Divisor de opiniões, Womanity de Thierry Mugler tem personalidade forte e estranheza absoluta

por Chandler Burr, do "The New York Times" *
Notas Perfumadas

  • Frasco do perfume Womanity, de Thierry Mugler
    Criadora: Thierry Mugler Gênero: Feminino Avaliação:

Duas realmente ótimas fragrâncias gourmand foram criadas no século 20 – cada uma delas, a seu modo, mudaram o paradigma fundamental da perfumaria. Shalimar, de Jacques Guerlain, nascido em 1925, transformou o cheiro de quem o usa em algo de certo modo comestível: trata-se de uma suculenta baunilha embrulhada por um papel francês feito de uma mistura forte de rosas e incenso oriental.

O outro perfume, Angel, foi lançado em 1992 pelo designer de moda Thierry Mugler. Ele já havia conquistado a fama de iconoclasta – cuja origem, em grego, literalmente quer dizer “destruidor de imagens”. Destruir crenças estabelecidas sempre foi o modus operandi de Mugler. O jovem perfumista Olivier Cresp, estimulado a chegar ao seu extremo, combinou as moléculas sintéticas de cumarina (bala de baunilha e amêndoa) com etil-maltol (algodão doce) para criar Angel, uma fragrância abertamente forte e ultra doce – um tipo de sobremesa olfativa cuja ousadia era, no começo dos anos 90, quase inimaginável. A fragrância foi extremamente divisora de opiniões quando lançada, e ainda hoje tem o poder de chocar.


O mais recente lançamento de Mugler, Womanity, redobra esse sentido de ousadia. Pode-se sentir o cheiro de sua determinação explícita de fugir das normas estabelecidas e destruir qualquer imagem do perfume clássico, tradicional e “feminino”.

Fabrice Pellegrin, como a maioria dos perfumistas em atividade, produziu sua cota de perfumes comerciais e de pouca importância. Ele também criou duas obras de arte para a Diptyque – Do Son e o verde e encantador Eau de Lierre – assim como um sutil deleite para a Hermès, Caleche Eau Delicate. As fragrâncias Diptyque já davam pistas de sua habilidade em projetar algo como Womanity – mas aposto que Pellegrin, sob a direção criativa de Mugler e Pierre Aulas, agora foi mais longe do que jamais imaginou possível.

 

Não consigo imaginar como Womanity vai se sair entre os consumidores que aprenderam que podem comprar com competência um perfume nos oito minutos que demora uma volta completa dentro de uma Sephora. Borrife o perfume em um papel, e ali está o efeito bomba. Borrife na pele e o efeito – não menos explosivo – é mais completo, como se cores e um sistema de som surround tivessem sido acrescentados à fragrância.


Womanity faz sua cabeça ir para trás em alerta, ou prazer intenso, ou fascinação. Ele é denso como a umidade alteradora de consciência e o odor fibroso e orgânico da maconha. O cheiro forte e doce está perfeitamente representado aqui. O açúcar sozinho não produz este tipo de doçura, embora Womanity represente a próxima geração da poderosa metáfora gourmand estabelecida por Angel. Se houvesse algo como uma torta de maconha - envolta por uma casca amanteigada e levemente rançosa, e polvilhada com açúcar, benjoim tailandês e mirra etíope -, ela teria esse cheiro.

 

A estratégia de vendas por trás de Angel foi simples e genial: afastar 97% da população, mas cativar os 3% restantes tão completamente que eles não poderiam viver sem o perfume. Esses 3% do mercado vêm mantendo Angel entre as 10 fragrâncias mais vendidas há quase duas décadas. Esta também é, obviamente, a estratégia de Womanity: dividir e conquistar.

 

Por isso que é impossível, mesmo para um crítico, avaliar este perfume conclusivamente. Ao atribuir três medíocres frascos a Womanity, estou me recusando a dar a palavra final. Com seu poder, sua forte personalidade e sua estranheza absoluta, Womanity poderia facilmente ter recebido zero frascos – ou cinco. Talvez o maior elogio que alguém possa fazer a Pellegrin e seus diretores de criação seja esse (e isto é verdade mais para Womanity do que para qualquer outra fragrância que eu tenha sentido o cheiro e de que me recorde): a sua reação perante esta obra de arte olfativa vai depender totalmente de você.

Tradutor: Érika Brandão

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