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Estilista brasileiro agrada muçulmanas fashionistas em Dubai

Patrícia Colombo

Do UOL, em São Paulo

24/02/2015 07h00

Em uma dessas radicais transições da vida, Vincenzo Visciglia, brasileiro de Tatuí, interior paulista, migrou com a família aos 14 anos para Miami. Aos 33, se deslocou para Abu Dhabi para posteriormente se fixar como o arquiteto favorito de algumas das milionárias famílias que residem em Dubai. Foram mudanças que fogem um pouco do que é considerado comum no dia a dia de alguém. E tudo isso ocasionou mais uma alteração de rumo: o mergulho no universo da moda com o lançamento de sua própria grife, Aavva, que hoje veste algumas das mais importantes figuras femininas da sociedade dos Emirados Árabes Unidos.

Foi justamente o sucesso como designer de interiores que o ajudou a se difundir na região como estilista. Tendo cursado Arquitetura, em Miami, aproveitou o contato com um amigo bem posicionado, diretor de uma companhia de arquitetura em Abu Dhabi, para lhe mostrar alguns de seus projetos. Surgiu, então, o convite para a mudança de residência e o consequente choque cultural com o Oriente Médio. “Fui na cara e na coragem”, ele conta ao UOL Mulher. “Pouco tempo depois acabei abrindo meu próprio escritório em parceria a outro amigo. E após um ano lá, me mudei para Dubai.”

Ahmad Ammar e Vincenzo Visciglia com cliente no ateliê da Aavva - Reprodução/Instagram/@aavva - Reprodução/Instagram/@aavva
Ahmad Ammar e Vincenzo Visciglia com cliente no ateliê da Aavva
Imagem: Reprodução/Instagram/@aavva
Há cinco anos morando na região, ele conta que se comunica por meio de palavras-chave e gestos. “Falar o árabe é mais difícil, mas já consigo entender muitas coisas”, afirma. Com características mais minimalistas em seu trabalho, precisou aprender a lidar com os exageros típicos do gosto local, regados a muito brilho e ostentação. Em seus projetos de arquitetura e design, conseguiu manter vivo o próprio gosto, ainda que respeitando os pedidos de ricaços influentes, como o todo poderoso emir de Dubai, Mohammed bin Rashid Al Maktoum.

A partir da cartela de clientes importantes nessa área, Vincenzo observou a possibilidade de investimento no setor têxtil dentro do segmento de luxo --que lugar do mundo melhor para isso que Dubai? “Não acredito que eu teria tanto êxito assim no Brasil, logo de primeira”, diz. “É um mercado muito mais competitivo e com menor nicho de alta-costura. Aqui eu não só tinha meu reconhecimento como arquiteto com importantes famílias, mas também contava com um consumo muito maior no que se refere a esses itens.”

Foi assim que uniu forças ao amigo libanês Ahmad Ammar e, em 2012, abriu a Aavva. “Não deixei minhas raízes de lado neste projeto”, diz. “Nossa criação de moda tem muita inspiração na arquitetura. E nem teria como ser muito diferente. É um tema com o qual me relaciono há anos. Em Dubai existe uma demanda por novos formadores de opinião em moda. Há muitos estilistas de alta-costura que ainda se prendem fortemente aos formatos tradicionais da cultura árabe. Percebemos que aqui você é reconhecido se for pioneiro no que você faz. Focamos nesse mercado de mulheres muçulmanas fashionistas.”

Com peças cujos valores partem de 250 dólares (quase R$ 720), Vincenzo divide-se em coleções “ready-to-wear” e de alta-costura. As primeiras são produzidas a cada temporada Primavera/Verão e Outono/Inverno, indo direto para as prateleiras das lojas revendedoras (hoje são cinco estabelecimentos que trabalham com a grife em Dubai). A segunda é produzida em seu ateliê, onde ele recebe as damas da alta sociedade local. “Faço alta-costura para o dia a dia dessas mulheres. São peças que têm silhueta tradicional, mas com toque moderno”, conta. “Elas gostam de roupas luxuosas para usar no cotidiano, nossas peças tiveram uma aceitação muito grande.

Jeito brasileiro
Entre os códigos de conduta femininos dentro do Islamismo, figura o uso do véu (o hijab) --que sustenta a modéstia e a privacidade, e que distancia a mulher da ideia de atração sexual a outros homens. Sem a peça, muitas muçulmanas desfilam para familiares e amigas mais próximas seus looks cheios de novidades da moda. Mas com ele, nas ruas e no convívio com pessoas de relacionamento mais distante, elas sustentam a discrição. E é aí que entram as diferenças no convívio de Vincenzo com suas clientes.

A fashionista e empresária Rasha Al Danhani, uma das clientes da Aavva - Reprodução/Instagram/@aavva - Reprodução/Instagram/@aavva
A fashionista e empresária Rasha Al Danhani, uma das clientes da Aavva
Imagem: Reprodução/Instagram/@aavva
“É uma cultura muito diferente da nossa, mas extremamente fascinante”, ele diz. “São pessoas patriotas e que respeitam a tradição. Posso dizer que aprendo muito com elas.” A maior parte das consumidoras do brasileiro chega no ateliê coberta pelos respectivos véus (com exceção de turistas e clientes de outras religiões, claro), sozinhas ou acompanhas por amigas, filhas ou irmãs. As provas são realizadas junto às costureiras que encabeçam o time de Vincenzo por lá. Mas ele conta que algumas não se importam com sua presença.

“Durante as provas, algumas clientes optam por fazer só com as costureiras. Outras, por terem mais proximidade e serem clientes há mais tempo, não se importam e até preferem que eu esteja junto para os ajustes finais. Varia de acordo com a confiança”, revela. “O que é sempre bom é que elas não se sentem desrespeitadas e gostam do meu jeito brasileiro de lidar com as questões culturais. Sou sincero, brincalhão, tento quebrar o gelo e fazê-las dar risada.”

Vincenzo comenta que geralmente os maridos não participam das escolhas, “mas elas com certeza fazem tudo para agradar, estando belas e bem vestidas para eles”. E relembra um episódio curioso: “Fizemos uma peça sob medida para uma cliente que iria a um evento com muitos homens. Quando ela mostrou a roupa ao marido, ele achou tradicional demais (risos). Daí, ela nos deu o sinal verde para sermos mais fashionistas e mostrarmos um pouco mais o corpo dela na peça. Confiaram no nosso gosto e na nossa visão de moda.”

Em expansão, a marca abrirá uma loja só dela em Dubai, no mês de abril, e está negociando com butiques de São Paulo e Rio de Janeiro para que as peças cheguem ao país. “Aqui competimos com grandes marcas de alta-costura locais e internacionais que se instalaram em Dubai graças ao mercado próspero”, diz. “É um desafio grande, mas acreditar no DNA de sua própria grife é a parte mais importante.”