Nuit de Tubereuse é exemplo da mágica que pode ser feita com matérias-primas olfativas
por Chandler Burr, do "The New York Times" *
Notas Perfumadas
- Criadora: L'Artisan Parfumeur Gênero: Feminino Avaliação:
O maravilhoso novo perfume da L’Artisan Parfumeur, Nuit de Tubereuse, é um exemplo brilhante do trabalho virtuoso do perfumista Bertrand Duchafour, que está entre os mais talentosos artistas olfativos do mundo. É também um exemplo da mágica que pode ser feita com as matérias-primas em geral, e com esta em particular.
A tuberosa é uma pequena flor branca bastante cultivada na Índia, parece com o jasmim e não tem nenhuma conexão com a rosa comum. As rosas não chegam nem perto de carregar esta poderosa energia olfativa. De acordo com a minha experiência, somente três flores possuem tamanha musculatura: as outras duas são o jasmim e a flor de laranjeira. Em seus estados mais brutos, após o refino, as três vêm armadas com indóis: moléculas que possuem um cheiro de fezes tão forte que, se pudessem, de algum modo, ser catapultadas em forma de mísseis olfativos, certamente iriam destruir o tanque inimigo.
O marco das fragrâncias de tuberosa é Fracas, criada em 1948 pelo mestre perfumista Germaine Cellier. No pós-guerra, Fracas dominou tão completamente aquela parte do mercado de perfumes que fez para a tuberosa o mesmo que Shalimar fez para a baunilha.
Dois outros notáveis perfumes de tuberosa surgiram na década passada: Michael Kors (2000), de Alain Alchenberger e Laurent LeGuernec, e Carnal Flower (2005), de Dominique Ropion para a coleção de Frederic Malle. A fragrância de Alchenberger e LeGuernec, uma das melhores disponível no mercado de luxo feito em grande escala, domestica a tuberosa e a veste magnificamente. Ropion, ao contrário, deixa a besta sair de sua jaula. “Carnal” é um nome perfeito: sempre imaginei que todas as tuberosas no jardim do Éden tinham o cheiro de peônias sérias, reservadas, decentes, até o momento em que Eva morde a maçã – então elas cresceram incisivas e exalaram o cheiro do perfume de Ropion, maravilhoso e violento.
Duchaufour conseguiu criar um caminho diferente das três fragrâncias antecessoras, algo nada fácil de realizar no universo dos perfumes. Nuit de Tubereuse é como uma seda olfativa, que traz em sua trama a tuberosa e um acorde verde leve, delicado, de tirar o fôlego. Este verde não tem nada do cheiro pesado e úmido de grama recém-cortada ou a imaturidade de uma banana verde. Tampouco a mágica feroz, complexa e tóxica do gálbano.
O verde em Nuit de Tubereuse é quase indescritivelmente puro, como um cristalino Lá sustenido cantado com precisão e sem nenhum esforço por uma soprano: a nota corta o ar sem nenhum obstáculo ou vibração durante seu voo acústico. Ele remete ao cheiro adstringente e fresco do talo da rosa que acabou de perder seus espinhos: é completamente orgânico, embora vindo de células de uma planta que, diferente das células de suas pétalas, não têm a função de exalar cheiro algum.
Nuit de Tubereuse difunde cuidadosamente na pele, atravessando o ar silenciosa e delicadamente como uma seda. A estrutura do perfume é perfeita e coerente. Quanto à estética do trabalho, não se fica encantado ou assombrado por motivos óbvios. O perfume envolve enquanto descansamos sobre sua redolência. Ele nos convida a fechar os olhos.
Tradutor: Érika Brandão