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Cesárea não é sinônimo de violência obstétrica; mães contam experiências

Cristina Afonso posa com o marido, Marcelo, e o filho Gabriel na maternidade - Arquivo pessoal
Cristina Afonso posa com o marido, Marcelo, e o filho Gabriel na maternidade Imagem: Arquivo pessoal

Andrezza Czech

Colaboração para o UOL

04/12/2015 07h05

 

A gerente comercial Cristina Afonso, 38, francesa que vive há 15 anos no Brasil, queria que a primeira filha, Amanda, hoje com quatro anos, nascesse de parto normal, mas o médico insistiu na cesárea e ela acabou concordando com o procedimento. “Foi algo frio, como uma cirurgia qualquer. Logo após o parto, levaram minha filha e só fui vê-la horas depois.” Por isso, ela decidiu que, na segunda gravidez, teria parto normal. O problema é que, depois de 15 horas desde o momento da primeira contração, sua dilatação parou e ela teve de partir para a cesárea. Mas, dessa vez, tudo foi diferente. “A equipe conversava comigo, avisava o que estava fazendo, o Gabriel ficou mais de uma hora no meu colo logo após o parto. Foi uma experiência fantástica.”

Assim como aconteceu no primeiro parto de Cristina, muitas mães acabam vivenciando o nascimento dos filhos na frieza de uma sala de cirurgia. Não é raro, entretanto, que essa a essa frieza se some uma pura falta de respeito. Por isso, muitas campanhas têm sido realizadas sobre a violência que acontece contra a mãe e o bebê durante a cesárea.

“Cumpre ao obstetra atenuar os desconfortos e dores da mãe e poupar a criança do terror ao chegar no nosso mundo. Esse é o papel do profissional que entende o ritual do nascimento e a cerimônia de acolhida do bebê”, afirma o ginecologista e obstetra Claudio Basbaum, do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim, de São Paulo, e responsável por introduzir no Brasil, em 1974, a filosofia e a metodologia de parto humanizado idealizada pelo médico francês Frédérick Leboyer.

A publicitária Vanessa Delpy, 33 anos, passou por duas cesáreas e sabe muito bem a diferença entre o procedimento “comum” e o com mais respeito à mãe e ao bebê. Na primeira, no nascimento do filho Eduardo, hoje com três anos, ela mal pôde ficar com o menino no colo após o nascimento. Em menos de 15 minutos, o bebê foi levado embora da sala de parto e ela só foi vê-lo novamente três horas depois.

No segundo, quando Joaquim, hoje com seis meses, nasceu, o tratamento foi outro. “Ele foi colocado no meu colo ainda sujinho. Depois, tomou banho ao meu lado. Podia tocar nele enquanto a enfermeira o limpava e logo ele mamou", conta. Vanessa também afirma que a equipe foi muito mais atenciosa com ela, explicando tudo o que estava acontecendo durante o procedimento.

O ideal é que toda cesárea seja realizada dessa forma: com médicos atenciosos, um acompanhante ao lado, luz baixa, trilha sonora escolhida pela mãe e --o principal-- tendo o bebê no colo para ser amamentado antes da primeira hora de vida.

“A equipe médica não pode falar de jogo de futebol, do final de semana. É preciso ter respeito por esse momento da mulher. Não é um ato médico operatório, é a acolhida de uma criatura em nosso mundo”, diz Basbaum.

Segundo ele, depois que o bebê é retirado do útero, o médico deve avaliar se respiração, tônus muscular e batimentos cardíacos estão adequados e esperar que o cordão umbilical pare de pulsar antes de cortá-lo. Logo em seguida, o recém-nascido deve ser colocado no colo da mãe para que ela possa tentar amamentá-lo.

“Esperamos de 40 segundos a um minuto para cortarmos o cordão umbilical, que é quando ele para de pulsar, e, se estiver tudo bem com o bebê, a gente logo o coloca no colo da mãe”, diz a ginecologista e obstetra Rita Sanchez, especialista em medicina fetal e coordenadora da maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein --hospital que está no projeto “Parto Adequado”, parceria com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e o IHI (Institute for Healthcare Improvement), com objetivo de reduzir o percentual de cesáreas desnecessárias. 

Com o maior índice de cesáreas do mundo, o Brasil já recebeu um alerta da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre o uso excessivo do procedimento. Em 2011, 53,7% de todos os partos no país foram cesárea, enquanto a entidade recomenda que o número não ultrapasse 15%. Considerados apenas os hospitais privados, o número é superior a 80%.

Segundo Rita, a mãe não deve ficar amarrada na maca e, se preferir, pode-se abaixar o campo cirúrgico (tecido colocado abaixo dos seios da mulher) para que ela veja a saída do bebê. O corte, segundo a médica, deve ser pequeno.

“O ideal é que precisemos fazer uma forcinha para retirar o bebê, o que ajuda muito a expelir os líquidos do tórax dele, como em um parto normal”, diz Rita. E, depois que a criança for retirada, ela jamais deve receber aquele tapinha no bumbum.

Para o obstetra Julio Elito Jr., professor do departamento de Obstetrícia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é preciso sempre ter uma atitude muito humana e compreensiva. “Devemos estimular o contato do bebê com a mãe após o nascimento, deixando-o no colo dela para ser amamentado”, afirma.

Segundo a OMS, o recomendado é que o bebê sempre mame na primeira hora de vida, o que, muitas vezes, é adiado em partos cesárea. “É comprovado que os bebês que são amamentados na primeira hora de vida têm índices maiores de sobrevivência”, afirma Basbaum.

Para os especialistas, o ideal é que, mesmo em uma cesárea, seja possível esperar pelos sinais de parto antes de começar a cirurgia. “A natureza é muito sábia. A mulher sofre um processo de transformação durante a gravidez, que é finalizado por volta do nono mês. É importante que ela chegue para o parto dessa forma, pois seu organismo responderá com mais equilíbrio”, diz Basbaum.

Se isso não for possível, deve-se, ao menos, realizar a cesárea após 39 semanas. “O ideal é esperar a paciente entrar em trabalho de parto ou, se for preciso, agendá-lo entre a trigésima nona e quadragésima semanas, porque o bebê já está bem preparado, e os riscos são menores”, afirma Elito Jr. 

Mesmo já tendo decidido pela cesárea, a estilista Ellen Faria, esperou entrar em trabalho de parto do filho, Miguel, hoje com dois anos. “Queria parto natural, mas como seria um risco, tentamos transformá-lo no mais natural possível. Não foi uma cirurgia agendada. Entrei em trabalho de parto, tive contrações e, no último momento, fizemos a cesariana. Isso prepara o bebê e a mãe para o nascimento”, diz.

Ellen conta que ficou em uma sala pré-parto esperando o momento ideal para a cirurgia, até a bolsa romper. E, durante a cesárea, os médicos explicavam tudo o que acontecia. “Quando o Miguel nasceu, ele foi pesado, limparam-no e logo o deixaram comigo. Quando terminaram os pontos, ele já estava no meu colo. Fiquei uns 40 minutos com ele com a luz apagada e ele pertinho do meu peito. Foi um parto muito feliz.”