Moda retrô: brasileiras começam a escolher lingeries maiores
JULIANA LOPES
Colaboração para o UOL, de Milão
-
Divulgação
Calcinha larga de renda e "camisete" da Água Fresca, marca de lingeries de Belo Horizonte, mostram proposta de lingerie maior sem perder a sensualidade
A fama da lingerie e do biquíni brasileiros é notória. Somos conhecidas por usar modelos bem cavados na praia e, se tentamos comprar algo na Europa, é um drama para quem não gosta de substituir a calcinha por praticamente um shorts sob o sol. Seríamos mais atrevidas do que as europeias ? Não necessariamente. “Elas” (as moças da Europa) usam calcinhas que são praticamente um fiozinho atrás (o famoso “fio-dental”) e fazem “topless” na praia com muito mais desenvoltura. Por outro lado, muito frequentemente, “nós” (brasileiras) primamos pela beleza da lingerie em detrimento do conforto ou da funcionalidade, segundo pesquisa de marketing da marca Valisère.
Veja opções de lingeries grandes
Veja Álbum de fotosTodas essas ideias de atrevimento ou funcionalidade de roupa de baixo e de praia dão lugar a uma nova fase: a de que se pode ser sensual com lingeries enormes. Tapar o corpo pode ajudar a desenhar as curvas. Não à toa, a primeira coleção lançada pela supermodelo Gisele Bündchen em parceria com a Hope é cheia de modelões à moda antiga (“antiga” seria aqui a estética dos anos 40 e 50 do século passado). E também não à toa, outras marcas sentem esta tendência chegando e ficando: no Brasil, desde as mais tradicionais (Hope e Valisère, ouvidas pela reportagem) até as mais novas no mercado (como Janiero e Água Fresca) confirmam que a solicitação por peças estilo "vovó revisitada" está aumentando.
-
Conjunto floral da nova grife Janiero mostra calcinha grande com contraste de cores e tule
MODELADORES SENSUAIS
A grife La Perla, uma das líderes do mercado internacional, foi ainda mais longe: lançou a “Shape Couture”, uma coleção elegante de lingeries que são praticamente modeladores (daqueles que tapam boa parte do corpo, e apertam para modelar). Claro, com grande estilo e sensualidade, dominando vitrines como a da loja de departamentos Rinascente, uma das mais sofisticadas de Milão. “Essa coleção é uma interpretação da La Perla para os modeladores. Achamos que agora as mulheres querem se sentir sexy, mesmo quando usam esse tipo de lingerie. Por isso, lançamos peças que modelam mas são fashion, são glamurosas. Elas vestem bem vários tipos de corpos, são menos invisíveis, mas mais democráticas”, disse Giovanni Bianchi, diretor criativo da La Perla, em entrevista ao UOL. O que poderia ser visto como uma peça triste, que não inspira beleza nem juventude, foi transformado numa peça de luxo (veja fotos no álbum) com material caro, cores e design bem escolhidos. As musas inspiradoras da marca: as atrizes Sophia Loren, Silvana Mangao e Gina Lollobrigida. “Nos filmes neo-realistas dos anos 50 elas apareciam usando espartilhos muito sexies, o que acabou virando um símbolo de sensualidade”, afirma Bianchi. “O ‘Guepierre’, que ficou famoso no segundo pós-guerra como um novo tipo de espartilho, também nos inspira”.
BRASILEIRAS COMPORTADAS
No Brasil, as marcas que vendem por aqui também estão sentindo esta nova tendência. A Hope fala em “recortes anatômicos” das peças lançadas por Gisele Bündchen, principalmente nas chamadas “hot pants”, que são aquelas calcinhas comportadas, quase shortinhos, de cintura alta. Como não marcam o corpo, mas tentam contorná-lo, podem ser ótimas para usar por baixo de vestidos. “As modelagens maiores são uma tendência que fazem parte dessa moda retrô no geral, não só nas formas mas também nas estampas”, afirma oficialmente a Hope, via assessoria de imprensa. As calcinhas pequenas continuam, mas as empresas estão de olho nessa nova fatia de mercado. “Colocamos algumas peças maiores e exclusivas na nossa ‘flagship’ ["loja conceito"] e venderam muito bem. Vamos apostar em modelagens mais altas com a cintura marcada para o próximo verão”, conta Michele Liu, gerente de desenvolvimento da Valisère, que até então investia em peças menores.
-
Calcinha estilo "hot pant" da coleção de Gisele Bündchen para a Hope
Algumas grifes de lingerie recém-lançadas no mercado perceberam essa “nova mulher” que pretende pensar mais nos contornos do corpo e não só nos contornos da roupa. Dona da Água Fresca, nova marca de lingeries de Belo Horizonte, Juliana Moraes acredita que “as mais conscientes de sua beleza usam peças maiores com elegância”. “A brasileira, embora sempre tenha gostado de mostrar suas curvas em modelagens menores, está investindo lingeries maiores em seu guarda-roupa. Entendo isso como um resgate ao romantismo. E essa nova lingerie tem funções variadas, como apertar, modelar, esconder, valorizar...”, complementa.
Praticamente estreante no mercado, lançada em 2010, a Janiero, que atualmente vende por meio da loja online da Surface to Air, também reforça o ar vintage nas coleções. E não apenas na modelagem maior (calcinhas de cintura alta e sutiãs bicudos) mas em estampas floridas e materiais tradicionais como rendas e tules. A proposta, no entanto, é bem moderna: ninguém sai vestida de diva italiana dos anos 50. A faixa etária da compradora da marca, segundo as proprietárias, é de mulheres de 18 a 45 anos.
LINGERIE FETICHISTA
“Vejo a preferência por lingeries maiores como um amor pelo vintage no geral. É como se hoje, com tantas novidades, começássemos a olhar para um passado que nos deixa mais seguros”, filosofa a designer de moda venezuelana Yannine Chao, que fez uma pesquisa sobre lingeries para o IED (Instituto Europeu de Design) de Milão. “Também acho que, mesmo sem perceber, cada mulher sente necessidade de vestir algo de acordo com a sociedade em que vive. As venezuelanas, no geral, gostam de sutiãs que levantam os seios. Aqui na Europa, pensando nas inglesas por exemplo, a preocupação é com o conforto, com a simplicidade, com um ar mais 'fashion-cool'”, diz Yannine.
A consultora de tendências de moda e professora de moda do IED de Milão, Farah Pallaro, pontua o clima retrô como uma característica da segunda década do atual milênio. “A primeira década foi um período de busca de estilo, sem definições. O que se nota a partir de 2010 é que a escolha dos consumidores ficou mais intelectualizada”, diz. Desse modo, as pessoas gostam de saber de onde os produtos vêm e o porquê de usá-los. “Uma das consequências disso é a volta às raízes, a volta ao passado. Uma era hoje bastante pesquisada por quem ama o vintage são os anos 40 e 50”, diz a consultora. “Na verdade, esse tipo de lingerie não tem nada de comportado. Pelo contrário, é uma tendência bem atrevida, que pensa nas pin-ups, é uma tendência de fetiche”, explica. “Na Itália sempre houve um comportamento mais rigoroso, conservador, ligado à família e à Igreja. As italianas se sentem agora mais livres para ousar e provocar, e esse tipo de lingerie quer dizer provocação, embora as peças sejam maiores”.