Autobiografia de Dener reapresenta estilista que "criou" a moda brasileira
CAROLINA VASONE
Editora de UOL Estilo
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Divulgação
Estilista Dener Pamplona de Abreu
Pioneiro na criação da identidade da moda brasileira, rei dos maneirismos e das afetações dignas dos maiores costureiros estrangeiros, com talento de padrão internacional na ponta da agulha, Dener Pamplona de Abreu é, quase trinta anos depois de sua morte (em 1978, de cirrose hepática), reapresentado à sociedade brasileira na autobiografia "Dener - o luxo", que acaba de ser lançada pela Cosac Naify.
Neste livro, publicado originalmente em 1972, sem a capa dura, o título em dourado sobre a foto em preto e branco e as mais 16 imagens incluídas na nova edição (entre elas algumas de Otto Stupakoff), Dener é a "vedette" de uma alta sociedade composta por mulheres cuja reputação dependia da capacidade de representar o poder, a fortuna e a respeitabilidade do marido por meio de sua imagem construída a partir de um belíssimo vestido. O estilista também é a celebridade que causava tumulto por onde passava, com fama impulsionada por seu sucesso como jurado no programa de televisão de Flávio Cavalcanti, onde inventou e consagrou o termo "um luxo", para elogiar o que gostava (e que não poderia ser menos do que superlativo).
Separada por capítulos, a autobiografia passa pelas relações de Dener com suas clientes ricas e ilustres - entre elas a ex-primeira-dama Maria Tereza Goulart, para quem criou não só o guarda-roupa como deu palpites sobre a etiqueta de tudo na presidência, incluindo a roupa de João Goulart -, mira alfinetadas nos estilistas concorrentes da época (o principal era Clodovil), detalha o casamento com Maria Stella Splendore, que foi sua modelo, e ainda faz uma breve análise dos cenários da alta-costura internacional da época (incensando Balenciaga e elogiando Valentino) e da indústria da moda brasileira. Tudo como se o leitor estivesse na sala de estar de sua casa no Pacaembu, onde viveu em São Paulo, numa conversa íntima e cheia de saborosas frescuras, recheadas por pelo menos uma palavra estrangeira a cada página.
"Não mudamos o texto, fizemos apenas correções, tendo o cuidado de manter os termos em francês. A idéia é você sentir a afetação do autor", conta Mariana Lanari, responsável pela reedição do livro.
Construção do mito
Durante a pesquisa para a nova versão do livro - cuja primeira edição, disseram jornais da época, esgotou em três dias -, Mariana encontrou material que só reafirmou o tamanho de Dener na época ("a revista Manchete deu quatro capas para figuras masculinas: uma para o Pelé, duas para o papa e uma para o Dener"). Também trombou com informações desencontradas, como a do "début" do estilista na moda, que teria acontecido, segundo ele, aos 13 anos, na tradicional Casa Canadá. Que não confirma a história. "Há muita ficção que acaba revelando a construção do mito. É um modelo que os estilistas atuais ainda usam", diz a editora.
Outra passagem do livro controversa é a do encontro de Dener com Danuza Leão, para quem teria feito o vestido de debutante. "Nunca conheci o Dener. A única imagem que tenho dele é em cima de um carro, acenando para a multidão num carnaval da Bahia", afirma Danuza.
Se alguns fatos não são fatos, mas suposições, e outros ainda invenção, eles ajudaram a alimentar a imagem que Dener construiu consciente do impacto que causava seu estilo extravagante, elitista e excêntrico: um "dândi narcisista, esnobe, cínico e divertido", como descreve o editor de moda Alcino Leite Neto, na contra capa do livro.
Entre a ficção e a realidade, porém, a segunda mostra o peso de Dener não só como criador de moda, mas como figura pública. "O Dener era como a Xuxa hoje. Você entrava no lugar, o lugar parava", compara a assessora de imprensa Silvia Neubern. Prima de Maria Stella Splendore, ex-mulher do estilista, Silvia conviveu com Dener durante os quatro anos de casamento da prima, e lembra da popularidade do costureiro entre anônimos e célebres. "Elis Regina, Caetano Veloso; todo mundo freqüentava a casa dele."
A assessora, que tinha 14 anos quando Maria Stella e Dener se casaram, em 1965, revela outra faceta do estilista. "Ele me emprestava roupas para ir ao Guarujá. Era muito educado e carinhoso. Também era uma pessoa muito desprendida de dinheiro. Ganhava algo, organizava logo uma festa em casa."
Dener profissional
Com tantas histórias interessantes em torno da vida de Dener Pamplona de Abreu, falta ainda registrar sua importância para a moda nacional. O próprio estilista não tinha dúvidas dela: "Eu criei a moda brasileira", anunciava, sem modéstia. E tinha razão.
"Ele foi o primeiro a convencer uma legião de mulheres a usar um nome próprio na moda brasileira. Dener é o primeiro estilista brasileiro tal qual a gente conhece. Ele educou o país para que entendesse o que era um estilista de moda", resume Simone Esmanhotto, editora da revista Elle e autora do livro-estudo sobre o trabalho de Dener, editado também pela Cosac Naify e com lançamento previsto para o segundo semestre de 2008.
Pesquisadora do estilista há cerca de quatro anos, Simone vem resgatando criações de Dener pelo país. "Até agora consegui reunir 35 vestidos, além dos 12 que o José Gayegos (coordenador de moda do Senac e ex-assistente do Dener) tem. Todos serão fotografados no livro. Também pretendo fazer uma linha do tempo das coleções", diz. E completa. "Vou contar coisas que as pessoas não sabem, de fato como ele começou a carreira, a formação como estilista, os vestidos. Prefiro e pretendo me concentrar no Dener profissional."
Ganhador de um concurso em Las Vegas que tinha entre os concorrentes o próprio Christian Dior, diretor de uma "maison" que dispunha de uma organização semelhante à das grandes marcas atuais, com, além do que equivalente à alta-costura francesa, prêt-à-porter e produtos licenciados, Dener coleciona vestidos, gênio e ações (ajudou a organizar a primeira Fenit, em 1958) suficientes para torná-lo nome obrigatório para quem trabalha ou se interessa por moda no Brasil. "De uma certa forma, ele é uma espécie de Paul Poiret brasileiro. É inaceitável que um cara que teve esta dimensão na moda, hoje seja simplesmente desconhecido", afirma Simone.