Colunista explica como a arquitetura interna de um perfume pode fazer dele um sucesso ou fracasso
Chandler Burr
Notas Perfumadas
- Avaliação:
Tenho um amigo que é editor de cinema. Quando ele vai ao cinema, não assiste ao filme, mas à sua composição. Enquanto você aprecia a atuação, a trama e os diálogos, ele vai lhe falar com paixão sobre uma sequência de cortes que você mal percebeu. Ele vê coisas que você não vê. Do mesmo modo, os perfumistas sentem cheiros que você não sente. Uma inalada e eles já estão desconstruindo um perfume e analisando sua arquitetura interna.
Terre d’Hermès é uma das fragrâncias que os perfumistas mais elogiam. “Tecnicamente perfeito”, um profissional comentou comigo em Paris, certa vez. Esta fragrância, criada em 2006 por Jean-Claude Ellena, não é uma revolução estética. É, entretanto, um trabalho de extrema precisão. As matérias-primas se entrelaçam como as entranhas de um relógio suíço. Terre não possui nenhuma falha no que diz respeito aos parâmetros em que os perfumistas se atentam: difusão, estrutura e fixação na pele. E sua elegância vem tanto de sua mecânica quanto de seu cheiro, uma iteração masculina – especiarias, couro velho, ar de outono, água-de-colônia cítrica – da brilhante perfumaria pela qual Ellena é conhecido. Se você faz parte desta indústria, certamente fica maravilhado com seu trabalho técnico.
Coloque-o em contraste com o curioso erro Gucci Envy Me, de 2004. Enquanto Gucci Envy, de 1997, de Maurice Roucel, é uma obra-prima, Envy Me, de Karine Dubreuil (que fez o excelente Mure et Musc Extreme, para L’Artisan Parfumeur), é uma fragrância de supermercado. Sua pobreza estética é reforçada pela sua construção técnica desestimulante. Em outras palavras, as matérias-primas não só têm cheiro de flor de plástico e aspartame, elas também se encaixam muito mal. O maquinário é tosco, inacabado, deselegante.
Agora sinta o cheiro de Glow by J.Lo. Uma vez cheguei a comentar com a diretora criativa do L’Artisan Parfumeur, Pamela Roberts, sobre o surpreendente (palavras minhas) sucesso comercial do primeiro perfume de Jennifer Lopez. “Não é uma surpresa completa”, ela respondeu. “É um perfume engenhoso.” Engenhoso? “Porque tem cheiro de maquiagem”, ela explicou. E tem mesmo. A fragrância de Louise Turner reforça tudo aquilo que vem associado à maquiagem: luxo, status, beleza, confiança reestabelecida, amor. O conceito pode ter vindo de Jennifer Lopez ou de Catherine Walsh, da Coty, que supervisiona a franquia deste extremamente bem-sucedido perfume, mas o trabalho técnico é de Turner, e é sólido como rocha. Glow sutilmente dispara os gatilhos certos para uma resposta sináptica. As partes combinam. Sua engenharia é aveludada.
Tradutor: Érika Brandão