Tom of Finland expressa o cheiro das paixões que o desenhista homônimo sentia pelo mundo que criava

por Chandler Burr, do "The New York Times" *
Notas Perfumadas

  • Frasco do perfume Tom of Finland da perfumaria Etat Libre d'Orange
    Criadora: Etat Libre d'Orange Gênero: Masculino Avaliação:

Para a maison vanguardista e frequentemente desconcertante Etat Libre d’Orange – uma marca conhecida por obliterar limites e honrar a arte em nome da arte – criar um perfume inspirado nos desenhos pornográficos masculinos do artista finlandês Touko Laaksonen parece uma escolha natural. Realmente, ela foi praticamente obrigatória. Fundada pelo galerista olfativo Etienne de Swardt, Etat sustenta o mote “Le parfum est mort, vive le parfum!” (“O perfume está morto, viva o perfume!”), prometendo a morte do perfume como o conhecemos e a chegada de algo novo. Etat cumpriu essa promessa: com consistência, espanto, lascívia, encanto, desgosto. Com brilho.


Um único perfume Etat mostra mais criatividade do que coleções completas da maioria das outras maisons. O mestre perfumista Antoine Lie criou Secretions Magnifique, uma obra inspirada nos odores de sangue, suor, sêmen e saliva. Se é usável ou não – e minha opinião pessoal sustenta que não é, embora não seriam poucos os que discordam de mim – está além da questão. A questão é a arte. O igualmente mestre Antoine Maisondieu criou Don’t Get Me Wrong, Baby, I Don’t Swallow, que, na moda pós-modernista, é uma obra de arte que consiste em partes iguais do perfume em si e de seu nome. Rien, de Lie, representa o niilismo. Jasmin et Cigarette, de Maisondieu, é puro fotojornalismo.

A mais surpreendente de todas as fragrâncias da Etat, entretanto, deve ser uma das mais engenhosas.

Na época de sua morte, em 1991, Laaksonen – que ficou publicamente conhecido como Tom of Finland – tornou-se um dos artistas mais importantes do século 20 a trabalhar com pornografia. Ele alterou os limites da iconografia homossexual e foi celebrado pelas comunidades gay e hétero fetichista na mesma medida. Se algum ícone nasceu para inspirar um perfume da maison Etat, esse alguém foi ele.

Nascido em 1920, Laaksonen mudou-se para Helsinki em 1939 para estudar propaganda e quase que imediatamente entrou no serviço militar como oficial de guerra antiaérea durante a Segunda Guerra. Quando a Guerra acabou, ele ingressou em uma faculdade de artes e começou a desenhar com determinação. Ele desenvolveu sua iconografia tão cuidadosa e apaixonadamente quanto qualquer pintor medieval detalhou a mitologia bíblica. Ele pegou o ideal vigente do lenhador finlandês e mitificou o personagem ao apresentá-lo como hipermasculino, gay e particularmente bem-dotado. O estilo de Laaksonen evoluiu da ilustração, ingênua e quase feminina, para o fotossurrealismo envolto por S&M e com toques fascistas.

Nos anos 50 e começo dos 60, as leis federais de censura nos EUA proibiam publicações que contivessem “atos homossexuais públicos”. Então Laaksonen enviou seu trabalho para revistas que pretendiam apresentar homens jovens e musculosos como ideais a serem venerados – modelos de saúde a serem copiados. A decisão de 1962, chamada Manual Enterprises v. Day descriminalizou a exibição da nudez masculina, e finalmente Laaksonen passou a transitar no universo da pornografia claramente gay.

Em 1973, ele pediu demissão da agência de publicidade McCann-Erickson em Helsinki para se tornar artista em tempo integral. Ou pornógrafo. Ou ambos, depende do seu ponto de vista. Seus motoqueiros sessentistas em seus habitats, vestindo jaquetas, calças e bonés de couro – geralmente em atitudes sexuais explícitas, às vezes anatomicamente impossíveis e não poucas vezes tão engraçadas quanto eróticas – tudo isso demonstrava a sensibilidade artística única ao usar um assunto tabu ou um desejo sexual de um homem que simplesmente se mostrou capaz de desenhar. 

Tudo isso posto, a fragrância Tom of Finland da Etat é inesperada de várias maneiras. É um couro manipulado com precisão: sombrio, com indicações que foi chamuscado, com toques esfumaçados, ao mesmo tempo belo de alguma forma. Em termos comparativos, Kelly Calèche, uma das obras olfativas menos apreciadas na história, também tem couro, embora agradável, amaciado por flores e pelo sol. O couro de Tom foi exposto a cigarros demais no covil do motoqueiro e encostou em muitas banquetas de ferro manchadas de suor para ser considerado agradável. Tampouco é doce. Mas esses bancos deixaram ali um leve cheiro de madeira, um cheiro fresco e natural de floresta. E em algum lugar, de algum modo, algumas flores também deixaram traços de seus cheiros. O homem que usa Tom of Finland pode ser um motoqueiro às 2 da manhã. Mas pode também ser um florista às 10 da manhã. Quem poderá saber? Coisas estranhas podem acontecer. 

Tom é quase que perfeitamente calibrado para combinar com o estilo de Laaksonen. Mas não é um cheiro pornográfico. Tampouco é chocante ou espelha outra realidade. Ele expressa o estilo de um artista que brincava com imagens – não importa quão obscenas elas podem ser – e que as misturava com piscadelas. É possível sentir o cheiro da paixão que Laaksonen sentia pelo mundo que criava, dos fetiches que ele amava e de sua orientação sexual. Mas é possível também sentir o cheiro de seu senso de humor.

Tradutor: Erika Brandão

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