é difícil para alguns pais, que sentem ciúme das meninas que criaram com tanto cuidado e amor. A situação se agrava quando as adolescentes começam a pensar em namoro e, além de enfrentarem as dúvidas e inseguranças típicas da idade, ainda precisam driblar pais ciumentos e exageradamente preocupados. Mas implicar com os namorados e proibir o uso de roupas mais ousadas, por exemplo, não garante a segurança das filhas e pode afastá-las.

Foi o que quase aconteceu com Vitória Filiú, 18 anos, que mora em Campo Grande (MS). As primeiras paqueras começaram quando tinha 13 anos, e o pai dela, o representante comercial Renato Nunes de Souza, 54, apesar de tentar agir com naturalidade, deixava transparecer o ciúme. “Até hoje ele quer acompanhar tudo que eu faço, vê se as roupas do show não estão muito curtas, se não tem decote grande”, diz a jovem, que está iniciando carreira como cantora.

Ela conta que excesso de zelo do pai já resultou em situações constrangedoras. “No meu primeiro show, o acesso ao palco era feito por uma passagem lateral, mas meu pai simplesmente fechou essa entrada, porque não queria que ninguém se aproximasse de mim. Houve um problema com o som, e o técnico não conseguia subir porque meu pai não dava passagem! Na hora, fiquei muito brava”, diz. Renato justifica sua atitude: “Nos shows, os homens ficam em cima, por isso eu cuido mesmo!”

O pai de Hellen Laressa, 20, que mora em Goiânia (GO), foi além. Uma vez, telefonou para casa, e a menina, achando que fosse o namorado, atendeu a ligação toda amorosa. Foi o suficiente para o comerciante João Divino da Silva Martins, 39, sair correndo do trabalho para tirar satisfações com a filha. 

Hoje, ela consegue lidar melhor com o ciúme paterno, mas teme pela irmã mais nova, Heloysa, 14. A menina não pode nem tocar no assunto namoro, que João perde a paciência. “Ele diz que eu devo namorar só após a faculdade, ainda me trata como o bebê da família”, fala. Ela conta que a primeira oportunidade de romance ainda não apareceu, mas que, pela experiência da irmã, sabe que terá problemas. “Sou ciumento para caramba”, afirma João.

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É natural os pais sentirem ciúme ao perceberem que sua menininha cresceu. “Ele era o primeiro e único homem da vida da filha até então”, fala a psicóloga Mônica Guttmann, professora do Instituto Palas Athenas, de São Paulo. “Agora, ele precisará trabalhar o desapego”, diz.

Esse desprendimento é necessário porque o desenvolvimento das adolescentes pede autonomia. “As confidências, agora, ficam para as amigas. Se ela só revela seus segredos para os pais, esse comportamento demonstra que não está amadurecendo como deveria”, afirma a psicóloga Vera Blondina Zimmermann, do Centro de Referência da Infância e Adolescência da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Autonomia e segurança

Para Vera, o problema é que, muitas vezes, os primeiros voos da adolescente deixam os pais sem chão, pois eles percebem que estão envelhecendo e que, logo, logo, os filhos estarão buscando os próprios caminhos na vida. Cercear a liberdade é uma tentativa desesperada de impedir a filha de crescer.

“É necessário saber segurar a angústia relacionada com o medo de que a filha possa se meter em alguma encrenca. Ainda vivemos em uma sociedade que tem dificuldade de lidar com a sexualidade, especialmente a das mulheres; enquanto o menino que fica com várias garotas é ‘pegador’, a menina que faz o mesmo é taxada com adjetivos que a diminuem e discriminam”, fala o psicólogo Ricardo Portolano, professor do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. 

Sem críticas

As jovens precisam sentir que os pais estão presentes, dando-lhes limites e segurança, mas sem invadir. “Sempre é bom observar se a adolescente continua a ter amigos, se não está envolvida com drogas ou tem outros comportamentos de risco, se está conseguindo lidar normalmente com a produção escolar. Se algum desses pontos despertar a atenção, os pais devem interferir e ajudar”, diz a psicóloga Vera Zimmermann.

Como encontrar o equilíbrio entre a proteção e a invasão? O principal indicador é a reação da adolescente: se ela cruzar os braços ou desviar os olhos, por exemplo, estará fechando as portas para o diálogo, afirma Fábio Augusto Caló, psicólogo do Inpa (Instituto de Psicologia Aplicada), de Brasília. “Se a filha souber que não está fazendo nada de errado, que está apenas iniciando experiências próprias da idade, como a maioria das colegas, ela não entenderá a reação paterna negativa”, explica. O risco é ocorrer um afastamento, que pode ser irreversível.

Diante de um namorado ou paquera que não agrade aos pais, o melhor é ter paciência e dar tempo ao tempo. “À medida em que a adolescente se relaciona com o garoto, podem aparecer as eventuais diferenças entre eles, o que a desencantará naturalmente. Mas, se o pai se colocar contra, apenas ajudará a filha a idealizar o namorado”, diz o psicólogo. 

Na relação entre pai e filha, a abertura para o diálogo nasce da convivência diária. Segundo Fábio Caló, uma dica é compartilhar atividades, para que a conversa --não apenas sobre sexualidade-- flua naturalmente. “Um fator primordial é a ‘audiência não punitiva’. Se a adolescente ouve frequentemente opiniões negativas em relação aos amigos, não se sentirá à vontade para se abrir a respeito de um namorado”, diz o psicólogo.