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Moda afro: no centro de SP ou na internet, a negritude ganha força fashion

Região da Praça da República, no centro da cidade de São Paulo, tem barracas com produtos do Senegal, Angola e Moçambique - Ramon Félix/UOL
Região da Praça da República, no centro da cidade de São Paulo, tem barracas com produtos do Senegal, Angola e Moçambique Imagem: Ramon Félix/UOL

Natália Eiras

Do UOL, em São Paulo

03/11/2015 07h00

As ruas do centro da cidade de São Paulo estão mais coloridas. Os estampadíssimos tecidos africanos têm ganhado espaço no comércio popular graças ao aumento de vendedores destes artigos, em sua maioria imigrantes do Senegal, Angola e Moçambique.

Bastante tímidos e desconfiados, eles não gostam de muita conversa. Uma parte está no país legalmente, com o visto de turista, mas outra entrou de forma ilegal pela fronteira do Acre. “A mídia fala bastante da crise de refugiados na Europa, mas o mesmo está acontecendo aqui. Muito africano está morrendo no Acre de febre amarela e de fome”, lamenta a senegalesa Adji Ba, 41, dona de uma das barracas que ficam na região da Praça da República.

Já acostumada com os brasileiros neste ano e meio que está no país, ela conta que veio para cá em “busca de uma vida melhor”. Para isso, os panos que vende por cerca de R$ 20 o metro são comprados em uma espécie de cooperativa organizada por imigrantes. “A gente junta um pessoal e importamos todos juntos”, explica.

Além dos tecidos, peças como camisas, vestidos e batas também estão disponíveis. Há dois anos no Brasil, o senegalês Cheikh Cieye, 27, diz, em português mais aprimorado, que os itens são costurados por eles mesmos. “Meu irmão me dá o tecido e eu faço tudo”, diz. Em outros casos, eles mandam os tecidos importados para confecções já conhecidas, que fazem camisetas que podem custar desde R$ 50 até R$ 80.

O copari, como o senegalês chama o chapéu muçulmano, também é um item bastante procurado, tanto por motivos estéticos quanto religiosos. “O pessoal do candomblé também usa”, fala Cheikh. Porém, o item favorito dos brasileiros, de acordo com os vendedores, são os tecidos com estampas étnicas, que podem ser usados para decoração e como acessório.

Na internet
O estilo afro não está ganhando força apenas com a presença dos imigrantes no centro das cidades. Lojas online estão conquistando clientela ao atender uma demanda até pouco tempo esquecida: uma moda inclusiva que atenda o corpo da afro-descendente. “É um nicho de mercado”, diz Ana Paula Xongani, 27, dona da marca que recebe seu sobrenome. “Como sabemos que vivemos em um país racista, a gente não via itens que contemplassem o nosso corpo”.

A Xongani e a Baobá-Brasil, da também paulista Tenka Pinha Silva, 36, têm histórias bastante parecidas. Ambas as empresárias faziam, inicialmente, roupas com capulanas, como são chamados os tecidos de Moçambique, para atender a própria necessidade de “valorizar sua ancestralidade”, porém elas perceberam que não era uma demanda pessoal ao atrair a curiosidade de amigos e familiares.

Mais especializada em acessórios e turbantes, a Xongani chegou a vestir Sheron Menezes durante a novela “Babilônia”. Os tecidos e anéis usados pela atriz foram bastante requisitados pela Central de Atendimento ao Telespectador da Globo. A Baobá-Brasil, por sua vez, busca trazer uma roupagem mais urbana para as roupas étnicas. “É um afro urbano. Para um jovem ocidental e africano também”, explica Tenka.

Apropriação cultural?
Apesar de ser chamada moda afro, os artigos não são comprados apenas por africanos e afro-descendentes. Pessoas de todas etnias têm se interessado pelos tecidos e outros artigos, levantando a discussão sobre apropriação cultural -- quando um elemento da cultura de um povo é assimilado por outro perdendo seu real significado.

Os senegaleses Cheikh e Adji não hesitam em ensinar seus clientes a fazerem turbantes com os panos expostos. Porém, alguns militantes defendem que brancos não deveriam usar o artefato.

“Eu entendo como apropriação não o uso, mas se apropriar culturalmente sem saber o significado”, diz Ana Paula Xongani. “A África é um patrimônio da humanidade que precisa ser difundido e o turbante é parte desta cultura. Não é legal ver uma pessoa usar algo africano só porque está na moda, sem ter nenhum respeito pela África”, complementa Tenka. “Porque quando a branca usa o turbante é vista como cult, mas a preta continua sendo xingada de bruxa”, lamenta Ana Paula.

Adji defende que brancos usando turbantes não é uma apropriação cultural. “Eu não me aproprio da cultura branca usando um jeans. O turbante é para deixar a mulher linda, mostrar o que ela tem de melhor e vai além da cultura senegalesa”, fala.

No entanto, ela dá a entender que é bom saber o que uma amarração ou estampa de tecido podem significar. “Por exemplo, aquele turbante ali”, ela aponta para uma mulher que passava enquanto falava com a reportagem, usando uma amarração com volume frontal. “Vocês acham aquele tipo lindo, mas nós achamos horrível, porque ele é usado pelas viúvas. Nós a olhamos e ficamos tristes”.