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Casal se inspira na própria história e faz documentário sobre perda de bebê

Thamires Andrade

Do UOL, em São Paulo

02/12/2015 07h15

No final de 2014, grávida de 40 semanas, Rafaella Biasi descobriu, na última consulta de pré-natal, que o filho, Miguel, não estava mais vivo. Para encontrar uma maneira de dar um significado à dor e homenagear o garoto, ela e o marido, Fabrício Gimenes, realizaram o documentário "O Segundo Sol", que mostra o relato de cinco famílias que vivenciaram a perda gestacional (o bebê morre antes de nascer) e neonatal (o bebê morre após o parto), além de profissionais da área da saúde. O filme estará disponível no site do projeto a partir de segunda-feira (7).

Para Rafaella, o documentário coloca luz em um tema que ainda é tabu. "As pessoas não falam a respeito disso. Não acolhem a mãe enlutada. Tem vezes que a mulher chega em casa e o quarto que seria do bebê já está arrumado, como se aquela vida não tivesse existido. O que ninguém entende é que a vida não é mais a mesma", afirma a designer de moda.

A despeito do apoio familiar, Rafaella encontrou na internet as maiores aliadas no seu luto: as outras mães que passaram pela mesma situação. "Estava tendo acompanhamento psicológico semanalmente e podia me abrir com meu marido e minha família, mas comecei a buscar respostas do que tinha acontecido com meu filho e encontrei mães que haviam passado pela mesma perda. A gente trocava mensagens sobre como estávamos nos sentindo e rolava uma identificação. Ficamos amigas e, ainda hoje, comemoramos nossas pequenas vitórias", afirma.

Foi quando começou a conversar com outras mães que a designer de moda percebeu que o bom atendimento que recebeu no hospital, ao descobrir a morte, do filho é uma exceção. "Logo que descobrimos, recebemos apoio psicológico e tivemos uma equipe médica nos orientando a tomar as melhores decisões", fala.

Como estava em pré-trabalho de parto, Rafaella recebeu a recomendação de parir naturalmente. "Eles falaram que faria bem para mim e para o meu processo de luto, poder pegar meu filho no colo. Essa despedida é crucial para a mãe, pois é aí que começa a elaboração da perda. Como você consegue superar algo que não teve conhecimento, não viu, não pegou? É muito mais difícil", afirma.

A designer de moda conta, no entanto, que recebeu diversos relatos sobre a falta de tato dos hospitais e profissionais de saúde na hora de lidar com uma mãe que teve perda gestacional. "Soube de casos que o marido não pode acompanhar a curetagem (procedimento para limpar o útero de restos de um aborto incompleto). O hospital coloca essas gestantes ao lado de outras mães em trabalho de parto e que vão poder sair com seus filhos nos braços. É uma inabilidade do sistema não colocar essa mulher em um local separado, fora desse contexto. Não entendo qual a dificuldade de separar os pacientes, tirar o berço do lado da cama dela. A mãe está em choque e precisa de alguém para pegar na sua mão e ajudá-la", diz.

Para Rafaella, o X da questão do documentário não é ficar lamentando as histórias, mas mostrar o ponto de virada de cada uma das famílias entrevistadas. "O cerne é entender de onde veio a reviravolta, quando esse casal conseguiu abrir a janela de casa e ver que ainda tinha vida lá fora. Acredito que a grande dor de todas nós é não ter voz, com quem falar e contar essa história. Por essa necessidade de falar, veio o filme."

"A gente se sentiu muito acolhido ao falar com as famílias, era um processo de empatia mútua e, toda vez que saíamos de uma entrevista, era um sentimento muito bom", conta a designer de moda. Eles demoraram um ano para finalizar o material, pois fizeram algumas pausas para descansar o tema e voltarem mais fortalecidos para as entrevistas.

Além das famílias, o casal também entrevistou a doula Bel Cristina, a psicóloga Renata Duailibi, a médica e psicoterapeuta Ana Lana e o obstetra Renato Janone. "O relato deles mostra o lado dos profissionais de saúde que atuam nessa rede de perda gestacional e neonatal. Nossa vontade é que esse material não alcance só as famílias, mas também os profissionais que vão lidar com essas pessoas. Esse foi um dos motivos que nos levou a disponibilizar o material on-line e gratuitamente."