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Prêt-à-porter: o que não incomoda é moda?

De Paris (França)

02/10/2014 10h01

O confortável e prático abriu caminho para o Verão 2015 nas passarelas de moda feminina prêt-à-porter de Paris. O estilo sofisticado e sexy não desapareceu dos desfiles, ainda que em tempos de crise os estilistas invistam no comum para proclamar que o que não incomoda, o simples também pode ser moda.

Hoje a comodidade, valor antes ignorado na moda feminina, segue de vento em popa. Calças largas na passarela da Loewe, Valentino, e Dries Van Noten. O tweed grosso na Chanel, a ponto de fazer quase desaparecer a figura feminina e os macacões jeans da Chloé são alguns exemplos.

Celine levou o lado prático ao paradoxismo com modelos que parecem uniformes de hospital. Em outros estilistas, o conforto chega na forma de estilo esportivo, com calças de ciclista ou sapatilhas tipo tênis. A mulher deixa os saltos sofisticados no armário e mergulha nos calçados de solo liso, como as papetes.

"A moda está cada vez mais diversificada", disse à AFP a estilista argentina Pía Carregal. "Há variantes dentro de uma mesma tendência, inclusive em uma mesma coleção há coisas que não têm nada a ver umas com as outras. Hoje cada um pode adotar o estilo e o corte que gosta e estar na moda, mas não uniformizados".

O sombrio normcore

"Normcore" é o estilo deliberadamente normal e insípido na hora de se vestir, e está na boca de muitos analistas de tendências, que indicam marcas como a Gap. Mas, para o mundo da moda, continua sendo considerado o anticristo.

O estilista Giambattista Valli, responsável pelo vestido pós-casamento de Amal Alamuddin com George Clooney, rejeita o próprio conceito de normalidade. "A normalidade não pertence ao meu mundo. A normalidade sempre me aborreceu. É que... eu gosto de tudo o que é extraordinário", declarou o estilista italiano à AFP após seu desfile em Paris.

O britânico Bill Gayten, ex-braço direito de John Galliano na maison Dior, pediu para um jornalista repetir três vezes a palavra "normcore" e afirmou que não conhecia sequer o seu significado. E respondeu: "Sempre haverá moda, é inevitável: a moda é um resultado das mudanças no mundo".

"Se o mundo não mudasse, então sim, não existiria moda, nem existiria história", acrescenta Gayten, atualmente à frente da direção criativa da marca John Galliano.

Segundo Octavio Pizarro, estilista chileno radicado há anos em Paris, "a sofisticação da moda hoje vai por outro lado: está mais nas texturas do que no próprio tecido. Tudo é muito mais simples. Vivemos momentos -há vários anos- com economias em crise e as pessoas já não querem gastar tanto".

"As pessoas querem coisas mais sensíveis e se vestir de maneira mais prática, e isso é também um reflexo do mundo de hoje. Pode ser que passe, mas no momento é assim. A Alta-Costura ficou um pouco de lado", diz Pizarro, cujas coleções se mantém no lado elegante da passarela.

Das ruas para as redes sociais

Após criticar a voracidade com que a indústria da moda está engolindo a criatividade de alguns estilistas para privilegiar as vendas e o lucro, o francês Jean Paul Gaultier se despediu no último sábado (27) do Prêt-à-Porter para dedicar-se exclusivamente à Alta-Costura.

As exigências comerciais e um ritmo de produção cada vez mais difícil de seguir chegaram a custar a vida de criadores geniais como Alexander McQueen e abandonar na beira do abismo estilistas como John Galliano.

Segundo o ex-diretor da marca Gaultier, Donald Potard, "hoje é mais difícil chegar com ideias originais, já que todo mundo se veste igual e faz suas compras em lojas que vendem todas a mesma coisa em Paris, Milão ou Tóquio. Esperamos que a moda volte a se impor como moda".

Octavio Pizarro observa que todas as redes sociais, em particular o Instagram, têm influenciado muito no mundo da moda.

Um fotógrafo como o do blog 'The Sartorialist' começou fotografando as pessoas nas ruas de diferentes cidades do mundo e, depois, as pessoas que vão aos desfiles. "Finalmente, as pessoas veem mais essa moda que os próprios desfiles, e os estilistas se inspiram muito também no que acontece nas ruas, é um 'mix and match'", explica Pizarro, falando literalmente do "misturar e combinar", um conceito mencionado nesta semana pelo estilista da Chanel, Karl Lagerfeld.

Para o argentino Gabriel Lage, à frente de um ateliê de Alta-costura em Buenos Aires, "sempre vai existir espaço para a moda". "Às vezes há uma moda mais casual ou mais econômica, necessária em tempos de crise, mas sempre vai existir a questão de que a mulher e o homem gostam de estar na moda".