Design "silencio", a vertente modesta e sutil da atividade, que enche de prazer o dia a dia

Alice Rawsthorn

 

LONDRES - De vez em quando parece apropriado celebrar o gênero de design modesto, discreto e geralmente esquecido que eu chamo de "design silencioso".  Não deve ser coincidência que eu geralmente queira fazê-lo nesta época do ano, algumas semanas depois do tumulto nada modesto e espalhafatoso da Feira de Móveis de Milão.

Um design silencioso é exatamente o que o nome sugere. Não é necessariamente inovador ou iconoclasta, mas cumpre a sua função de forma tão sutil e discreta que, de alguma forma, nos dá prazer. Aqui estão quatro exemplos recentes de design que fazem exatamente isso.

1. Os livros da série "Great Food", da Penguin. Quando o editor britânico Allen Lane fundou a Penguin, em 1935, seu objetivo era fazer com que bons textos fossem disponíveis para as massas em livros de bolso que custassem seis centavos cada, aproximadamente o mesmo valor de um maço com 10 cigarros. Ele insistiu que o design dos livros deveria refletir a qualidade dos textos. "Eu nunca entendi por que livros baratos não deveriam ter um bom design, pois o bom design não é mais caro do que o ruim". Isso é relativo.

A nova série "Great Food" de livros de bolso da Penguin faz um acréscimo honroso ao legado de Lane. Cada livro contém um exemplo de textos sobre alimentos escritos nos últimos 400 anos, inclusive as observações de Samuel Pepys, em 1660, sobre "As Alegrias do Excesso", trechos do "Grand Dictionnaire de Cuisine", de Alexandre Dumas, 1873, e artigos recentes de Calvin Trillin para a “New Yorker”. Para as capas, Coralie Bickford-Smith, da equipe de design da Penguin, buscou inspiração nas ilustrações de louças e panelas tradicionais que encontrou em antigos livros de história da cerâmica e em catálogos de fabricantes.

Ela escolheu um objeto cuja forma refletisse o conteúdo de cada livro, e desenhou uma silhueta dele para a capa. Para "Murder in the Kitchen" (Assassinato na Cozinha), de Alice B. Toklas, foi um cutelo de açougueiro; para " The Campaign for Domestic Happiness" (Campanha para a Felicidade Doméstica), de Isabella Beeton, uma xícara de chá, e para "A Dissertation upon Roast Pig" (Uma Dissertação sobre Leitão Assado), de Charles Lamb, uma molheira.

A mesma forma determinou a escolha da fonte e o padrão decorativo utilizado em cada capa. O toque final é uma versão personalizada do logotipo da editora: um pinguim segurando faca e garfo.

2. A louça ecológica da Wasara. Já que estamos falando sobre comida, a empresa japonesa Wasara produziu uma linha exemplar de design silencioso em sua nova coleção de utensílios descartáveis, que inclui pratos, bowls, xícaras e copos de papel.

Como, você pode estar se perguntando, alguma coisa que é "descartável" poderia se qualificar como algo de bom design, silencioso ou não, se ele está fadado a ser usado uma vez antes de ser descartado, num momento em que os aterros já estão recheados com lixo indesejado? Bom ponto. Só que você pode jogar fora esses pratos descartáveis com a mais pura consciência ecológica. Projetado para a Wasara por Shinichiro Ogata, eles são feitos de um composto de papel livre de árvore, que combina a polpa de bambu e junco com a fibra da cana, e levou quatro anos para ser aperfeiçoado.

Todas essas espécies crescem rapidamente, muito mais rápido do que as árvores das quais os pratos de papel geralmente são feitos. O composto resultante é biodegradável, então quando você terminar de usar seu prato, pode descartá-lo em um sistema de compostagem doméstica. O material também é robusto, mas flexível o suficiente para criar formas delicadas e incomuns, exibindo, assim, um raro caso de produtos eco-responsáveis que são bonitos.

3. A revista "Domus". Existem atualmente dois estereótipos entre as revistas de design. Um deles é um estilo frenético e fragmentado da publicação, que parece desesperada em reafirmar aos seus leitores que ela é tão cheia de novidades e dinâmica quanto a internet. A segunda é uma revista que se parece com um livro. A mensagem aqui é que o conteúdo provavelmente será mais cuidadoso, oficial e memorável do que qualquer coisa que você possa encontrar online.

A mais recente encarnação da "Domus", a venerável revista italiana de arquitetura e design, privilegia a segunda abordagem, mas a executa de um modo particularmente imaginativo. Desenvolvida pelo grupo de design de Milão, Salottobuono, em colaboração com a equipe interna de gráficos da "Domus", o novo formato, que foi apresentado no mês passado, acentua as qualidades táteis da impressão ao misturar diferentes tipos de papel, cada um com odor e textura característicos.

"A 'Domus' tem mais de 80 anos, e uma tradição incrível de excelência e inovação no design gráfico, mas sempre resistiu à tentação de ser da moda", explicou Joseph Grima, o novo editor-chefe. "Queríamos que ela passasse contemporaneidade e que ao mesmo tempo fosse clássica, e que focasse na arte da revistaria em todos os aspectos: a qualidade da impressão, os diferentes tipos de papel, e assim por diante. O risco é, naturalmente, que uma revista pode se tornar chata rapidamente, então tentamos compensar isso cuidando muito dos detalhes -pela criação de diagramas e infográficos específicos para cada artigo e da criação de layouts especiais que quebram as regras do resto da revista”.

4. A louça de Jaime Hayón para Maruwakaya. Qualquer um que esteja familiarizado com o trabalho do designer espanhol Jaime Hayón sabe que seu trabalho é qualquer coisa menos "silencioso". Ele faz parte de uma nova geração de designers e o trata como um meio de auto-expressão. Os integrantes dessa novíssima geração se expressa estilisticamente ao invés de usar referências cerebrais e subtextos políticos do partido do design conceitual. O resultado tende a ser ousado e extravagante tanto na forma quanto na cor, com toques de humor que acenam para novelas trash e filmes de Pedro Almodóvar.

Não é que a nova coleção de louças japonesas que Hayón criou para a Maruwakaya não seja ousada, extravagante ou cômica - porque é. Mas ela é mais sutil do que o normal, com uma paleta restrita, formas elegantes e delicados padrões pintados nas jarras de sakê, bowls para sushi e potes para molho de soja.

Os objetos foram feitos por Kamide Choemon-gama, uma empresa de cerâmica japonesa que remonta a 1879. Depois de pesquisar a técnica tradicional Kutani de produção de porcelana, Hayón adaptou seu estilo próprio para que atendesse seu ethos. Ao fazer isso, ele mostrou que seu trabalho ainda pode ser divertido e espirituoso, mesmo num tom abaixo.

Tradutor: Érika Brandão

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